Tijolo a tijolo: como proptechs e construtechs que estão ajudando a revolucionar a construção civil

Nos últimos seis anos, as startups do setor no Brasil cresceram 282% em quantidade.

As startups ligadas à construção civil se multiplicaram no Brasil e estão ajudando a redesenhar nossas cidades com mais eficiência e sustentabilidade – em muitos casos, com propósitos que vão além do lucro. De acordo com a Terracotta Ventures, o primeiro fundo da América Latina focado em construtechs e proptechs, elas cresceram 282% em quantidade no país nos últimos seis anos. No ano passado, 955 startups do gênero estavam ativas. Em 2018, quando a Terracotta começou a mapear empresas do tipo, eram apenas 350.

Só entram na lista as companhias com no máximo 15 anos de fundação e até 150 funcionários. São aceitas startups atuantes em qualquer um dos segmentos da construção civil e do mercado imobiliário. Daí a presença tanto da mineira GuiaCivil, que dispõe de um sistema que descomplica a gestão de obras, quanto da paulistana Tuim, que oferece móveis por assinatura. Mais de 41% dessas empresas têm ao menos uma mulher no quadro de fundadores, e apenas 7,6% afirmam manter lideranças negras ou pardas (em 2021, porém, eram 4,2%).

No ano passado, pelas contas da Terracotta, as construtechs e proptechs verde-amarelas realizaram 67 rodadas de investimento, que totalizaram R$ 5,8 bilhões. Desse montante, R$ 634 milhões foram direcionados para companhias em estágios iniciais, um salto de 87% em relação a 2021. “Há uma boa safra de startups que estão conseguindo crescer rápido, atrair capital e desafiar as empresas tradicionais”, registrou o fundo de venture capital.

De olho nesse universo, o Cubo Itaú abriu as portas, em março deste ano, de um novo hub de inovação, o Construliving. Criado em parceria com EZTEC, Dexco, Gerdau e Saint-Gobain, o novo braço ambiciona unir ao ecossistema de inovação os atores da construção e da habitação. Com o Construliving, o Cubo Itaú quer aumentar a quantidade de construtechs e proptechs ligadas a ele em 300% neste ano. “É um setor relevante para a sociedade”, afirma Paulo Costa, CEO do Cubo Itaú. “87% dos brasileiros têm o sonho da casa própria.”

Segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, o Brasil convive com um déficit de 5,9 milhões de moradias. Para resolver o problema, a Firjan calcula que seriam necessários R$ 228,7 bilhões de investimentos anuais, até 2030, para a construção de 1,2 milhão de unidades por ano.

Recriado em janeiro, o Minha Casa Minha Vida tem como meta contemplar 2 milhões de famílias até 2026. Lançado em 2009, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva – e rebatizado de Casa Verde e Amarela pelo governo de Jair Bolsonaro –, o programa oferece subsídio e taxa de juros abaixo do mercado para facilitar a aquisição de moradias populares e conjuntos habitacionais na cidade ou no campo.

A retomada do Minha Casa Minha Vida é uma ótima notícia não só para inúmeros brasileiros como para startups desse universo. É o caso da Viverde Casa. Com sede em Recife, Pernambuco, a empresa constrói e reforma residências com foco na classe C e capacita pedreiros, azulejistas, eletricistas e demais profissionais que ganham a vida com obras de pequeno porte. Conheça a história da construtech a seguir – e a de outras empresas que, como a Viverde Casa, estão revolucionando o segmento.

Conheça seis histórias inspiradoras de proptechs e construtechs:

Construcode

Baiano de Jaguaquara, Diego Mendes, 39 anos, adora exibir uma foto tirada no canteiro de obras da termelétrica que a Andrade Gutierrez ergueu em São João da Barra (RJ). Registra ele sobre um palco, com um megafone na mão, no meio dos mais de cem operários que construíram a usina. O que estava dizendo para eles? Que as plantas e os detalhamentos em papel seriam substituídos, dali em diante, por versões digitais.

A Andrade Gutierrez foi um dos primeiros clientes da Construcode, a startup que Mendes fundou em 2018 em parceria com Leandro Mascarenhas, 39 – o primeiro é o CEO e o outro, o CTO. O intuito dela é digitalizar a infinidade de documentos impressos que norteiam a execução de obras de médio e grande portes.

A construção de um prédio de dez andares, estima a startup, demanda cerca de 1,5 mil documentos relacionados a detalhamentos. Cada um costuma ser substituído por atualizações até três vezes ao longo das obras – estamos falando, portanto, de uns 6 mil documentos. “As construtoras gastam até R$ 700 mil para imprimir tudo isso”, diz Mendes. “Com a plataforma da Construcode, dá para economizar até 90% desse valor.”

