Com Banco Neon na mira, como fica o futuro das fintechs?

Neon: startup já afirma que está correndo para encontrar uma nova instituição financeira parceira (Banco Neon/Facebook/Divulgação)

As fintechs brasileiras ainda estão se recuperando do choque de ontem. Após ter recebido um aporte de 72 milhões de reais, a Neon Pagamentosacordou na secta-feira com a liquidação extrajudicial da instituição financeira que estava por trás de suas operações financeiras, fatidicamente também chamada de (Banco) Neon.

Por enquanto, o dinheiro dos usuários do Neon só pode ser retirado por meio de saques em agências físicas e operações com cartões de débito. A Neon Pagamentos terá de se virar para operacionalizar a transferência do total de valores contidos nas contas digitais em 7 a 10 dias, de acordo com determinações do Banco Central. O negócio já afirma que está correndo para encontrar uma nova instituição financeira parceira – há dez candidatos na mesa.

Com esse susto, todos os agentes do ecossistema de startups – e principalmente as fintechs que prometem revolucionar o sistema bancário – sofreram um baque. Quase nem sobrou tempo para falar do rumor de ataque hacker aos dados de 300 mil clientes do Banco Inter, outro negócio que quer embarcar no movimento fintech (e nega a invasão).

Afinal, o problema atual do Neon pode afetar outras startups que apostam em revolucionar os serviços financeiros no tradicionalíssimo mercado brasileiro? Especialistas ouvidos por EXAME dão suas opiniões sobre o impacto da liquidação extrajudicial em investimentos, captação de clientes e operação das fintechs nacionais.

“Caso isolado”

O primeiro registro de fintechs no mundo foi em 1999, com o hoje gigante Paypal. A crise de 2008 foi um empurrão para esses negócios, que começaram no Brasil por volta de 2011. De lá para cá, conquistaram em terras nacionais clientes, investidores e até mesmo um título de “unicórnio”, negócio inovador avaliado em mais de 1 bilhão de dólares, para o Nubank.

Para os especialistas, o que aconteceu com o Neon é um “caso isolado” e não deve afetar o potencial que as fintechs possuem no Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira de Startups, elas já somam 22 bilhões de dólares em investimentos no exterior e 450 milhões de reais em terras nacionais. Nos próximos dez anos, o Goldman Sachs estima que as mais de 300 fintechs brasileiras possam gerar 24 bilhões de dólares.

“A gente ficou triste com o que aconteceu, não esperávamos. Mas acredito que seja um caso isolado”, afirma Luis Gustavo Lima, Chief Startup Officer da aceleradora ACE. “A confiança é inabalável no segmento de fintechs, pelo tamanho e potencial dos serviços bancários no país.”

O mercado para explorar não é pouco: o Brasil possui 55 milhões de pessoas desbancarizadas, ou 39,5% da população. Cerca de 52% das transações apenas são realizadas digitalmente e 25% dos brasileiros não têm acesso a crédito.

“A gente não pode simplesmente ignorar como o Neon vem quebrando paradigmas no setor bancário. Temos cases de sucesso muito grande, com nenhum ponto negativo”, concorda Rafael Ribeiro, diretor executivo da ABStartups. Alguns dos negócios citados pelos especialistas foram Guia Bolso, Moip, Nubank e Stone.

Negócios mais tradicionais também resolveram se posicionar como empresas inovadoras e tecnológicas, como o PagSeguro e o próprio Banco Inter. “Com o Banco Inter pode ter acontecido algo que está sujeito a acontecer com todo mundo: um vazamento de dados. Estão recomendando que os usuários troquem suas senhas do Twitter, por exemplo, por problemas de segurança. Acho que, rumor ou não, o ataque não apaga o fato de que tiveram um IPO surpreendente”, diz Lima.

Segundo o CSO da ACE, o caso do Neon também não deve afetar a captação de investimentos para as fintechs, ainda que os investidores estejam mais cautelosos. Também não deve mudar a adesão dos consumidores aos serviços financeiros inovadores – exceto no próprio caso do Neon, que precisa fazer um belo “trabalho de comunicação da empresa com o consumidor” após a liquidação extrajudicial de seu liquidante.

Sinal de alerta

Mesmo assim, isso não significa que a página será virada sem nenhum tipo de atitude. A grande lição de casa é fazer uma análise mais profundas sobre a quais empresas uma startup deve se associar – especialmente quando envolve um empréstimo de marcas, como no caso do Neon.

“Criou a situação de ter que explicar a diferença entre um banco e uma fintech”, disse Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD). “Mesmo assim, acho que na época a associação com o Pottencial [atual Banco Neon] parecia ser estratégica. Poderia ter acontecido com qualquer instituição pequena do setor bancário”, afirma Ribeiro, da ABStartups.

Para o especialista, as mudanças legislativas favoráveis às fintechs devem continuar. Na semana passada, o Banco Central e o Conselho Monetária Nacional passaram regulamentações que conferiam mais independência às fintechs de crédito. “Estamos passando por um grande processo de aprendizado, e a legislação continua trabalhando de forma clara e nítida para melhorar o setor bancário como um todo”. As startups já sabem esse jogo de cor: erre rápido – e se recupere mais rápido ainda.

FONTE: EXAME