Saiba o que é epigenia e o que isso tem a ver com tomates e agtechs

Projeto piloto da Sound Agriculture, que já recebeu US$ 160 milhões, colocou mercado um fruto mais durável e saboroso, duas características que raramente andam juntas.

Se você pegar sementes de uma uva da França, transportá-las pelo Atlântico e plantá-las em Missouri, Califórnia, ou no Oregon, todas terão basicamente o mesmo conjunto de genes. Mas, se você esperar alguns anos e depois comer as uvas ou beber o vinho produzido a partir dessas sementes originais, ou de seus descendentes, vai notar que os sabores podem ser muito diferentes. Isso, graças ao impacto do que está no solo ou como o clima interfere nos sabores das uvas cultivadas.

Mas o que ocorre de fato é que em alguns casos, mesmo após algumas gerações, se você pegar as sementes de uvas dos descendentes californianos que vêm daquelas sementes francesas originais, vai descobrir que se elas forem cultivadas em solo francês, ainda assim as uvas terão um gosto mais parecido com as que são cultivadas na Califórnia do que com as uvas que sempre foram cultivadas na França. Mesmo que as duas sementes de uvas tenham, provavelmente, um idêntico conjunto de genes.

Para os biólogos, isso é chamado de epigenética – quando as mudanças ambientais afetam como os genes são ativados e desativados no DNA, impactos que podem até ser hereditários ao longo das gerações. E é esse processo que a agtech Sound Agriculture, com sede em Emeryville, na Califórnia, pretende utilizar para criar um tomate que tenha durabilidade maior do que as variedades atuais ofertadas nos supermercados, e ao mesmo tempo o sabor de um produto comprado na feira do bairro.

“Até onde sabemos, este será o primeiro produto disponível para os consumidores que foi realmente criado com epigenética”, diz Travis Bayer, diretor de tecnologia da empresa. No final de março, a empresa anunciou que está levando seu novo tomate diretamente aos consumidores. Para isso, fechou uma parceria com o distribuidor de alimentos S. Katzman Produce, para o novo tomate, que eles chamam de Summer Swell, em lojas de Nova York como um programa piloto.

O que seus clientes estão procurando, diz a vice-presidente executiva da distribuidora, Stefanie Katzman, é sabor. Mas chegar lá não é tão fácil quanto parece. Normalmente, com os tomates, explica ela, você pode ter algo saboroso que não dura muito tempo na prateleira, ou algo firme e durável mas que falta sabor. Raramente há um produto que reúne essas duas qualidades.

“Assim que mencionaram que esse produto tem o sabor de um tomate antigo, minha atenção se voltou para isso”, afirma ela. “Normalmente, é um tomate muito delicado e o que nos explicaram é que mesmo maduro, o tomate ainda será bom para o consumo por mais uma semana e meia. Fiquei um pouco cética, mas também intrigada.”

Acabar com o trade-off entre durabilidade e sabor nos tomates foi o principal objetivo da Sound Agriculture, fundada em 2013 por Travis Bayer, 42, e Eric Davidson, 43, atualmente diretor de produtos da empresa. Nos últimos 10 anos, a agtech levantou US$ 160 milhões (quase R$ 800 milhões) em capital de risco de empresas como BMO Capital Markets, Mission Bay Capital e Leaps by Bayer. Atualmente, a startup emprega 140 pessoas.

A Sound lançou seu primeiro produto, um aditivo agrícola chamado Source, que estimula a atividade microbiana próximo dos sistemas radiculares, em 2020, e embora não tenha divulgado números de receita específicos, anunciou um crescimento de mais de 400% no faturamento de 2022 e espera aumentar em cerca de 300% neste ano.

A empresa começou a discutir a ideia de um tomate melhor há cerca de dois anos, diz o CEO, Adam Litle, 41 anos, que se juntou à empresa em 2020. A agtech estudou um tomate antigo da variedade Brandywine e percebeu que ele tinha um gene cuja expressão estava fazendo com que suas paredes celulares entrassem em decomposição mais rapidamente do que um tomate de supermercado. Em outras palavras, tornando-o mais mole, mais rápido de estragar.

Um melhorista tradicional abordaria esse problema cultivando vários tomates, possivelmente cruzados com uma variedade mais durável, e ao longo das gerações faria um tomate que preservasse a maior parte do sabor antigo, ao mesmo tempo em que permanecesse firme por mais tempo. Uma empresa de genética poderia tentar, pela engenharia, tornar o tomate geneticamente mais estável e que mantivesse genes saborosos. Mas, em ambos os casos, seria um processo caro que levaria mais de uma década para chegar a um produto pronto para o mercado.

O que a Sound Agriculture fez, explica Bayer, foi desenvolver uma solução composta por partes do próprio DNA do tomate que, quando a planta está viva, ajuda a guiar genes específicos que se ativam ou desativam. Neste caso, eles selecionaram partes do DNA da planta que regulavam as paredes celulares do tomate. A empresa mergulhou as sementes do tomate nesta solução, à medida que começaram a germinar, fixando o caminho de expressão dos genes.

O resultado foi o Summer Swell, que a agtech diz preservar tanto o sabor da variedade antiga quanto ser capaz de durar mais tempo, e que se reproduziu fielmente após mais de seis gerações. “E é interessante”, diz Bayer. “Se você olhar para a variedade de tomate original Brandywine e olhar para o Summer Swell, eles são geneticamente idênticos. O DNA não mudou nada.”

Quando o Summer Swell for lançado, depois de passar pelo programa piloto, explica Katzman, os tomates serão enviados para varejistas e clientes de serviços alimentícios, e a distribuidora buscará feedback de todos os ângulos – de consumidores a chefs e repositores de gôndolas, além de buscar opiniões sobre todos os aspectos do próprio tomate. Isso inclui não apenas solicitar impressões das pessoas na cadeia produtiva, mas também analisar dados como compras repetidas.

O piloto, diz Litle, está “testando a adequação do produto ao mercado, e a partir daí teremos a opção de ampliar a escala. Queremos ser responsáveis e ter um produto comprovado antes de nos envolvermos em compromissos de capital super caros.” Mas se tudo correr bem, ele diz que a agtech pretende expandir para mais tipos de produtos usando epigenética, com algumas estratégias de negócios diferentes, dependendo dos resultados do piloto.

“Isso é muito atraente para os consumidores”, diz Bayer, sobre o lançamento do tomate vindo da epigenia. “Porque ele marcará o início de uma era de produtos diferenciados, mais estáveis e mais saborosos e chegando ao mercado mais rapidamente.”

FONTE: https://forbes.com.br/forbesagro/2023/06/saiba-o-que-e-epigenia-e-o-que-isso-tem-a-ver-com-tomates-e-agtechs/