Agtechs brasileiras devem olhar mais para o mundo, diz executiva da Basf

O que pensa Mirella Lisboa, head da plataforma de inovação aberta da Basf para a América Lartina, sobre as startups brasileiras e as suas oportunidades de internacionalização.

Mirella Lisboa, 31, vê apoio de fundos e corporações como essenciais para internacionalização das startups

O mercado de carbono, bioinsumos e a robotização das lavouras são as tendências mais importantes do agronegócio nos dias atuais. É nisso que acredita a engenheira química Mirella Lisboa, 31 anos, que desde abril do ano passado é gerente de inovação aberta para a América Latina e head da plataforma AgroStart da Basf, multinacional alemã que no ano passado faturou globalmente 68,9 bilhões de euros (R$ 378,2 bilhões), dos quais 10,2 bilhões de euros (R$ 44,4 bilhões na cotação atual) vieram da divisão agro.

Há cinco anos na Basf, Mirella é a responsável pelo apoio às startups, um setor que deveria fazer algumas correções de rota. “O empreendedor brasileiro ‘nasce’ com foco em resolver as dores do país. Dado o tamanho do mercado interno, é natural que procure atingir a maior parcela possível”, diz ela. “O grande desafio é que o Brasil exporta dois terços do que produz. Então, as agtechs deviam começar a pensar em inovação com base no que o mundo está trabalhando, para onde estão indo as soluções, acompanhar de fato as tendências e buscar o mesmo ritmo de escala e crescimento.”

A Basf apoia 22 agtechs na América Latina, por meio da AgroStart, plataforma na qual administra os projetos de inovação e outros negócios. Além disso, conta com um hub de inovação aberta com sede em São Paulo, o onono, inaugurado em 2018. Desse total, 17 são do Brasil. Uma das tarefas da executiva é estar sempre de malas prontas, porque somente de viagens internacionais são cerca de quatro por ano. A mais recente foi para os EUA, nos dias 18 e 19 de março, para o fórum World Agri-Tech Innovation Summit, em São Francisco, que recebe cerca de 2,4 mil lideranças de todo o mundo, entre empresas agroalimentares, fabricantes de equipamentos, produtores rurais, fornecedores de tecnologia e investidores.

Mirella conta que há uma demanda clara nesse ambiente, em busca de respostas para a produção no campo que passam pelos hubs de inovação e que são urgentes. Entre ela: Como unir academia e negócios para produzir em escala moléculas adequadas à preservação do clima? De que forma ganhar dinheiro com o mercado de carbono? E em que áreas é melhor substituir a mão-de-obra por máquinas?

E faz um alerta, que pode ser traduzido como oportunidade em áreas da inovação aberta. “O mercado internacional ainda não tem maturidade, como no Brasil, para desenvolver certas iniciativas. Estamos bem avançados”, afirma Mirella, se referindo, por exemplo, à oferta de serviços de monitoramento de pragas e ervas daninhas. Ou uma tecnologia como a tokenização de ativos agrícolas, solução da Agrotoken, startup fundada na Argentina e que a Basf ajudou a trazer para o Brasil, cujos negócios a partir do país devem chegar ao Paraguai, Uruguai, México e Colômbia neste ano.

“Por outro lado, nunca vi tantas startups de fora querendo entrar no mercado brasileiro, não só as norte-americanas, mas também as indianas e japonesas com sede nos EUA.” É justamente a demanda do setor que atrai esse movimento estrangeiro. O Brasil possui atualmente 12,7 mil startups em todos os setores da economia, segundo a Abstartups (Associação Brasileira de Startups). Nos últimos dois anos, elas têm enfrentado um cenário difícil em função da limitação de acesso ao capital, com duas exceções: para os bons projetos de agro e energético.

O Brasil conta com cerca de duas mil startups do agro, alta de 15% entre 2022 e 2023, segundo a pesquisa Radar Agtech, desenvolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária) junto à SP Ventures, criada em 2007 por Francisco Jardim e que se tornou uma das gestoras de venture capital mais tradicionais do país.

“Existe uma oportunidade de fundos de venture capital e corporações como a Basf ‘abrirem os olhos dessas startups’ sobre o potencial de internacionalização de seus businesses”, afirma Mirella. “Em que sentido? No sentido de facilitar o acesso aos mercados e principalmente compartilhar conhecimento acerca dos parâmetros jurídicos e legais para operar nos outros países.”

Segundo Mirella, em alguns segmentos da inovação, como na fabricação de drones (liderada pelos EUA), a postura mais razoável para as startups locais não é competir com empresas de fora, mas formar parcerias. Um exemplo são as agtechs de monitoramento de lavouras, que oferecem soluções com máquinas importadas, por meio de prestadores de serviço, ou seja, sem que o produtor tenha que comprar o drone ou que se invista na fabricação própria do equipamento.

A fonte dos recursos
A Basf injeta recursos nas startups a partir de investimentos diretos e um fundo. O BVC (Basf Venture Capital), braço de investimentos da companhia, acumula R$ 350 milhões em capital investido, R$ 100 milhões a mais do que havia quando foi criado, em 2017. Isso porque o lucro das startups é reinvestido e o capital é, portanto, considerado green fund (sustentável). O fundo é administrado pela SP Ventures. Desde 2019, o AgVentures II movimentou US$ 4 milhões (R$ 22 milhões) da companhia.

Um exemplo de startup em busca expansão para fora do país é a Traive. Ela foi inoculada em 2018 por um casal de brasileiros no MIT (Massachussets Institute of Tecnology) e coleciona aportes milionários desde então, inclusive do Banco do Brasil. Em 2022, a Basf liderou uma rodada de investimentos de US$ 10 milhões (R$ 50 milhões) à startup. A plataforma é um marketplace destinado à concessão de crédito agrícola.

“O mercado americano é muito forte em crédito rural, então essa plataforma tem sido exportada”, afirma Mirella. Para vender seus serviços nos EUA, a Traive possui escritórios em Minneapolis e Boston. “A agtech criou um score que precifica o risco dos empréstimos. Foi a primeira parceria que se destacou em nosso ecossistema.”

Especialista também em fintechs, as startups do setor financeiro, ela destaca que inovações envolvendo transações bancárias é uma frente em que o agronegócio tem que se manter atuante, para não perder o trem das tendências globais, inclusive no combate às mudanças climáticas.

Mirella também faz um alerta sobre negócios do lado de fora da porteira, especialmente nas áreas de infraestrutura e logística, que são atualmente a maior janela de oportunidade para empreendedores que estão ingressando no setor. “Não vejo muitas soluções tecnológicas para cadeias logísticas surgirem lá fora”, o que seria uma oportunidade para inovações. Não por acaso, a Basf está buscando projetos que tenham relação com soluções para a distribuição de alimentos e modais de transporte.

FONTE: https://forbes.com.br/forbesagro/2024/04/agtechs-brasileiras-devem-olhar-mais-para-o-mundo-diz-executiva-da-basf/