Ventos da macroeconomia sopram a favor das startups

“Embora macro seja um assunto distante das mentes de fundadores de startups, eles precisam estar sempre antenados a seus sinais”

Romero Rodrigues: bons sinais no fronte econômico — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

O mundo fala de teto da dívida americana, Guerra de verdade na Ucrânia e guerra comercial EUA e China. No meio dessa confusão, o Brasil vive um bom momento macroeconômico. Antes que algum fundador de startup mais incauto venha perguntar o que o negócio dele tem com isso, aviso para continuar a leitura. Não se desespere.

O Banco Central do Brasil acaba de anunciar a primeira redução de 50 bps na taxa de Selic, em um movimento contrário ao resto do mundo. Ou seria antecipando? Vale lembrar que a instituição foi a primeira entre seus pares a iniciar o ciclo de alta de juros e está sendo a primeira a reduzi-lo, sinalizando que a economia aqui deve iniciar o processo de recuperação e que os ventos estão soprando na direção certa.

Outra boa nova foi a elevação da nota de crédito brasileira pela Fitch. Vale lembrar que isso aconteceu apenas alguns dias antes de a mesma agência de classificação de risco rebaixar a nota da dívida dos Estados Unidos. Ao justificar a melhora da nota do Brasil, ela apontou o desempenho macroeconômico e fiscal acima do esperado “em meio a choques sucessivos nos últimos anos, políticas proativas e reformas que apoiaram isso”.

Falando em reformas, depois de décadas a Câmara dos Deputados aprovou a tão desejada Reforma Tributária. Ainda falta passar pelo Senado e há muitos pontos de impasse e que podem ser melhorados, é verdade, mas a indicação de simplificação da teia de impostos brasileiros é sempre bem-vinda. O impacto na economia não é para agora, mas mexe com expectativas.

Outro ponto a destacar é a aprovação do arcabouço fiscal, que pode amenizar um pouco a visão de investidores sobre a sustentabilidade das finanças públicas brasileiras.

Embora a macroeconomia seja um assunto distante das mentes de fundadores de startups talentosos, sempre entusiasmados em pavimentar a estrada para o crescimento, esses sinais são relevantes para a economia e para a atração de investimentos. Fundadores mais preparados, sobretudo os de mercados emergentes, precisam estar sempre antenados com esses sinais.

Indícios positivos sobre o cenário econômico com boas perspectivas para o ambiente de negócios significam, em geral, mais capital disponível no futuro próximo, especialmente para as empresas em estágios de crescimento mais avançados, as rodadas de growth e late stage, reaquecendo o setor de inovação.

Em mercados emergentes, como a América Latina, as mudanças econômicas acontecem de forma mais brusca, e os fundadores precisam se adaptar rapidamente. Por isso, é preciso ficar atento.

No ambiente de investimentos, há ainda outra grande notícia, que foi a venda da Pismo para a Visa, no valor de US$ 1 bilhão em dinheiro. Os ecos positivos da transação trouxeram otimismo ao mercado local, apontando um ecossistema oxigenado e mais saudável, no qual os fundadores estão cientes e focados em escalar a inovação com modelos de negócios sustentáveis, ao invés de romantizar o lucro bruto negativo e o crescimento a qualquer custo.

Startups com propósito claro, cultura forte, modelos de negócios com diferenciais competitivos, resolvendo problemas importantes em grandes mercados, vivem silenciosamente a vantagem de operar em um mercado sem competidores irracionais ou dinheiro fácil. Estas condições costumam produzir as melhores safras de empresas de tecnologia. Foi assim com o Buscapé após o estouro da chamada “Bolha da Internet”, em 2001.

Outro ponto a ressaltar é que o chamado “inverno das startups”, que resfriou um cenário após um período recorde de captações, deixou os fundos de venture capital internacionais acumularem muito capital. De acordo com estudo de Jon Sakoda, da gestora de venture capital Decibel Partners, com dados do Pitchbook e do National Venture Capital Association, os fundos de VC dos Estados Unidos estão com US$ 271 bilhões em caixa, um volume cinco vezes maior do que há cinco anos.

Não quer dizer, claro, que eles vão sair investindo em qualquer negócio. Muitos deles tomaram um baque forte com a correção dos valuations em curso desde o início do ano passado e ficaram mais seletivos, buscando os melhores empreendedores sem a corrida desenfreada vista em 2021.

Para empresas boas, o cenário já está mais favorável. Para aquelas que ainda estão ajustando o modelo de negócios, procurando fit de produtos do mercado, melhorando margem, não necessariamente. Não está sendo e nem vai ser fácil levantar dinheiro para elas agora.

Por causa da necessidade de capital de algumas startups que estavam queimando caixa para crescer a qualquer custo, acho que ainda veremos nos próximos meses mais M&As de “empresas vendidas” do que de “empresas compradas”. A diferença de uma para outra é em torno de uma a duas ordens de magnitude (até 100 vezes maior) em termos de valuation.

Explico: A startup comprada é aquela que está no rumo certo, numa trajetória em que não faz muito sentido ser adquirida porque tem ambições maiores, mas aparece uma proposta irrecusável, como foi o caso da Pismo e, lá atrás, do Buscapé.

Já as startups vendidas são aquelas que não estão conseguindo encontrar um caminho, lutam para crescer e, somado a um time menos afiado e falta de capital, acabam precisando de uma solução que dê liquidez. Para essas, o processo é normalmente iniciado pela startup e, quando aparece a primeira oportunidade de venda, o empreendedor sabe que é hora de encerrar a jornada.

Diante de todos esses motivos, não vejo um momento de euforia para todos os tipos de empreendedores nos próximos meses, mas acho que há sinais de grandes oportunidades para muitos deles. Os melhores saberão aproveitar os ventos dessa primavera que começam a soprar.

*Romero Rodrigues é sócio da XP Inc. e managing partner da Headline

FONTE:

https://pipelinevalor.globo.com/startups/noticia/romero-rodrigues-ventos-da-macroeconomia-sopram-a-favor-das-startups.ghtml