Satélite custa caro e deve ser explorado, diz presidente da Agência Espacial Brasileira

Em entrevista ao Byte, o pesquisador Marco Antônio Chamon falou sobre como quer tornar o programa espacial brasileiro mais popular.

Agência Espacial Brasileira (AEB) tem um novo presidente: o pesquisador Marco Antônio Chamon. Em entrevista ao Byte duas semanas após assumir o cargo, ele falou sobre como quer tornar o programa espacial brasileiro mais popular, atrair a indústria e melhorar o relacionamento da agência com outros ministérios e até com o Legislativo.

Chamon foi coordenador do programa de satélites científicos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e gerente da missão oceanográfica SABIA-Mar (Satélite Argentino-Brasileiro de Informação Ambientais Marinhas).

Sua formação inclui uma graduação em engenharia elétrica pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) com mestrado em engenharia e tecnologia espacial pelo Inpe e doutorado em eletrônica pela École Nationale Supérieure de L’Aéronautique et de L’Espace, na França.

Projetos importantes da agência em andamento incluem parcerias de satélites com a Argentina e a China. Chamon cita na entrevista o otimismo em torno do momento espacial no mundo, que tem instigado mais projetos e mais países interessados em negócios espaciais, o que pode favorecer o Brasil. “Satélite custa caro e tem que ser explorado corretamente, então este é um grande desafio”, disse.

Byte: Normalmente a exploração espacial não ganha no Brasil o mesmo espaço na pauta pública que áreas como saúde e segurança, por exemplo. A Agência Espacial Brasileira tem planos para convencer a população da importância do país ter um programa espacial consolidado?

Chamon: A nossa tentativa é atacar pelo menos duas ou três grandes frentes. Temos o programa espacial como um benefício para a sociedade. Curiosamente essa parte não é a mais difícil [de mostrar], porque as pessoas vivem essa realidade. Todo mundo tem um GPS no celular ou utiliza para dirigir um carro. O GPS só existe porque há um programa espacial.

Talvez o mais conhecido desses serviços, embora não diretamente para a população, mas com grande impacto sobre a sociedade, é o monitoramento de desmatamento da floresta Amazônica. Isso é feito — e não poderia ser feito de outra forma — por meio do programa espacial.

Tem uma segunda parte do programa que é o impacto econômico de um programa espacial.  Então, a gente pretende mostrar que, ao investir na indústria nacional, você gera emprego e tecnologia que pode ir para outras áreas, gera faturamento das empresas. Além da vantagem de proteção do meio ambiente e da segurança de fronteiras.

O terceiro ramo, esse é talvez o mais difícil, é estar no imaginário das pessoas. É aquela ideia da criança querer ser astronauta. Mas a gente se surpreende! Em São José dos Campos (SP) tem um programa em curso de estudos espaciais direcionado à graduação. Mas houve um painel com astronautas, inclusive presenciais. Isso foi assistido por 3 mil crianças de escolas públicas!

Byte: Quais são os principais desafios e prioridades atuais da Agência Espacial Brasileira?

Chamon: As pessoas envelhecem, tem um certo conhecimento que eventualmente se perde com as aposentadorias etc. É preciso uma reposição, e o governo tem trabalhado nisso. Escolher bem as pessoas é uma questão difícil. Ainda na parte interna há as questões orçamentárias. Para o bem ou para o mal, o programa espacial é um programa caro no mundo todo.

Se você quer fazer coisas ambiciosas, como telecomunicações, internet via satélite, exploração da zona econômica oceânica brasileira, você precisa de um programa espacial robusto. A ideia de que o governo tem que pagar tudo era uma ideia mais antiga que está sendo modificada no mundo todo. Procuramos diversificar esse orçamento, atrair grandes players [atores] no setor industrial e de serviço no Brasil.

O agro é um setor que se beneficia enormemente da questão espacial. O agro está acostumado a investir em tecnologia. Agregar o programa espacial, que já faz um pouco, mas poderia fazer muito mais, é outro caminho.

Satélite custa caro e tem que ser explorado corretamente, então este é um grande desafio. Nós já estamos enfrentando. Um deles já está bastante adiantado: são as duas cooperações internacionais que nós temos assinadas recentemente pelo presidente Lula nas visitas à China e à Argentina. Então nós vamos ter dois novos satélites no forno para colocar no espaço e ter uma infraestrutura espacial maior ainda.

Byte: O que podemos esperar da AEB em relação à base de lançamentos em Alcântara? Quais são os impasses que inviabilizam o aproveitamento do local?

Chamon: O potencial é muito grande para o uso da base. Primeiro a questão geográfica dado o tamanho do Brasil e a localização: estamos no Equador, a geografia nos ajuda, ela tem tudo para facilitar as questões espaciais. Mas há mais países do mundo que fazem satélites do que países que fazem lançadores. É um desafio caro não só tecnologicamente, mas politicamente. Porém, o retorno é muito grande.

Ainda assim tem sentido o Brasil investir na área de foguetes e de lançadores. É claro, o acesso à Alcântara é ruim, mas é ruim o acesso a qualquer base de lançamento no mundo. Você tem que estar numa região isolada; imagina se há um acidente?

Nós estamos entusiasmados e temos uma perspectiva ainda maior porque recentemente foi lançado o primeiro lançador que é sul-coreano e fez um acordo de parceria com a ideia de explorar comercialmente a base. Mas vai exigir investimento, não é uma coisa fácil de fazer.

Byte: Especialistas citam a Blue Origin, concorrente da SpaceX, como uma possível empresa que poderia operar da base de Alcântara. O local recebeu algumas visitas da própria SpaceX, segundo a gestão anterior da AEB. Qual a probabilidade de atrairmos empresas deste porte para o Brasil? 

