As viagens do amanhã

ENTRE LEVAR 35 MINUTOS ATÉ CHEGAR EM CONGONHAS, PARA ESTAR LÁ 1 HORA ANTES DO VOO, MAIS 1 HORA PARA CHEGAR AO RIO DE JANEIRO E 1 HORA PARA IR ATÉ O HOTEL, EU PREFIRO IR EM UM VEÍCULO AUTÔNOMO QUE LEVE 5 HORAS (FOTO: TÃNIA REGO/AGÊNCIA BRASIL)

Não precisa ser um gênio futurista visionário para saber que a indústria de viagens aéreas está pronta para a ruptura.

Em maio de 2011 o Uber era lançado em Nova York. Entre janeiro e dezembro de 2014, a empresa aumentou seu número de viagens em 9 vezes e, na metade de 2015, dominava o mercado de ride sharing na cidade, com mais de 90% do mercado, segundo relatório do Manhattan Institute.

Em julho de 2015, Bill de Blasio, então prefeito, colocou um limite para o número de carros autorizados a circular na cidade, mas logo entrou em acordo com a companhia para estudar o impacto real de sua atuação e o estudo concluiu que, à época, o Uber atendia cada vez mais e melhor os cidadãos de baixa renda e de minorias.

O dado é relevante porque um dos maiores problemas no transporte por táxis na cidade (e portanto, oportunidade para a empresa) era a falta de motoristas dispostos a circular pelos bairros mais pobres ou habitados primordialmente por minorias. Some-se a isso o fato de que a cidade tem um limite para a emissão de licenças para táxis, os famosos medallions, e o resultado sempre foi escassez de transporte nessas regiões.

Não precisa nem ir muito longe. Até poucos anos atrás, se você pegasse um táxi em Manhattan e dissesse que estava indo para o Brooklyn, o motorista praticamente te expulsava do carro. Hoje, se você for além de Williamsburg, Dumbo e de outras áreas já gentrificadas, tem que chorar para o taxista levar sem reclamar. Ou então, apelar para uma das empresas de ride sharing. Sim, uma das empresas, porque de 2011 para cá a competição aumentou. E o número de motoristas atendendo por essas empresas também. Em janeiro de 2017, o New York Times publicou uma matéria em que mostrava que, combinadas, Uber, Lyft, Via, Juno e Gett já superavam o número de táxis amarelos em proporção de 4 para 1.

Para ter uma ideia, em novembro de 2010, os táxis amarelos faziam mais de 450 mil viagens por dia, gerando aproximadamente US$ 5,2 milhões. Já em novembro de 2016, totalizaram menos de 350 mil viagens diárias e menos de US$ 4,9 milhões. Enquanto isso, o preço de um medallion, que já chegou a custar mais de US$ 1,2 milhão, está, atualmente, próximo de US$ 650 mil.

Algumas semanas atrás, ouvi uma entrevista com o Head de Política de Transportes para Veículos Autônomos do Uber e ele falou sobre um futuro bastante próximo em que a maior parte da frota estaria automatizada. Falou também do lançamento dos primeiros veículos voadores.

Sim, no começo dessa semana, todo mundo que trabalha com veículos autônomos teve que acalmar investidores após um acidente envolvendo um veículo autônomo do Uber em Tempe, no Arizona, matar uma pedestre. Mas que ninguém se engane, a transição para veículos autônomos começou, ganhou velocidade e não vai parar. Daí para a introdução do que os especialistas de mercado chamam de VTOL, ou vertical take off and landing, vai ser rapidinho.

Similares a helicópteros, mas com mais de um rotor, esses veículos já estão em desenvolvimento e testes e as gigantes da aeronáutica, incluindo a brasileira Embraer, estão investindo muito para que possamos ter acesso a esse transporte ainda nos próximos 5 anos.

Enquanto tudo isso acontece, a Boring Company, de Elon Musk, foi escolhida como uma das finalistas para o novo sistema de transporte expresso para o aeroporto de Chicago. Não podemos esquecer que o grande projeto que originou a ideia de montar a empresa é o Hyperloop; túnel que pretende ligar Los Angeles a São Francisco. Em 30 minutos.

Ao mesmo tempo, diversas empresas investem pesado em telepresença, seja através de robôs que podem ser controlados à distância com um joystick ou mesmo se utilizando de realidade aumentada e virtual.

Semana passada, nos EUA, a United Airlines virou notícia, de novo, por conta da morte de um filhote de buldogue. Um tripulante instruiu uma passageira a colocar o animal no compartimento de bagagens. Depois de impedir o embarque de duas pré-adolescentes porque estavam usando leggings e de arrancar um passageiro de seu assento e feri-lo, a empresa, mais uma vez, se mostrou incapaz de treinar propriamente seus funcionários.

Um dia desses, ao pousar em São Paulo trazendo uma bagagem fora de formato, fiquei 45 minutos escutando uma senhora anunciar que “qualquer mala fora de formato, prancha de surf, carrinho de bebê e afins” sairia na “esteira ao lado do Banco Safra”. Fui para lá esperar meu item. Como nada acontecia, perguntei se algo se passara com as bagagens do vôo da American Airlines para, só então, descobrir que estariam em outra esteira para itens fora de padrão.

Não precisa ser um gênio futurista visionário – até porque essas pessoas não existem – para saber que a indústria de viagens aéreas está pronta para a ruptura. Converse com uma pessoa que viaja com alguma frequência e você ouvirá casos de horror. Converse com uma pessoa que viaja esporadicamente e você escutará o lamento por causa da expectativa não realizada. Assentos desconfortáveis, maus tratos por funcionários mal treinados, atrasos, perda de bagagens, comida do Matrix, eu não sei nem por onde começar.

Com ou sem acidente do veículo autônomo do Uber, eu continuo aguardando ansiosamente pelos veículos que a gente não precisará dirigir. Quero meu tempo de volta, quero dormir, ler, assistir minha série nova do Netflix ou até ganhar uma massagem enquanto vou do ponto A para o B.

Canso de ouvir amigos e conhecidos moradores de São Paulo comentarem como os taxistas melhoraram depois da entrada do Uber e seus competidores. Carros mais limpos, balinhas, carregadores de celular e, o mais importante, motoristas mais gentis e atenciosos. De forma similar, no início de 2016, o pesquisador Scott Wallsen, do Technology Policy Institute, mostrou que o impacto das empresas de ride sharing em Nova York também foi uma melhoria no serviço prestado pelos táxis amarelos.

Creio que já começam a aparecer as primeiras rachaduras nas paredes do reservatório que concentra nossas opções de viagens aéreas nas mãos de empresas que, na maioria dos casos, pouco se importam com a qualidade dos serviços prestados.

Entre levar 35 minutos até chegar em Congonhas, para estar lá 1 hora antes do voo, mais 1 hora para chegar ao Rio de Janeiro e 1 hora para ir até o hotel, eu prefiro ir em um veículo autônomo que leve 5 horas, dentro do qual eu estico as pernas e posso fazer outra coisa com meu tempo.

O vôo NY-Boston, eu trocaria pelo Hyperloop. No limite, entre passar o nervoso de arrumar mala, passar pela segurança, viagem, táxi e hotel, se eu puder usar as novidades em realidade virtual e aumentada para estar presente em uma reunião, prefiro ficar no conforto da minha casa. E todos sabemos que as companhias aéreas se sustentam dos viajantes de negócios.

As rachaduras estão aí. Quem sabe o serviço das companhias vai melhorar antes da ruptura ser total?

FONTE: ÉPOCA