Uma das maiores fintechs da Europa acaba de chegar ao Brasil – e quer ajudar os brasileiros a enviarem dinheiro para cá

A Zepz já opera em mais de 130 países e agora passa a possibilitar o envio de dinheiro ao Brasil. Confira a entrevista com Giancarlo Braccia, head da empresa para a América Latina.

No início da pandemia, não faltaram previsões de que a Covid colocaria fim a um período de décadas de crescente globalização. Apreensivos, os países fechariam suas fronteiras a pessoas e produtos estrangeiros. Como resultado, os fluxos de capital também cairiam. Pouco mais de três anos depois, os números indicam que essas previsões foram equivocadas. Segundo o DHL Global Connectedness Index, desenvolvido pela NYU Stern Center for the Future of Management, os fluxos de comércio, capital e informação já superavam os níveis pré-covid em 2021. O fluxo de pessoas demorou mais, mas voltou a se acelerar em 2022.

Um dos resultados dessa reaceleração é uma grande mudança no mercado global de transferências internacionais de dinheiro, as chamadas remessas. Esse segmento cresce rapidamente em tamanho, complexidade e concorrência. De 2019 para 2022, o valor total das remessas saltou de US$ 726,9 bilhões para US$ 831,1 bilhões, segundo o World Bank Global Knowledge Partnership on Migration and Development. De longe, os principais destinos são os países de renda média e baixa, destinatários de 78% do fluxo total.

O problema é que o custo de enviar dinheiro de um país a outro ainda é elevado. Segundo o Banco Mundial, a média global foi de 6,25% sobre o total enviado no primeiro trimestre deste ano. Os operadores digitais de remessas têm ajudado a mudar o cenário, oferecendo o serviço a preços mais atrativos. Considerando apenas as transações digitais, o custo médio no período foi de 3,90%. Reduzir esses valores em 5 pontos porcentuais, diz o Banco Mundial, traria economias de até US$ 16 bilhões por ano.

São várias as empresas que tentam ajudar a solucionar o problema. A Zepz, em operação desde 2010, iniciou seu trabalho com foco no fluxo de países desenvolvidos para os países africanos. Não à toa. A região é menos atendida pelos players tradicionais, e isso se reflete no custo das transações: enviar dinheiro para os países da África Subsaariana é historicamente mais caro. No primeiro trimestre desse ano, custava, em média, 8,35% do total transferido.

A empresa cresceu e passou a explorar outras regiões. Depois do sudeste asiático, começou a olhar para a América Latina, e acaba de chegar ao Brasil. Hoje, são mais de 130 países atendidos, mais de 70 moedas e 5,7 milhões de usuários. Os números renderam à Zepz uma avaliação de mercado de US$ 5 bilhões, tornando a empresa uma das maiores fintechs baseadas na Europa (sua sede fica em Londres, apesar de seus funcionários estarem espalhados pelo mundo).

Em suas duas marcas – WorldRemit e Sendwave – a companhia busca facilitar e baratear as remessas. Os fluxos vão, majoritariamente, dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento. No caso do Brasil, por exemplo, só é possível receber dinheiro vindo de fora, e não enviar para o estrangeiro. Giancarlo Braccia, head da empresa para a América Latina, explica que isso acontece porque esta é a principal direção nesse corredor. Assim, a Zepz consegue também atingir seu objetivo de ajudar migrantes a enviar recursos a suas famílias em seus países de origem.

Época NEGÓCIOS conversou com Giancarlo Braccia, head da Zepz para a América Latina. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Época NEGÓCIOS – A Zepz, com as marcas Sendwave e WorldRemit, começou seus negócios com foco em outras regiões que não a América Latina. Por que entrar nesse mercado agora?

Giancarlo Braccia – Historicamente, nossa empresa iniciou sua jornada com foco no fluxo de dinheiro dos países desenvolvidos para a África. É onde nosso sucesso começou. Somos um player importante nesse corredor. Naquele momento [2010], víamos uma grande oportunidade na África, porque havia um grande gap entre o que estava disponível no mercado internacional e o que poderíamos oferecer às pessoas. Num segundo momento, passamos a olhar para a América Latina. Aqui, os usuários são relativamente bem-servidos de serviços financeiros. Então, o desafio é saber como melhorar as ofertas a eles.

Quais as dificuldades de entrar no mercado da América Latina?

Fazer um estudo caso a caso, a cada país em que decidimos entrar. Brasil e Colômbia já são bem avançados em uso de carteiras digitais, mas outros mercados da América Latina ainda são muito intensivos em uso de dinheiro em espécie. Em alguns países, como Guatemala e México, as pessoas ainda preferem dinheiro. Mas acho que, aos poucos, estamos mudando essa tendência e obtendo cada vez mais a adoção dos meios digitais. Acabamos de lançar nosso serviço no Brasil, e estamos animados com isso.