O software desenvolvido por ela permite que as plantas baixas e os documentos do tipo sejam conferidos por meio de tablets e smartphones – basta apontá-los para os QR codes afixados nos canteiros de obra. “Criamos uma solução que facilita tanto a vida de quem está na ponta quanto a dos engenheiros, que podem atualizar os projetos remotamente”, afirma o CEO.

Com quase 500 clientes ativos, a startup já foi utilizada em mais de 2 mil obras. “Trabalhamos com sete das dez maiores construtoras do país”, ressalta Mendes, acrescentando que o break even já foi atingido. No ano passado, a Construcode faturou mais de R$ 3 milhões, e a expectativa para este ano é chegar a R$ 8 milhões. Com investidores, incluindo a Vedacit, ela captou R$ 8 milhões até agora. Na última rodada, a pré-série A, o valuation foi estipulado em R$ 45 milhões.

Mendes se formou em tecnologia da informação em 2009 e tentou, em vão, montar duas startups em seguida – uma propunha um novo sistema para clínicas de estética, e a outra, uma fintech, geria carteiras digitais. Resolveu tirar a Construcode do papel depois de se formar em engenharia civil, em 2016. “A construção civil equivale a um oceano azul para quem quer empreender.”

FastBuilt

Segundo a startup FastBuilt, as construtoras gastam o equivalente a 1,5% do valor geral de venda (VGV), em média, para corrigir problemas de empreendimentos que já foram entregues – por lei, elas são obrigadas a oferecer garantia por até cinco anos a partir do Habite-se (o documento que atesta a construção do imóvel de acordo com as regras da prefeitura local). No caso de um residencial com duas torres de 24 andares – e 192 apartamentos no total, cada um deles com 77 metros quadrados –, as despesas no pós-obra giram em torno de R$ 1 milhão.

A principal razão de ser da FastBuilt é ajudar as construtoras a diminuir esse tipo de gasto. Desde 2018, a proptech dispõe de uma plataforma que permite às construtoras gerenciar o canteiro de obras digitalmente e registrar cada etapa da obra. “Com isso, elas conseguem identificar facilmente o que motivou cada despesa extra no pós-obra e podem evitar que os mesmos erros sejam cometidos em construções futuras”, diz Adriana Bombassaro, COO da startup e uma das fundadoras. A empresa sustenta que sua solução diminui os gastos no pós-obra em cerca de 20%.

A plataforma também permite que os proprietários acompanhem o desenrolar das obras e consultem o manual dos apartamentos de maneira prática. Ainda facilita o registro das manutenções preventivas realizadas pelos condomínios, que, assim como as construtoras, podem virar clientes da FastBuilt – as assinaturas custam a partir de R$ 300. “O mercado da construção civil está em alta no Brasil, mas ainda sofre com a falta de eficiência”, afirma Bombassaro, nascida em Lages (SC) há 49 anos.

Formada em ciência da computação, ela fundou a proptech com o engenheiro civil Jean Ferrari, 45 anos. Catarinense de Blumenau, onde a empresa está sediada, ele exerce o cargo de CEO. “Queremos incentivar outras empresas do ramo a adotar mais tecnologia”, diz ele. Não à toa, a companhia promove todo ano, na mesma época da Oktoberfest local, o FastBuilt Experience. Trata-se de um simpósio para a troca de experiências e insights sobre o mercado de construção.

Mais de 400 empreendimentos – que totalizam 15 mil unidades residenciais – utilizam os serviços oferecidos pela proptech. Nela já foram injetados R$ 500 mil, que saíram do bolso dos fundadores e de investidores-anjo. Em busca de interessados para a rodada seed, a companhia não revela quanto fatura nem qual é o valuation atual.

Viverde Casa

“Minha casa vai ficar com ‘cara de novela’?” Eis uma pergunta que a arquiteta Camila Viegas, 33 anos, volta e meia ouve dos clientes da Viverde Casa. Fundada por ela em 2019, a startup constrói e reforma residências com foco na classe C e diz não abrir mão de acabamentos de qualidade. “Toda construtora tem a obrigação de entregar imóveis que os donos considerem bonitos, pois ninguém quer ter uma casa apenas funcional”, diz Viegas, a CEO da empresa. “Por isso, nunca entregamos casas inacabadas ou utilizamos material de baixa qualidade. E fazemos questão de conforto termoacústico e de combater o desperdício nas obras, o que costuma diminuir os custos em 30%.”

