Teorias conspiratórias se espalham sobre 5G e preocupam Anatel

Falsos boatos acusam rede de alta velocidade de causar câncer, alterar DNA e até da morte de pássaros

TELEFONIA 5G (FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK)

O 5G nem chegou ao Brasil e já está cercado de boatos, teorias da conspiração e muita desinformação. A quinta geração de redes móveis de telefonia — que já estreou em 25 países — tem gerado rumores em todo o mundo, que se espalham pelas redes sociais. Entre eles estão os de que sinais de 5G poderiam causar câncer, acelerar o envelhecimento com mutações no DNA humano e até atrapalhar o tráfego aéreo. Além de teorias exageradas, como o uso da tecnologia como arma de guerra, também ganham popularidade impactos fictícios no meio ambiente, como uma possível extinção das abelhas.

A intensidade dos falsos rumores acendeu um alerta na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que estuda produzir um guia para alertar sobre as fake news em torno do 5G. A preocupação é que esses boatos possam atrapalhar os planos do órgão de fazer o primeiro leilão de 5G no ano que vem — e viabilizar a nova rede operando no país no Natal de 2020.

Um exemplo desse risco é um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina para proibir testes de redes 5G no estado até que seja comprovado que não há risco para a saúde.

O projeto foi proposto pelo deputado estadual Marcius Machado (PL) com base em boatos como o que circula nas redes atribuindo imagens de pássaros mortos em Haia, na Holanda, a testes de 5G. Só que esses testes nunca foram realizados na cidade holandesa. Se aprovado, o projeto pode inviabilizar um convênio firmado entre uma operadora de telefonia móvel e uma fundação de pesquisa ligada à Universidade Federal de Santa Catarina para testar a nova rede em Florianópolis.

— As pessoas não são cobaias. Sou entusiasta da tecnologia, mas é preciso precaução — justifica Machado.

A proliferação de boatos e temores sobre o 5G se deve ao fato de que a nova tecnologia marca uma nova fase no setor de telecomunicações, que vai permitir conexão em velocidade muito mais alta do que a que conhecemos hoje. Afetará não só celulares, mas também automóveis, eletrodomésticos, máquinas e objetos, na chamada Internet das Coisas. Para isso, a nova rede vai demandar frequências nunca usadas antes pela telefonia e muito mais antenas, que devem triplicar nas cidades. No Brasil, a estimativa é que subam de 90 mil para 270 mil.

— O 5G vai movimentar a indústria. Os investimentos podem, só no Brasil, chegar a R$ 3 bilhões por ano — diz o consultor Hermano Pinto.

Os boatos sustentam que a radiação das torres de radiofrequência vai aumentar com mais antenas, gerando riscos à saúde. Carlos Duprat, diretor do Telebrasil, associação que reúne empresas do setor, diz que com o 5G significa justamente o contrário:

— Com mais antenas, a potência será menor, o que vai gerar menos radiação. Não há qualquer comprovação científica de danos à saúde.

Agostinho Linhares, gerente de Espectro, Órbita e Radiodifusão da Anatel, explica que o volume de radiação das antenas segue recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, a exposição de humanos a essa radiação não chega a 1% do limite estabelecido. Por isso, ele classifica como inverídica a ideia de que essa radiação possa, por exemplo, aumentar a temperatura do corpo humano a ponto de aquecer próteses metálicas, como diz uma das notícias falsas disseminadas.

— A radiação é tão baixa que a pele do corpo já faz uma barreira. Por isso, não existe essa história de que, quando ligaram a rede 5G na Europa, pássaros morreram por aumento da temperatura provocada pela radiação — diz o executivo da Anatel. — Estamos discutindo a criação de um informe técnico sobre esses boatos.

Segundo Linhares, a única preocupação da agência hoje é um estudo para evitar que o 5G interfira no sinal de TV de antenas parabólicas.

Rumores de que celular pode provocar doenças não são novidade. Mas Clarissa Baldotto, diretora da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, lembra que até hoje não há estudo médico atribuindo câncer a sinais de telecomunicações, por exemplo:

— Se existir, o risco é baixo. Cigarro e bebida têm risco maior. Ao usar muito o celular, há aumento de temperatura local (na orelha e cabeça), mas não afeta DNA. Ninguém precisa entrar em pânico.

A petição “Pare o 5G na Terra e no Espaço”, lançada na internet, já convenceu centenas de pessoas em vários países da tese de que o sinal do 5G aumentaria a temperatura corporal das abelhas, provocando a extinção desses insetos.

