Uma startup da qual você nunca ouviu falar pode virar a indústria de software de cabeça para baixo

Com menos de dois meses de existência, a Cognition AI Inc. criou o Devin, um assistente capaz de assumir e finalizar um projeto de software inteiro sozinho.

A novata Cognition AI Inc. criou um assistente de desenvolvimento de programas capaz de assumir e finalizar um projeto de software inteiro sozinho. Especialistas divergem se a novidade irá impactar a oferta de empregos em tecnologia

É quase certo que você nunca ouviu falar da Cognition AI Inc. Essa startup, que nem sequer existia oficialmente até dois meses atrás e tem uma equipe de 10 pessoas, entrou no mapa após apresentar ao mundo sua principal invenção: Devin.

Devin é um assistente de desenvolvimento de software no estilo do Copilot, da Microsoft. No entanto, em vez de apenas oferecer sugestões de codificação e completar automaticamente algumas tarefas, ele consegue assumir e finalizar um projeto de software inteiro sozinho.

À medida em que Devin trabalha, ele informa sobre seu plano e, em seguida, exibe os comandos e o código que está usando. Se algo não parece certo, o ser humano trabalhando com Devin pode avisar à IA sobre o problema e pedir a correção. Ele incorporará o feedback no meio do caminho.

Devin impressiona. E não só a mim e, talvez, a você. Impressionou também Peter Thiel, da empresa de capital de risco Founders Fund, e outros investidores de nome, como o ex-executivo do Twitter, Elad Gil – juntos, eles investiram mais de US$ 20 milhões na nova tecnologia.

A diferença do assistente da Cognition para outros existentes no mercado estaria justamente na sua capacidade de se manter coerente e concentrado nas tarefas durante esses tipos de trabalhos longos. Ele continua realizando centenas e até milhares de tarefas sem sair do caminho.

Na prática, ele funciona menos como um assistente ajudando com o código e mais como um sistema autônomo que pode fazer algo pelo usuário.

Os testes realizados até aqui mostram que Devin é muito bom na prototipagem de projetos, na correção de bugs e na exibição de dados complexos em formatos gráficos. A maioria dos outros assistentes descarrilam após quatro ou cinco etapas, mas ele mantém seu estado quase sem esforço durante todo o trabalho.

Como a Cognition desenvolveu esse projeto, e em tão pouco tempo? Isso segue um mistério, pelo menos para quem está de fora.

Scott Wu, um dos fundadores da empresa, se recusa a falar muito sobre os fundamentos da tecnologia. A única pista que ele já deu foi que sua equipe encontrou maneiras únicas de combinar grandes modelos de linguagem (LLMs), como o GPT-4 da OpenAI, com técnicas de aprendizagem por reforço.

Impactos no mercado de tecnologia

É claro que o surgimento de uma tecnologia capaz de automatizar um trabalho hoje realizado por um profissional gerou debates sobre estarmos ou não à beira de uma onda de demissão em massa.

Desenvolvedores de software questionam o que essa novidade significa para seus meios de subsistência. E eu acrescento uma pergunta: o que isso significa para o avanço de softwares em grande escala?

Há quem defenda que os assistentes de codificação libertarão os desenvolvedores das tarefas enfadonhas e permitirão que eles se concentrem em trabalhos mais criativos. Mas a contrapartida não pode e nem deve ser ignorada: os assistentes têm potencial para eliminar enormes quantidades de empregos de desenvolvedores e virar a indústria de software de cabeça para baixo.

Gergely Orosz, que esteve à frente de projetos de engenharia de software em empresas como Uber, Microsoft, JP Morgan, Skyscanner e Skype, foi bem vocal a esse respeito.

“Peço desculpas, mas não amplificarei startups cuja missão é substituir totalmente engenheiros de software por “desenvolvedores de IA”, disse ele em seu perfil no X. “Está claro por que os VCs e os investidores adoram essa ideia; e por que os fundadores também. Imagine quanto dinheiro eles poderiam ganhar se tivessem sucesso! Eu odeio a ideia desse futuro”, completou.

Mas nem todo mundo vê relação causal entre Devin e o futuro da engenharia de software. Rex Salisbury, fundador da Cambrian Ventures, não acredita que profissionais do setor podem ser substituídos por inteligência artificial.

Para defender seu ponto de vista, Salisbury citou o paradoxo de Jevons e a falácia da escassez do trabalho – eu falei sobre isso em outro artigo publicado aqui.

O ex-sócio da Andreessen Horowitz (a16z) ilustra esse movimento com uma outra inovação – o lançamento dos caixas eletrônicos nos anos 1960.É claro que muitas pessoas previram que os caixas eletrônicos eliminariam postos de trabalho e a profissão “caixa” deixaria de existir em bancos. Mas a coisa mais importante que os caixas eletrônicos fizeram foi reduzir o custo de operar uma agência bancária. Com isso, mais agências foram abertas e o número absoluto de profissionais trabalhando como caixas aumentou.

Flo Crivello, fundador e CEO da Lindy, cujo principal produto é uma assistente de Inteligência Artificial, compartilhou que tem recebido muitas perguntas sobre as consequências da adoção de IAs – e ele também cita o paradoxo de Jevons em suas postagens no X. Para ele, no entanto, esse não é o cerne da questão.

Crivello acredita que, ainda que as IAs consigam produzir uma quantidade infinita de software, os humanos têm uma vantagem competitiva. Só os engenheiros de IA podem melhorar/ensinar esses sistemas. E faz sentido pagar uma salário de seis dígitos para um profissional capaz de aprimorar um ativo que produz com rapidez.

Ele conclui que os engenheiros de softwares trabalharão em uma nova “camada” de códigos, algo que já aconteceu no passado quando surgiram as linguagens de programação. Isso se aplicaria até mesmo no cenário de “no code”, em que até mesmo pessoas que sem nenhuma habilidade técnica conseguem criar aplicações.

Os números não mentem

Henley Wing Chiu, cofundador da BuzzSumo (uma empresa de marketing que hoje faz parte da Cision), analisou dados de mais de 20 milhões de vagas de emprego em tecnologia, anunciadas entre novembro de 2022 e fevereiro de 2024, para responder a pergunta de 1 milhão de dólares: as empresas estão demitindo engenheiros sem especialização em IA para que possam contratar especialistas em Inteligência Artificial?

Ele afirma que não, embora seja inegável que a tecnologia esteja impulsionando a demanda por profissionais com essas qualificações.

O próprio Henley, no entanto, afirma que “não seria ruim” se os profissionais de tecnologia aprendessem novas habilidades: um engenheiro de segurança poderia estudar maneiras de proteger modelos de IA, por exemplo.

Eu concordo. Não acho que devemos temer as novas tecnologias, mas sim aprender a trabalhar com elas.

FONTE: https://exame.com/colunistas/florian-hagenbuch/uma-startup-da-qual-voce-nunca-ouviu-falar-pode-virar-a-industria-de-software-de-cabeca-para-baixo/