Relações voláteis

do consumidor hiperconectado desafiam empresas

Por Ana Lúcia Moura Fé — Para o Valor, de São Paulo

Serviços digitais proliferam em todos os setores, trazendo conveniência e economia para os consumidores. Contratação de crédito, compras on-line, pagamentos de boletos, aluguel de carro, acesso a música e filmes, tudo pode ser feito a qualquer tempo e lugar, sem necessidade de deslocamentos e mediante alguns cliques na tela do PC ou do celular. Hiperconectado, o novo consumidor habitua-se rapidamente às novidades. Por outro lado, está mais propenso a abandonar fornecedores que o desapontam.

Basta uma experiência negativa para que seis em cada dez pessoas deixem de comprar em uma loja virtual ou cancelem um serviço digital, revela pesquisa da Forrester em 15 países, inclusive Brasil. Demandas do consumidor hiperconectado desafiam empresas “O cliente informado e empoderado é um fenômeno global”, diz Rafael Russo, líder de performance e dados do Google Brasil. Para atender às suas expectativas, os negócios têm lançado mão de um rol amplo de tecnologias sofisticadas entre as quais Russo destaca, como peça-chave, a inteligência artificial (IA).

“O machine learning, subdisciplina de IA que está no centro de tudo o que o Google faz, é a maior revolução que tivemos nos últimos anos, porque traz o que é de fato relevante para empresas e clientes”, afirma. Segundo Russo, junto com a democratização do acesso via smartphone e do boom de aplicativos, o processamento de dados com aprendizado de máquina vem transformando profundamente a relação entre empresas e clientes. “Hoje, isso transcende todas as indústrias.” Com 230 milhões de smartphones em uso, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil se destaca em algumas frentes dessa revolução. Por exemplo: o país só perde para Malásia e Índia no quesito popularidade de serviços digitais sob demanda, segundo a Forrester, que inclui nessa categoria desde entrega de restaurantes até compartilhamento de caronas. O setor financeiro, campeão em investimentos tecnológicos, é outro que empurra o país para o front da digitalização.

“Os apps já são o canal preferido dos brasileiros para pagar contas, transferir dinheiro e outras transações”, diz Gustavo Fosse, diretor setorial de tecnologia da Febraban. “A IA, junto com analytics e big data, está ajudando os bancos a entender o momento de vida do cliente e oferecer serviços sob medida.” Números de grandes bancos refletem a adesão massiva do brasileiro ao digital. Em setembro de 2019, mais de 80% das transações no Banco do Brasil eram feitas via internet ou mobile. Cerca de 30% dos clientes do BB que regularizaram dívidas em 2019 utilizaram jornada estritamente digital. No Itaú, 12,2 milhões de correntistas utilizavam os canais digitais em setembro de 2019. O atendimento por voz é a “bola da vez” no setor, diz Fosse.

Uma pioneira é a inteligência artificial do Bradesco, BIA, que interage por texto ou voz via apps do grupo e canais de terceiros, como Google Assistente e Alexa, a assistente pessoal da Amazon. Segundo o Bradesco, a BIA já realizou mais de 280 milhões de interações desde que foi criada, em 2016. Nas telecomunicações, Rodrigo Duclos, diretor de transformação digital e inovação da Claro, testemunha o impacto do comportamento de consumo mais volátil do brasileiro. “Hoje, o consumidor em geral leva em conta experiência de compra, mais do que confiança na marca, na hora de decidir se troca ou não de serviço ou fornecedor”, afirma.

Isso requer um novo jeito de trabalhar e uma nova cultura nas empresas, diz o diretor, acrescentando que as teles ainda têm muito a avançar no uso de dados de contexto para personalizar serviços, respeitada a privacidade do cliente. O grupo Claro (que engloba tele homônima, Net e Embratel) busca explorar o potencial da IA para além dos robôs de bate papo. “Estamos criando algoritmos para análises preditivas que nos ajudarão a prever, por exemplo, quando um cliente tende a cancelar um serviço, para nos anteciparmos com ações ou soluções”, diz Duclos. A Claro registra adesão expressiva dos clientes a suas ofertas digitais. O atendimento e as vendas on-line cresceram 1.340% e 770%, respectivamente, entre 2015 e 2019.

Uma estrela no portfólio da operadora móvel é o Claro Flex, um plano contratado e gerenciado totalmente por aplicativo. Ricardo Drumond Andrade, diretor de serviços a clientes da Oi, diz que 60% das solicitações de clientes da tele para resolução de problemas são resolvidas em canais digitais. A estratégia da Oi, entretanto, é oferecer ao cliente todos os canais possíveis, com autoatendimento para coisas simples, como mudar a senha do wi-fi e agendar serviços, e atendentes humanos qualificados para solucionar questões mais complexas. “Não queremos nunca deixar de falar com nosso cliente.” Uma novidade da Oi é a inteligência artificial Joice, que atende clientes por meio de canais diversos, incluindo Messenger e WhatsApp.

Lançada há menos de um ano, a Joice realiza três milhões de atendimento por mês e reduziu em 180 mil as chamadas para o call center tradicional. “Antes, nossos técnicos encontravam a casa do cliente fechada em cerca de 10% das visitas. Esse número caiu pela metade porque a Joice o alerta sobre o compromisso.” Na TIM Brasil, Alberto Griselli, diretor de receitas, diz que a chegada iminente da quinta geração de celulares (5G) acelerará ainda mais a digitalização da sociedade. “O Brasil já é o segundo do mundo em consumo de internet em geral e mídias sociais, e o brasileiro é um front-runner, altamente conectado e aberto ao novo”, diz ele. Na empresa, a digitalização da jornada do cliente engloba desde a venda até o faturamento e pagamento. Um destaque no portfólio é o TIM Black Família, que combina serviços digitais premium como Netflix, notícias e música, entre outros. “Esse plano transforma o smartphone em hub de entretenimento, em linha com os hábitos conectados do brasileiro.”

Luiz Medici, vice-presidente de dados e IA da Vivo, diz que a tele atua hoje como um grande hub de parcerias digitais que incluem nomes como NBA, Amazon Prime Video e Netflix, entre outros. “Estamos facilitando o acesso a milhares de conteúdos, com pagamento direto na conta do celular ou com créditos pré-pagos.” Hoje, mais de 65% das interações dos clientes com a Vivo ocorrem no meio de digital. Só a inteligência artificial Aura, acionada por texto ou voz, faz mais de vinte milhões de transações por mês em canais da Vivo e de parceiros, como Google Assistente e WhatsApp. No lado de fornecedores de soluções B2B, Mário Rachid, diretor executivo de soluções digitais da Embratel, diz que o uso de nuvem habilitou empresas de todos os portes a criar serviços digitais inovadores em alta velocidade, sem grandes investimentos. “Realizamos em média sete lançamentos por mês, entre produtos e melhorias. Antes, um único lançamento levava em média seis meses”, afirma.

FONTE: VALOR ECONOMICO