O propósito número 1 da Viverde Casa, sediada em Recife (PE), onde nasceu e vive a fundadora, é ajudar a diminuir o déficit de moradias no Brasil. Para construir uma casa, a startup cobra a partir de R$ 100 mil, que podem ser pagos com cartão de crédito em até 12 vezes ou em 36 vezes no boleto – os interessados também podem recorrer a linhas de crédito fornecidas pelos programas de habitação social.

A construtech tem um segundo propósito, no entanto: capacitar pedreiros, azulejistas, eletricistas e demais profissionais envolvidos na construção de empreendimentos de até quatro andares. “A qualidade das casas espalhadas pelo país está diretamente ligada ao domínio técnico de quem as construiu”, argumenta a CEO. Os profissionais interessados em se capacitar por meio da Viverde Casa são direcionados às obras feitas pela startup – e, em seguida, são indicados para tocar os projetos que ela não dá conta de executar. A companhia já realizou mais de 150 construções e reformas e capacitou cerca de 300 pessoas.

Foram apenas R$ 200 de investimento inicial. Em 2019, quando vivia de seguro-desemprego, Viegas gastou esse dinheiro com a compra dos EPIs usados nos primeiros cursos de capacitação. Quanto a Viverde Casa faturou no primeiro ano? R$ 250 mil. Acelerada pela BlackRocks e pela Porto Digital, a construtech ainda não participou de nenhuma rodada de investimentos e não revela quanto embolsou de 2020 em diante. Mas não se nega a abrir a estimativa de faturamento para 2024: R$ 1,5 milhão.

Tabas

Nascido em Jaboticabal, no interior paulista, Leonardo Morgatto, 34 anos, decidiu alugar um apartamento mobiliado em Londres por três meses, em 2019 – e detestou a experiência. “O lugar era horrível e ainda fui obrigado a pagar por seis meses”, recorda ele, que na época cursava MBA no Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) e foi fazer um estágio de verão na Inglaterra. Quando se queixou da experiência para um colega de classe, o italiano Simone Surdi, 34 anos, nascido em Milão, a dupla vislumbrou uma oportunidade de negócio. Papo vai, papo vem, fundaram a Tabas, no início de 2020.

A startup oferece apartamentos reformados e mobiliados que podem ser alugados, geralmente, por temporadas de no mínimo um mês. O port-fólio atual é composto por cerca de 1,4 mil unidades concentradas nos bairros mais nobres de três capitais: Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. A opção mais em conta, na Vila Buarque (SP), custa R$ 3.338 por mês, incluindo água, luz, internet, TV a cabo, condomínio, IPTU e fundo de reserva. O apartamento mais caro, com quatro quartos e área de lazer a céu aberto, fica no Leblon (RJ) e sai por R$ 45.999 por mês. “Somos procurados tanto por turistas como por nômades digitais, e também pessoas que estão reformando o próprio endereço”, diz Surdi, o COO da startup.

Ela remete ao Airbnb, mas há diferenças gritantes entre as duas companhias. A Tabas não intermedeia hospedagens. O que a empresa faz é alugar, ela mesma, apartamentos muito bem localizados com contratos de até seis anos. Depois se encarrega de reformá-los, sem repassar custo algum para os proprietários – o que já consumiu R$ 70 milhões –, e de sublocá-los por valores mais altos. “O aluguel de um apartamento em bom estado e já com mobília costuma custar até 20% a mais”, estima Morgatto, que exerce o cargo de CEO.

Parte dos apartamentos disponibilizados pertence a fundos imobiliários, que costumam colocar na mão da Tabas prédios inteiros. No ano passado, a startup faturou R$ 60 milhões, e para este ano estão previstos cerca de R$ 120 milhões. Desde novembro de 2022 a companhia não pertence mais a Morgatto e Surdi. Por uma quantia não revelada, eles a venderam para a multinacional Blueground, que aposta exatamente no mesmo filão. Os fundadores da Tabas continuam à frente do negócio e decididos a multiplicá-lo.

Toodo.Be

Do nascimento até os 26 anos, o paulistano Anderson Augusto Ferreira teve 26 endereços diferentes. Sempre que o contrato do aluguel sofria um reajuste, a família fazia as malas por não ter condições de arcar com o custo extra. “Tive uma história parecida com a de inúmeras famílias brasileiras que não conseguem sair do aluguel”, lembra Ferreira, o segundo filho de uma prole de seis – o pai dele ganhou a vida como porteiro e manobrista, e a mãe era auxiliar de serviços gerais em um hospital.

