‘Startups chinesas se movem mais rápido que americanas’

Em 2004, quando William Bao Bean cobria o mercado chinês de tecnologia para o Deutsche Bank a partir de Hong Kong, depois de anos como analista em Wall Street, o valor de mercado de todas as companhias chinesas do setor somava US$ 3 bilhões. Era o que se poderia chamar de microcaps, algo ainda menor que as smallcaps. Hoje, a capitalização das companhias de tecnologia da China soma US$ 2,5 trilhões. O salto ilustra a revolução que acontece no país em termos de inovação e da qual Bao Bean é testemunha privilegiada. Primeiro como analista de ações e, nos últimos 11 anos, como investidor de capital de risco.

Desde 2014, ele é sócio da SOSV, uma aceleradora e investidora de capital de risco americana, e é o responsável pelo braço chinês do grupo, a Chinaccelerator. A SOSV tem 700 empresas em seu portfólio pelo mundo. Desde que chegou à Chinaccelerator, Bao Bean já fez 130 investimentos em startups no país. A aceleradora foca no estágio realmente inicial das empresas, quando tudo que existe é apenas uma ideia. Em 2015, uma das suas aceleradas virou um unicórnio. Foi a Bitmex, uma bolsa digital de derivativos que permite que investidores especulem sobre o valor futuro das criptomoedas. “É algo que trata de inclusão financeira, porque qualquer pessoa no mundo, sem conta em banco ou corretora, consegue investir a partir de um smartphone.”

“Mas caçar animais míticos é algo difícil e não é nisso que estamos focados”, diz ele.

Bao Bean explica que, quando seleciona empresas, seu principal critério é se o empreendedor está focado em resolver um problema. “Interessa menos o produto que desenvolvem, e sim o problema que estão focados em resolver. E se têm o time correto para resolver esse problema”, explica ele, completando que há empreendedores que perdem um tempo enorme para criar um produto que depois ninguém quer comprar.

“Também é importante desenvolver seu projeto de forma coletiva, porque ninguém consegue sozinho cuidar do produto, da tecnologia e da venda”, diz. E continua: receber investimentos de terceiros também é fundamental, porque é o que realmente valida a tese do projeto. “Você quer que as pessoas invistam por causa das suas habilidades para resolver determinado problema, e não porque lhe trouxeram ao mundo ou foram seus amigos de faculdade.”

A SOSV trabalha em contato direto com grandes corporações, fazendo a ponte entre elas, seus problemas e as startups que podem oferecer as soluções. Um exemplo, diz, é a gigante cervejeira AB Inbev, que investe nos seus fundos de capital de risco e, com isso, ganha acesso às inovações com as quais a SOSV tem contato. Por exemplo, a aceleradora apresentou à AB Inbev uma empresa chamada Rise, especializada em recolher os rejeitos da fabricação da cerveja e transformá-los em uma farinha com alto teor proteico. “A Rise consegue ser paga pelas cervejarias e pelos fabricantes de pão, dos dois lados”, diz, divertindo-se.

As empresas incubadas pelos diversos programas da SOSV, como regra, recebem um capital inicial e ficam três meses dentro do escritório da aceleradora, período que pode ser estendido por outros três meses. Nesse tempo, além de ter o apoio da equipe da aceleradora, contam com a mentoria de 300 empreendedores. Depois disso, a SOSV ajuda a startup a levantar recursos e seguir adiante.

O investidor avalia que as regras do mercado chinês permitem que a inovação se dê de forma mais rápida. “Nos EUA, as pessoas inventam coisas e os reguladores tentam encaixar aquilo na lei. Na China, o governo apenas observa a novidade e, desde que não seja prejudicial aos seus próprios interesses ou ao interesse das pessoas, ele deixa acontecer. Então, pode-se testar muito mais coisas quando não tem ninguém te proibindo.”

Bao Bean ressalta que uma grande tendência atual é que a “China está saindo”, ou seja, as companhias inovadoras estão deixando os limites do país. “Não só a Alibaba e a Tencent estão indo para fora da China, mas também as startups. Porque US$ 30 milhões aqui são uma gota num balde, mas esse dinheiro na Índia, no Brasil ou no Sudeste Asiático é muito significativo.”

FONTE: VALOR ECONÔMICO