Além dos dados

Aplicações de IA se multiplicam em diferentes setores, trazendo redução de custos e otimização de processos.

A aceleração digital intensificou a adoção de inteligência artificial (IA) no Brasil. Governos, empresas e cidadãos se familiarizaram com robôs de conversação e IA embutida em programas simples, como e-mails que corrigem palavras e softwares corporativos capazes de indicar melhor data, quantidade e valor para reposição de determinado produto no estoque para manter a linha de produção em funcionamento.

A velocidade do crescimento no país supera a mundial. A IDC estima um mercado próximo a US$ 3,4 bilhões, incluindo big data e analytics, iniciativas para análise de grandes quantidades de dados, e IA somada a aprendizado de máquina (machine learning ou ML, na sigla em inglês). O total se aproxima de 8% do volume previsto para o segmento de tecnologia da informação: US$ 44 bilhões. Em estudo patrocinado pela SAS, especializada em inteligência analítica, o uso de IA em empresas no Brasil alcança 63%, contra 47% na América Latina, compara o country manager, André Novo.

O volume local pode ser considerado tímido frente aos US$ 500 bilhões indicados pela IDC para 2023, mas o Brasil se destaca em estudo da IBM divulgado em outubro, com índice de adoção de IA nas empresas de 41%, acima da média mundial de 35%. A maturidade também avança. O atendimento automatizado baseado em scripts evoluiu para robôs que entendem linguagens regionais ou humor e softwares de gestão que analisam tendências e sugerem ações.

A nuvem deu impulso extra, com infraestrutura para armazenamento de dados, capacidade computacional e plataformas, ferramentas e algoritmos prontos para uso. “O crescimento anual estimado de nuvem para IA no Brasil é de 39% até 2026”, diz Luciano Ramos, gerente de pesquisa e consultoria da IDC América Latina.

Segurança cibernética, otimização de processos produtivos e hiperpersonalização no trato com os clientes estão na linha de frente da IA, dominada por setores como financeiro, indústria e varejo. Segundo Marcela Vairo, diretora de data & IA da IBM Brasil, automatização, inclusive para redução de custos, processamento e extração de informações em volumes acima da capacidade humana impulsionam o uso.

A necessidade de reduzir custos foi citada por 39% dos entrevistados no Brasil como estímulo, enquanto 56% mencionaram o barateamento das soluções e 48%, a incorporação em outras aplicações. Entre as metas, a melhoria de custos e eficiência é prioridade de 54% e 48% miram melhoria do atendimento a clientes, diz Vairo. Um exemplo de economia é o uso de robôs para tarefas administrativas repetitivas (RPA), com capacidade de aprender com a execução. Junto ao cliente, casos como a assistente virtual Bia, do Bradesco, retratam a evolução da conversação robótica para conversas cada vez mais fluentes.

A sofisticação no processamento de linguagem natural permite automatizar leitura, interpretação e extração de informações de contratos, diz Frank Meylan, sócio líder em IA da KPMG. O mesmo ocorre com visão computacional, aplicada na análise de imagens de câmeras urbanas em segurança pública ou de satélites para monitorar florestas.

Segundo ele, o uso de IA mira crescimento de receitas, eficiência e conformidade. Isso inclui identificação de novos mercados, aumento do valor ou de itens em vendas para clientes existentes e retenção de clientes, bem como planejamento de demanda, identificação de anomalias e perdas ou otimização na produção no chão de fábrica.

Seja com uso de soluções prontas ou desenvolvimento próprio, Meylan observa a necessidade de explicar decisões algorítmicas, por exigência, como a do Banco Central na concessão de crédito, ou ética. “Favorecer um grupo como homens brancos para oferta de descontos pode ser estatisticamente correta, mas eticamente comprometida”, exemplifica.

A questão esbarra no desenvolvimento de recursos humanos para lidar com a IA, tanto de especialistas quanto da organização como um todo. A pesquisa CEO Outlook, da KPMG, indicou, em 2020, que só 51% dos executivos estavam aptos a tomar decisões baseadas em modelos de IA. “A oportunidade para as empresas se tornarem orientadas por dados é enorme”, avalia o diretor executivo de applied innovation exchange da Capgemini Brasil, Silvio Dantas.

“Falta de mão de obra, investimento inicial em processamento, integração, conhecimento e organização dos dados são barreiras para IA”, diz Mário Rachid, diretor-executivo de soluções digitais da Embratel. O aumento de ofertas da marca retrata a evolução do setor. Entre elas, plataforma para integração de sistemas analíticos (data lake) em nuvem, sistema de gestão de armazém (WMS), bots e visão computacional.

Grandes players de nuvem pública, como Microsoft, AWS e Google Cloud aceleram o movimento. A primeira coloca IA em pacotes de software para o usuário final, como o Microsoft 365, e para empresas, em aplicativos para planejamento de recursos empresariais e gerenciamento de relacionamento inteligentes no Dynamics 365. Em cibersegurança, a tecnologia permite análises humanamente impossíveis, como 43 milhões de sinais de ataques diários ou 921 ataques por segundo a senhas. A plataforma de nuvem Azure tem farto leque de suporte a IA, de armazenamento à ML, diz Fernando Lemos, VP de tecnologia, inovação e sucesso do cliente da Microsoft Brasil.

A AWS, em outubro, trouxe para o Brasil seis lançamentos de plataforma de IA, SageMaker. Um exemplo é a Autopilot, para seleção de recursos e alteração automática de dados em treinamento de modelos de ML. O diretor geral para o setor corporativo da AWS Brasil, Cleber Morais, destaca que mais de 100 mil clientes rodam ML com a empresa.

A marca ajudou a C&A a ganhar velocidade e desempenho em solução de IA em nuvem para projeções de distribuição e consumo. Para o iFood, contribuiu para aumentar a assertividade de entrega (SLA) de 80% para 95%, reduzir o tempo ocioso do motorista em 50% e a distância percorrida por entregadores, em 12%, com otimização de rotas. A Coteminas usou IA e internet das coisas (IoT) para criar um travesseiro que melhora o sono do usuário com base em seus movimentos. A Tereos usou reprodução (gêmeo) digital de operações para correlacionar 350 fontes de dados, de sensores a softwares, e analisar a qualidade da matéria-prima ou prever a quantidade de açúcar em uma colheita.

O diretor de soluções e vendas para a América Latina do Google Cloud, Alberto Oppenheimer, avalia que as empresas brasileiras estão mais maduras. A Magalu é um exemplo. A assistente virtual Lu entende e explica onde está o produto adquirido e processa solicitações de troca, por exemplo. A API Fleet Routing, do Google Cloud, otimizou a rota de última milha para entregas em até menos de um dia. A plataforma em nuvem acelerou o processamento de dados da Boa Vista Serviços em 20 vezes e no mercado financeiro, assoberbado com a quantidade de dados abertos (open banking), ajudou o banco BV a criar ofertas personalizadas de cartões, empréstimos e seguros, bem como combater fraudes e lavagem de dinheiro.

FONTE: https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2022/11/28/alem-dos-dados.ghtml