Para fundar a Toodo.Be, em 2017, ele se inspirou na trajetória familiar e em sua vasta experiência como consultor imobiliário, profissão que começou a exercer em 2008. “Certo dia analisei o meu histórico de vendas e constatei que só 10% dos apartamentos tinham sido comprados por pretos”, recorda ele, que hoje está com 45 anos. “E daí resolvi fazer algo para ajudar famílias como a minha a conquistar a casa própria.”

Ao se aprofundar sobre o assunto, concluiu que boa parte da população não compra imóveis simplesmente porque não consegue acesso a crédito imobiliário. “Muitos dos interessados têm renda familiar suficiente, mas não conseguem comprová-la para os bancos por culpa da informalidade”, afirma ele, que é CEO da startup. “E há muitos casos de pessoas que conseguem obter financiamento com facilidade, mas com um valor bem abaixo do almejado, o que não adianta.”

O que a Toodo.Be faz é prestar consultoria para facilitar a aprovação de crédito imobiliário e ajudar a clientela a quitar o valor obtido o quanto antes. No ano passado, ela intermediou a liberação de R$ 6,4 milhões, um salto de 128% em relação ao primeiro ano – o faturamento não é revelado. Ela só trabalha com imóveis que custam a partir de R$ 251 mil – acima da faixa, portanto, que é coberta pelos programas de habitação social.

Mais de 150 propriedades já foram compradas por meio da startup, que embolsa 10% de cada financiamento costurado. Em média, as residências adquiridas saíram por R$ 395 mil. Quanto custou a mais cara? Quase R$ 7 milhões. “Até quem tem renda alta pode não conseguir financiar o tanto que deseja por não conseguir comprovar tudo que ganha”, diz Ferreira. A companhia está de portas abertas para pessoas de todas as cores, mas um dos propósitos do fundador já está sendo cumprido: mais de 50% dos clientes são negros.

Meta Amazon Solution

Apartamentos decorados, maquetes e prospectos. Eis as soluções que as incorporadoras mais utilizam para apresentar os lançamentos que ainda não saíram do papel a potenciais compradores – na esperança de que seja o suficiente para que eles fechem negócio. Fundada no início do ano passado, a Meta Amazon Solution propõe uma solução bem mais alinhada aos tempos atuais: uma imersão na futura construção com a ajuda de óculos de realidade virtual.

A startup cria uma réplica virtual do empreendimento que pode ser explorada de ponta a ponta. “Dá até para subir nos elevadores e mexer nos móveis”, diz Mariana Tavares, CMO e uma das sócias da empresa. “Criamos uma solução bem mais em conta do que apartamentos decorados, por exemplo, e muito mais sustentável, pois não gera uma pilha de entulho.” Para transpor o projeto de um prédio de 15 andares, por exemplo, para a realidade virtual, a empresa cobra cerca de R$ 100 mil.

A CMO defende que as réplicas digitais são bem mais efetivas do que as soluções tradicionais. “Permitem uma visão do todo que é vantajosa não só para compradores em potencial, mas também para arquitetos e engenheiros, que, por meio delas, podem detectar falhas e corrigi-las a tempo”, argumenta ela, nascida em Goiânia (GO) há 39 anos. Não à toa, a startup quer oferecer para imobiliárias o desenvolvimento de réplicas virtuais de casas a partir deste ano. “Em vez de imóveis vazios e geralmente detonados, os corretores poderão apresentar propriedades devidamente decoradas”, afirma.

A startup foi fundada pelo CEO, o carioca Alder Lima, 40 anos. Formado em administração de empresas, ele criou em 2020 a Ar360Brasil. Um dos clientes desta companhia, especializada em criar soluções para aumentar a presença online de marcas, é o Prêmio Glow, que celebra conquistas do marketing de influência em Rio Branco, no Acre. E quem criou essa premiação foi Tavares, radicada na cidade há uma década.

Lima propôs levar o evento dela para o Metaverso e, em seguida, criou a Meta Amazon Solution, da qual Tavares virou sócia. “Decidimos sediar a startup em Rio Branco para provar que também há inovação no Acre”, registra ela. A dupla investiu R$ 150 mil na startup e já conquistou clientes como a siderúrgica ArcelorMittal. O faturamento do primeiro ano não é revelado, mas a previsão para este ano, sim: R$ 1,2 milhão.

FONTE: https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/09/tijolo-a-tijolo-como-proptechs-e-construtechs-que-estao-ajudando-a-revolucionar-a-construcao-civil.ghtml