Trabalho remoto faz a sociedade mais igualitária

A colunista Vicky Bloch fala sobre o impacto que pode ocorrer nas famílias com nova modalidade.

Em um artigo publicado em 2023 pela revista americana Forbes, a jornalista e empresária Erin Grau trouxe uma perspectiva muito interessante sobre o movimento de resistência ao home office que vem sendo liderado por alguns CEOs de grandes empresas globais como Mark Zuckerberg (Meta), Jamie Dimon (JP Morgan) e Marc Benioff (Salesforce).

Enquanto os executivos que impuseram a volta total ao escritório, em sua maioria homens, alegam queda de produtividade e prejuízos à cultura organizacional no modelo remoto estabelecido durante a pandemia, Erin alerta que essa postura reforça arranjos de trabalho ultrapassados e machistas que não contemplam as necessidades das mulheres – e tampouco refletem o sentimento da maioria dos funcionários das organizações.

O trabalho flexível, explica Erin, quando implementado sem penalidades ou preconceitos de gênero, promove uma mudança importante na dinâmica do cuidado e um maior equilíbrio na divisão dos afazeres domésticos, passo essencial para uma sociedade mais igualitária. “O argumento em favor do trabalho flexível tem um imperativo social e moral. Ele ajuda a reter mulheres, reduz o esgotamento profissional e facilita a conciliação entre o trabalho e as responsabilidades de cuidado”, diz ela no artigo.

Seus argumentos são corroborados por pesquisas. Um levantamento realizado com mulheres que adotam o modelo híbrido, combinando trabalho presencial e remoto, apontou que 88% delas acreditam que essa flexibilidade é equalizadora no ambiente de trabalho, e dois terços afirmam que tiveram um impacto positivo em sua trajetória de crescimento profissional.

Além da perspectiva de equidade de gênero, esse artigo me levou também a uma reflexão sobre o quanto essa nova dinâmica de trabalho impactará as novas gerações – não apenas no aspecto profissional, mas também na observação de uma estrutura familiar mais equilibrada. Enquanto os jovens e adultos de hoje presenciaram uma dinâmica doméstica majoritariamente a cargo de suas mães, as crianças da atualidade têm a chance de crescerem em um ambiente onde não existe um pré-conceito em relação a esses exercícios de papéis.

Há ainda outro aspecto a ser considerado: esse formato que permite que se trabalhe de casa alguns dias da semana também tende a alterar o sentido de compromisso profissional transmitido às crianças. Se antes os filhos enxergavam o comprometimento de seus pais a partir do número de horas que passavam na empresa – quanto mais tarde e exaustos chegavam, supostamente mais comprometidos eram -, os exemplos agora são diferentes. O ato de os pais reservarem alguns minutos do dia para brincar com os filhos, cuidar do cachorro ou resolver tarefas domésticas não implica em menor comprometimento com o trabalho ou em menor produtividade. Ao contrário, o que se observa desde os tempos da pandemia é que os profissionais em home office trabalham tanto ou até mais do que trabalhavam dentro de um escritório.

Toda mudança requer ajustes e adaptações, obviamente. Mas acredito que dentro de alguns anos conseguiremos medir com mais clareza o tamanho do impacto do trabalho remoto na nossa realidade social e familiar. Torço para que de fato esteja ocorrendo uma mudança para melhor.

Vicky Bloch é fundadora da Vicky Bloch Associados, professora do IBGC, da FIA e membro de conselhos de administração e consultivos

FONTE:

https://valor.globo.com/carreira/coluna/trabalho-remoto-faz-a-sociedade-mais-igualitaria.ghtml