Quais as peculiaridades do Brasil nesse mercado de transferências internacionais?

Com a criação do PIX, muitos dos problemas habituais nas transferências internacionais já foram significativamente resolvidos, como a disponibilidade do serviço. E, por causa do PIX, nossas transferências são feitas em minutos ou segundos, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Mas vimos uma possibilidade de competir em confiabilidade e preço. Basicamente, pensávamos que ainda havia uma oportunidade para reduzirmos o custo final para o usuário, para o brasileiro que está fora do país enviando dinheiro para sua família. É aí que queremos agregar valor.

Como foi o lançamento no Brasil? Vocês pretendem lançar outros serviços aqui, como a possibilidade de transferir do Brasil para outros países?

Por enquanto, não estamos planejando o serviço de enviar dinheiro do Brasil para outros países, apenas dos países desenvolvidos para o Brasil. Temos uma boa razão para isso: por enquanto, estamos focando nos maiores corredores das remessas. Só para se ter uma ideia, no ano passado, brasileiros enviaram do exterior para o Brasil um pouco mais de US$ 4,2 bilhões. E esse fluxo tem aumentado.

E qual o maior mercado para a Zepz na América Latina no momento? Para o mercado em geral, o México é a maior oportunidade. Para ter uma ideia de quão grande é, estamos falando em US$ 58 bilhões, enviados principalmente dos Estados Unidos para o México. Ou seja, os mexicanos fora do país enviam ao México mais de US$ 1 bilhão por semana.

Para nós, estamos tendo uma tração muito boa também na Colômbia, onde, neste momento, temos um pouco mais de 4% de participação de mercado e estamos crescendo significativamente. Estamos focados na tendência de digitalização do país para fornecer uma forma mais barata e mais rápida de enviar dinheiro.

Como é a concorrência nesse mercado de remessas internacionais? Como é competir com players mais tradicionais, como a Western Union ou os grandes bancos?

Para enviar dinheiro pelos players tradicionais, você precisa ir até uma loja física e depositar o dinheiro. Você gasta tempo fazendo isso. Com a SendWave, só é preciso baixar o app e, de forma bastante automática, o dinheiro é descontado tanto do seu cartão de débito ou do seu cartão de crédito, e é depositado quase automaticamente onde você quiser no Brasil.

O outro aspecto é que, como estamos nos concentrando apenas nas transferências digitais, conseguimos ser mais eficientes. Temos orgulho disso porque realmente queremos que as famílias trabalhadoras que migraram gastem menos dinheiro e tempo para ajudar suas famílias em seu país de origem.

Você mencionou o exemplo dos imigrantes que enviam dinheiro às suas famílias nos seus países de origem. Tanto a Sendwave quanto a WorldRemmit focam nisso. Por quê? Esta é a maior oportunidade dentro do mercado de transferências internacionais?

Originalmente, quando a empresa foi criada, tínhamos a missão de tornar as transferências internacionais seguras e mais baratas para os migrantes. Estamos muito focados nisso. Há um mercado crescente de, por exemplo, empresas estrangeiras que contratam latino-americanos com trabalho remoto. Neste ponto, tomamos a decisão de não mudar nosso foco. Esse espaço tem outras complexidades em termos de combate à lavagem de dinheiro, compliance e muitas outras questões importantes. Sentimos que ajudar a facilitar as transferências de pessoa para pessoa é um desafio tão grande que queremos ser os melhores nisso. E, depois disso, talvez em alguns anos, decidiremos iniciar as transferências de empresas para pessoas. Mas, por enquanto, estamos muito focados nas transferências de pessoa para pessoa. Estamos com os olhos bem abertos, porém muito focados.

Na sua opinião, em relação ao dinheiro e à digitalização, qual foi o principal avanço que o mundo fez até agora?

O primeiro é a velocidade. Historicamente, para você conseguir fazer uma transferência internacional, poderia levar de três a cinco dias, dependendo do país. Agora, pelo menos por meio de qualquer uma de nossas marcas, na maioria dos países da América Latina, você pode fazer sua transferência no mesmo dia. E, para países específicos, como Brasil e Colômbia, você recebe o dinheiro em minutos. O segundo aspecto é a facilidade. Basta baixar um aplicativo, fazer o cadastro e pronto. E o terceiro ponto, e isso é muito específico de alguns países como o Brasil, é o fato de que não é preciso esperar a abertura dos bancos. E isso eu acho fantástico. Você pode enviar o dinheiro em um domingo e não terá de esperar até segunda-feira.

FONTE:

https://epocanegocios.globo.com/futuro-do-dinheiro/noticia/2023/08/uma-das-maiores-fintechs-da-europa-acaba-de-chegar-ao-brasil-e-quer-ajudar-os-brasileiros-a-enviarem-dinheiro-para-ca.ghtml