Taxas menores e comodidade são as iscas de contas digitais

Com tarifas menores e a comodidade de resolver tudo pela internet, de preferência pelo celular, as “fintechs” – startups que oferecem serviços bancários – começam a se popularizar no Brasil. Uma pesquisa da consultoria Cantarino Brasileiro apontou que 54% dos clientes de conta bancária tradicional têm interesse em abrir uma digital. O advogado Thiago Coacci, 29, começou a usar a Nuconta há cerca de um ano e se diz satisfeito. A Nuconta é a conta de pagamento do Nubank, que começou oferecendo um cartão de crédito digital. “Já tive relacionamento com vários bancos, e, em termos de atendimento, a Nuconta dá de 10 a 0. O aplicativo é transparente e posso pagar boletos de qualquer valor pelo app. Antes, para pagar meu plano de saúde, tinha que ir à agência bancária”, afirma.

Para o professor da FGV e especialista em inovação Arthur Igreja, se as taxas menores atraem, é a comodidade que vai manter os clientes. “A tarifa pode ser o atrativo inicial, mas, a cada dia, as pessoas querem as coisas digitais, descomplicadas e de forma rápida. Isso vai alavancar as contas digitais”, diz.

As recentes decisões do Banco Central (BC) em relação às contas digitais e serviços de pagamento online têm sido positivas para o setor. “Os reguladores têm se mostrado abertos às inovações tecnológicas, o que é positivo para proteger o cliente final”, avalia o CEO da Magnetis Investimentos, Luciano Tavares. “A entrada das instituições de pagamento no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) permitiu que se faça TEDs (transferências eletrônicas) de uma conta de pagamento”, comemora o especialista em finanças digitais e CEO da Quanto, Ricardo Taveira. Em fevereiro, o BC aprovou a portabilidade da conta salário para contas de pagamento, que permitem transações de pagamento por meio de cartão, telefone móvel ou internet. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a resolução do BC, de 2016, que permitiu a abertura e o encerramento de contas bancárias por meio eletrônico, foi importante para o setor.

A entidade diz que o Brasil já conta com 2,88 milhões de contas 100% digitais, de cinco bancos: Bradesco, Banco do Brasil, Itaú, Inter e Original. A atual regulação teria evitado o problema ocorrido com a Neon Pagamentos em maio, quando banco convencional associado à fintech foi liquidado pelo BC. “Se fosse hoje a Neon Pagamentos não precisaria se associar ao banco para prestar seus serviços”, diz Taveira. Para Igreja, “o episódio foi muito infeliz” porque afetou a credibilidade dos banco digitais. Hoje a Neon tem parceria com o banco Votorantim.

Usuários mantêm duas modalidades

As contas convencionais não estão sendo abandonadas. Segundo a pesquisa da Cantarino Brasileiro, 94% dos usuários de contas digitais mantêm a versão tradicional. “Não dá para substituir tudo, por isso mantenho a conta tradicional”, afirma o advogado Thiago Coacci, 29. Já o administrador Jean Pierry de Souza, 28, que, além da Nuconta, tem contas digitais no Next e no Original, diz que mantém uma convencional para sua empresa. “Pessoa jurídica tem que ter conta em banco convencional, por isso mantenho. Mas os custos são absurdos.

Pago uma taxa de administração de R$ 79, com direito a dois saques e duas TEDs. No banco digital, pago R$ 9,90 e tenho saques e TEDs ilimitados”, avalia Souza.

Menores crescem com alternativas

As contas digitais não são oferecidas só pelos bancos. A Conta Mobi, fintech de movimentação financeira via aplicativo, tem crescido 20% ao mês há mais de um ano. O serviço movimenta cerca de R$ 100 milhões em 40 mil contas cadastradas. Ela tem uma parceria com os Correios, que permite depósitos e saques em todas as agências da estatal. “Estamos presentes em 100% dos municípios do país”, conta o CEO da empresa, Ricardo Capucio. Já a Recargapay, que é uma carteira de pagamentos por celular, saiu de 2 milhões de clientes em 2015 para 10 milhões em 2018.

“Como não cobramos taxa, atendemos os desbancarizados, que no Brasil são cerca de 55 milhões de pessoas”, afirma o CMO da Recargapay, Renato Camargo. Minientrevista Ricardo Taveira Especialista em finanças digitais O que explica o uso conjunto de contas digitais e convencionais? A explosão dos neobancos mostra que tem uma demanda, que os clientes estão insatisfeitos, seja por causa das tarifas, seja pela qualidade dos produtos. Por isso, eles correm atrás de outras soluções.

Mas a gama de serviços disponibilizados pelos neobancos ainda não é suficiente para que os clientes abram mão 100% do banco convencional. Como as fintechs estão reagindo a essa questão do portfólio de produtos? Tem dois movimentos em vigor. As fintechs estão fazendo parceria umas com as outras para complementar a gama de produtos, principalmente lá fora. O Starling Bank funciona como o Nubank, mas na Inglaterra fechou uma parceria com o TransferWise, uma fintech de câmbio, para oferecer esse serviço. A ideia é que a Starling não precisa fazer câmbio se pode fazer uma parceria com outra fintech. Isso é uma das tendências principais do que a gente chama de “open banking”.

Outra coisa são os próprios bancos fazendo parceria com fintechs. O BPCE, que é o segundo maior banco francês, também fez uma parceria com a TransferWise. Os bancos estão entendendo que, se eles não conseguem oferecer um produto bom, é preciso fazer parcerias.

FONTE:   O TEMPO