Precisamos repensar a forma como medimos e valorizamos a inovação

Rankings e métricas têm sua importância e podem fornecer insights valiosos, mas não devem ser o único critério para decisões importantes ou para determinar o sucesso.

A capacidade de quantificar e de classificar por meio de números é uma poderosa invenção humana. Números comunicam mensagens de forma rápida e eficaz e, em muitos contextos, podem se tornar símbolos significativos – há uma mensagem poderosa quando falamos do primeiro lugar em uma competição, ou de uma nota perfeita em um teste. Contudo, números têm suas limitações – especialmente quando buscamos representar realidades complexas.

Recentemente, o Brasil avançou em uma importante métrica: o Índice Global de Inovação, publicado, anualmente, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO), subindo cinco posições e retornando ao top 50 à frente do Chile, sendo assim o país mais bem qualificado da América Latina.

É uma mensagem de incentivo – e responsabilidade – poderosa para investidores e para políticas públicas no Brasil. Entretanto, ao analisar mais de perto esse índice, algumas classificações podem causar estranheza. Por exemplo, a Suíça ocupa o primeiro lugar, enquanto nações amplamente reconhecidas por suas inovações, como China e Israel, estão atrás de países como França e Dinamarca.

A questão aqui não é descredenciar o rigor da WIPO ou outras organizações que produzem rankings. Estes parâmetros são elaborados por instituições respeitadas e possuem metodologias robustas. No entanto, é essencial reconhecer que tais metodologias são influenciadas por diversos fatores e perspectivas – políticas e, portanto, longe de serem neutras.

Uma semana após essa divulgação, a Rest of World – respeitada publicação sobre tecnologia com foco em regiões e mercados geralmente negligenciados pela mídia especializada dos Estados Unidos e Europa – publicou uma lista com as “40 empresas que estão superando o Vale do Silício”. Lá temos conhecidos nossos, como Nubank e Mercado Livre, mas também a M-Pesa, que desde 2007 oferece serviços de transferências bancárias instantâneas via SMS, sem a necessidade de internet; a Naver, aplicativo de mensagens líder no Japão e Coreia do Sul; ou a FloHealth, aplicativo de controle de ciclo menstrual mais popular do mundo, desenvolvido em Belarus.

Nenhum ranking de inovação pode explicar sozinho como essas empresas surgiram nesses países. A inovação, por sua natureza, é uma experiência humana, e pode variar enormemente dependendo do contexto, seja ele geográfico, seja cultural ou econômico. O que é considerado inovador na Suíça pode não ser considerado o mesmo na África, assim como o que é visto como disruptivo em São Paulo pode não ser novidade no Ceará.

Confiar exclusivamente em rankings e índices pode ser limitado – e isso afeta não só políticas públicas. Por exemplo, o uso indiscriminado de métricas quantitativas relaciona-se diretamente com o problema de vieses nas escolhas de investimento de fundos de venture capital e acaba prejudicando empresas fora do circuito, como aquelas lideradas por mulheres ou longe dos grandes centros.

Se quisermos uma sociedade verdadeiramente centrada no ser humano e representativa de todas as suas facetas, precisamos repensar a forma como medimos e valorizamos a inovação. Isso envolve a interação com diversas comunidades e a compreensão de suas definições e preocupações. Rankings e métricas têm sua importância e podem fornecer insights valiosos, mas não devem ser o único critério para decisões importantes ou para determinar o sucesso.

Nem tudo que pode ser contado conta, e nem tudo que conta pode ser contado.

FONTE:

https://epocanegocios.globo.com/colunas/coluna/2023/11/precisamos-repensar-a-forma-como-medimos-e-valorizamos-a-inovacao.ghtml