Chamon: O potencial é grande, mas não sejamos exagerados. Grandes empresas geralmente já estão bem estabelecidas e têm as suas próprias bases de lançamento.

Por que a SpaceX veio ver aqui? Bom, você nunca perde uma oportunidade de negócio. A posição geográfica do Brasil é muito privilegiada, é a base de lançamento mais próxima do Equador do mundo. Então, há uma vantagem econômica de lançar um satélite a partir do Equador: você economiza combustível, é mais barato tecnicamente.

Além disso, com a nova economia do espaço, mais países estão entrando no jogo espacial. Há 10, 15 anos, você tinha 20 países que tinham agências espaciais interessadas e trabalhando — o Brasil entre elas. Hoje, você tem quase 100. É um mercado que começa a crescer muito, particularmente com satélites menores e que dá uma oportunidade maior de utilização da base.

Byte: E sobre o nosso programa de satélites? Como acha que a AEB poderia avançar nesse sentido, com mais ou melhores usos desses equipamentos?

Chamon: São os dois grandes programas que estamos envolvidos agora. O com a Argentina é um que a gente vem tentando fazer bastante tempo, o SABIA-Mar. É um satélite para observar a água, inclusive lagos e represas, porque as nossas usinas [hidrelétricas] são muito grandes. Infelizmente, temos problemas de derramamento de óleo no mar. Então, olhar o mar e olhar as águas internas é uma atividade importante.

Com a China, a assinatura pelos presidentes Lula e Xi Jinping, da China, é mais recente. Esse vai demorar um pouco mais e a natureza do satélite também é diferente. Os que a gente tem feito com a China até hoje — nós já fizemos seis — são grandes, de 1,5 a 2 toneladas e são satélites óticos, como câmeras no espaço.

O satélite que se pretende fazer agora é menor. Esperamos que ele tenha 700 kg no máximo, o que exige miniaturização, então tem mais tecnologia envolvida. Ele não é uma câmera, é uma aplicação bastante sofisticada de radar a qual não apenas localiza alguma coisa ou mede a velocidade, mas consegue identificar estruturas, árvores, rios estradas etc. Ele pode operar a noite, e os satélites óticos não: dependem da iluminação solar.

Isso oferece oportunidades. É importante ver regiões que a gente não via; é uma tecnologia nova que vamos avançar; e é mais um insumo para que empresas de pequeno porte se desenvolvam para usar o produto. A gente espera poder promover um ramo novo, crescer a exploração de dados no setor privado.

Byte: Quais são as principais metas para os próximos anos, considerando os projetos do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), publicado em 2022?

Chamon: O programa tem duas grandes vertentes. Uma delas é expandir o uso dos dados, com mais gente utilizando os dados, agregando valor e eventualmente vendendo serviços. O outro objetivo é tornar o programa mais transversal. Por exemplo, existe a chance de utilizar a informação de satélites na geração de energia elétrica, já que a nossa matriz é muito hidrelétrica e estamos fazendo um satélite para [monitorar] águas.

Isso não é exatamente com a Agência Espacial Brasileira. Isso é com a Agência Nacional de Águas, do Ministério de Minas e Energia. Outro exemplo: são muitas centenas de barragens no Brasil. O monitoramento dessas barragens é feito, mas infelizmente a gente teve [tragédias em] Mariana e Brumadinho. Obviamente um satélite não impede isso, mas pode verificar movimentos de terra e fissuras na barragem com alguma antecedência.

Byte: Como o senhor pretende aproveitar todo o trabalho desenvolvido no Inpe agora, sob o comando da AEB? 

Chamon: A relação da agência com o Inpe sempre foi muito boa. Então é relativamente fácil tocar isso. A parte mais difícil desse relacionamento é que a ambição do programa espacial é grande e os recursos são menores do que a gente gostaria.

A relação se mantém bastante boa, mas da mesma forma, eu aqui na posição de agência vou ao governo, a órgãos de fomento, buscar recursos e pedir dinheiro. Então a relação também tem um pouco desse conflito: eu preciso de mais recurso para fazer aquilo que você me pediu para fazer.

Byte: A direção da AEB requer, além do conhecimento técnico, habilidades como visão estratégica, articulação política e diplomacia. Como o senhor pretende dialogar com o governo em prol de recursos para aprimorar o setor?

Chamon: Já conversamos naturalmente com vários ministérios. Obviamente com o Ministério de Ciência e Tecnologia porque essa autarquia é vinculada, mas a gente conversa com o Ministério do Meio Ambiente há muito tempo. As questões de desmatamento são centradas lá.

Também falamos com o Ministério da Defesa porque as questões de lançamento e base são desenvolvidas dentro da Defesa. Mas queremos ampliar isso. Queremos falar com Agricultura, Infraestrutura. O programa espacial tem muito a oferecer, mas ele tá escondido.

Depois, tem a relação com Legislativo, que também é importante, né? Você tem que mostrar a validade do programa. Isso já foi começado, no passado foi criado uma frente mista de apoio ao programa espacial brasileiro. Houve a renovação do Congresso, então temos que reativar isso. Mas já existe uma enorme boa vontade por parte do Legislativo; você tem que ir lá e conversar com as pessoas.

O programa espacial tem que conversar fora do governo também: com o setor privado, de serviços e da indústria.

FONTE:

https://www.terra.com.br/byte/satelite-custa-caro-e-deve-ser-explorado-diz-diretor-da-agencia-espacial-brasileira,4528bf57ca2f62ee57cf0f8999051081u8ubutf6.html