— Isso mostra desconhecimento tecnológico. Esses estudos não têm fonte. O fato é que até hoje não há experimento que aponte algo concreto. A potência das antenas é muito baixa para aumentar a temperatura corpórea de animais ou pessoas — explica Carlos Nazareth, diretor do Inatel, centro de pesquisas em telecomunicações de Minas Gerais.

Fabricantes de redes também refutam os boatos.

— Embora o 5G use novas frequências e demande maior quantidade de antenas, a radiação não será maior que é hoje — diz Carlos Lauria, diretor de Relações Governamentais da Huawei Brasil.

Paulo Bernardocki, diretor de Redes da Ericsson, diz que qualquer equipamento precisa ser certificado pela Anatel:

— Dentro dessas regras, está o convívio com outras frequências, como as usadas pela Aeronáutica e satélites. Por isso, a Anatel está há meses estudando as frequências que serão usadas aqui.

As teorias da conspiração são alimentadas ainda pela guerra comercial entre EUA e China. O governo americano estimula outros países a banirem a chinesa Huawei da infraestrutura de 5G para evitar espionagem chinesa, mas não apresentou evidências reais desse risco. Em visita ao Brasil na semana passada, o secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, abordou o tema com autoridades brasileiras.

Neste sábado, o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, reagiu a uma entrevista dada ao jornal “Valor” por Ross. Segundo o embaixador, as declarações do secretário dos EUA são desprovidas de fundamento e inventadas.

— Com intenções escondidas, esses comentários visam lançar calúnias sobre produtos chineses alegando riscos de segurança, e atrapalhar a cooperação econômica-comercial  normal entre a China e demais países do mundo — disse Yang Wanming.

Ele afirmou que as autoridades americanas recorrem frequentemente a meios políticos para interferir em atividades econômicas, “produzindo sucessivas mentiras”, o que viola as normas internacionais e prejudica a “ordem justa e equitativa” de cooperação econômica mundial.

— Os comentários do lado americano são tão absurdos que até dispensam rebates. A China sempre incentiva e orienta as suas empresas a respeitar rigorosamente as leis e regulamentações nos países onde operam. Nunca e jamais exige empresas chinesas a praticar atividades que violem as leis e regulamentações locais — argumentou o diplomata.

Wanming destacou que a Huawei, empresa chinesa e líder mundial na área de 5G, opera em mais de 170 países e atende a mais de um terço da população do mundo, com um “excelente histórico de segurança”.

Completou que a Huawei já está instalada no Brasil há mais de 20 anos:

— Os fatos falam por si e serão as melhores ferramentas para desmentir os ataques mal-intencionados, e convencer a comunidade internacional a tirar a conclusão correta.

O que existe de concreto até agora é a preocupação de que a maior conectividade proporcionada pelo 5G torne mais difícil a investigação de crimes cibernéticos. Um relatório recente da Europol, a polícia da União Europeia, incluiu o 5G entre as novas tecnologias que representarão desafios para investigadores no futuro próximo, devido à dificuldade para identificar aparelhos móveis usados em crimes por hackers, por exemplo.

Boatos dizem que antenas de 5G emitirão radiações capazes de gerar câncer ou até aquecer próteses metálicas no corpo. Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) nunca chegaram a evidências de que celular causa câncer. A radiação da telefonia é tão baixa que a pele é barreira suficiente.

Não há qualquer evidência científica que ateste informações em circulação de que radiação de antenas de celular alteram o DNA humano e provocam envelhecimento precoce. Antenas só são liberadas por órgãos reguladores se cumprirem normas de radiação estabelecidas pela OMS.

A informação equivocada de que radiações nas chamadas faixas milimétricas (frequências elevadas) são capazes elevar temperatura corporal das abelhas e eliminá-las do mundo desencadeou até uma petição internacional contra o 5G na internet. Para cientistas, é apenas desinformação.

Informações falsas circularam em redes sociais de todo o mundo atribuindo a morte de pássaros em Haia, na Holanda, por conta de testes de 5G. Patos também estariam nadando com a cabeça mergulhada por causa da radiação. Só que não houve testes de 5G na cidade holandesa.

A guerra comercial e tecnológica travada entre EUA e China levou os americanos a disseminarem preocupações no mundo sobre os riscos à segurança dos países com a participação de empresas chinesas como a Huawei na infraestrutura 5G. Não há evidências claras de que isso viabiliza espionagem.

O fato de a tecnologia 5G operar em frequências distintas da atual telefonia celular levantou preocupações quanto a possíveis interferências com os sistemas das aeronaves. Mas as novas frequências continuarão a permitir o convívio com outras faixas, como acontece hoje.

FONTE: ÉPOCA