Robô cirúrgico em miniatura promete revolucionar cirurgias

Os dois braços e câmera da tecnologia são projetados para entrar na barriga do paciente através de uma incisão de pouco mais de três centímetros e operar conforme as instruções

Quando criança, Adam Sachs, cofundador e CEO da Vicarious Surgical, assistiu ao filme de ficção científica “Viagem Fantástica”, de 1966, e se apaixonou pela premissa de cirurgiões microscópicos realizarem procedimentos dentro do cérebro de um cientista. “Os humanos não são do tamanho ideal para operar em humanos. Não conseguimos reduzir as pessoas, mas podemos criar avatares que os representem. Podemos desenvolver versões robóticas em miniatura”, diz o executivo.

Isso foi exatamente o que ele e os cofundadores da Vicarious Surgical – Sammy Khalifa, o diretor de tecnologia, e Barry Greene, diretor médico – passaram a última década fazendo. Os especialistas criaram um robô emparelhado com um fone de ouvido de realidade virtual para realizar cirurgias abdominais. A previsão é de que o produto seja lançado no mercado em 2023.

Os dois braços e câmera da tecnologia são projetados para entrar na barriga do paciente através de uma incisão de pouco mais de três centímetros e operar conforme as instruções. Encolher um robô cirúrgico é excepcionalmente difícil, mas com a inovação o trio Vicarious espera facilitar a realização de cirurgias abdominais para os médicos, começando com operações de hérnia mais rápidas, seguras e com menos complicações do que as alternativas existentes.

Essa não é exatamente a mesma ciência do filme norte-americano, em que médicos são injetados na corrente sanguínea do paciente. No entanto, é futurista o suficiente para que a Vicarious tenha atraído investidores de primeira linha, incluindo Bill Gates, Vinod Khosla, Eric Schmidt e Jerry Yang. A empresa também recebeu uma designação inovadora do FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de medicamentos dos EUA), – a primeira para um robô cirúrgico – tornando-se elegível para revisão prioritária.

“Colocar o cotovelo dentro da cavidade corporal e ser capaz de estender a mão para trás, a fim de trabalhar em direção à parede abdominal é um procedimento e tanto, diz Paul Hermes, que dirigia o programa de robótica da Medtronic e agora é conselheiro da Vicarious. “Devemos esperar que a cirurgia robótica melhore.”

A empresa abrirá capital por meio de uma fusão via Spac (sociedade com propósito específico) criada pelo investidor de Hong Kong Donald Tang. O negócio de US$ 1,1 bilhão levantará US$ 115 milhões e trará como investidor a gigante da tecnologia médica Becton Dickinson, que fabrica telas cirúrgicas usada em reparos de hérnia. A Vicarious prevê atingir US$ 1 bilhão em receita anual até 2027.

“Estamos indo atrás dos mercados onde os robôs cirúrgicos existentes têm enfrentado dificuldades. Há muitos negócios tentando reproduzir o modelo, mas a nossa arquitetura é totalmente diferente”, diz Sachs, de 30 anos.

A gigante da cirurgia robótica Intuitive Surgical, cuja avaliação de mercado está na marca dos US$ 115 bilhões, apresentou o da Vinci ao mercado – um robô de quatro braços que segura instrumentos em forma de bastão – há duas décadas, e tem dominado o setor desde então. À medida que as patentes da Intuitive expiram e a tecnologia robótica avança, concorrentes como a J&J e a Medtronic, ambas adquirindo startups de robôs cirúrgicos, estão competindo para tornar a cirurgia robótica tão comum quanto a laparoscopia. O preço esperado da ferramenta Vicarious de cerca de US$ 1,2 milhão, quase metade dos robôs topline existentes, pode ser ponto a seu favor, ao lado da facilidade com que os cirurgiões podem aprender a manuseá-lo.

Os aprendizados de Sachs com design de máquinas começaram em sua casa no subúrbio de Boston, nos Estados Unidos. Seu pai, Ely Sachs, é um professor de engenharia mecânica do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que é considerado o mais velho embaixador da impressão 3D; sua mãe é arquiteta. Ele conheceu Khalifa, de 31 anos, durante seu primeiro ano no MIT, onde ambos estudaram engenharia. Eles se tornaram amigos rapidamente e passavam seu tempo livre na oficina mecânica da universidade fazendo atuadores, componentes mecânicos que acionam as articulações de um robô. “Nós testávamos os dispositivos e quando não funcionavam repetíamos o processo”, diz Sachs.

Enquanto Sachs e Khalifa ainda estavam na faculdade, eles começaram a trabalhar com Greene, um cirurgião bariátrico e amigo da família de Sachs, em um dispositivo médico que se tornou o robô. Em 2014, após uma breve passagem pela Apple, Sachs lançou oficialmente o Vicarious com US$ 400 mil em financiamento inicial liderado por Michael Rothenberg. Em 2015, Khalifa largou o emprego para ingressar no negócio.

Para o executivo, a parte mais difícil ao longo dos anos foi descobrir como trabalhar com os atuadores. Torná-los pequenos o suficiente para incluir nove dispositivos, três vezes o que é típico para robôs cirúrgicos, foi difícil. O mesmo ocorreu com o desacoplamento para que cada junta pudesse se mover separadamente, com a ajuda de 28 sensores por braço.

O professor de robótica da Carnegie Mellon Howie Choset compara o desafio técnico a colocar muitas coisas em uma bagagem e, em seguida, tentar fazer com que esses elementos funcionem. Pior, ele considera que, quanto menores os atuadores, mais fracos eles ficam. “Você deseja obter o máximo de atuação no menor pacote possível, mas já está lutando para embalar o máximo possível”, diz ele. “É incrível que [Sachs] tenha feito esse trabalho.”

A correção de hérnias, o primeiro objetivo da Vicarious, representa mais de dois milhões de procedimentos por ano nos Estados Unidos. As hérnias ventrais, comuns ao longo da linha média da parede abdominal, respondem por 500 mil procedimentos e são altamente complexas. O reparo padrão envolve a fixação de uma tela na parede abdominal, mas resulta em recorrência em cerca de 20% das vezes, frequentemente exigindo uma correção mais extensa. Uma técnica avançada que envolve prender a tela contra o músculo reto abdominal reduz a recorrência, mas é difícil e pode levar até quatro horas com os robôs atuais.

Quando a Vicarious recebeu a designação do FDA, podia fazer a cirurgia em um cadáver em metade do tempo do que os métodos tradicionais, de acordo com Sachs. Desde então, o tempo foi reduzido para menos de uma hora. Em uma demonstração em vídeo de uma correção de hérnia ventral, os braços do robô empurram a malha na cavidade abdominal e a costuram rapidamente. A cirurgia mais rápida é menos arriscada para os pacientes e mais econômica para os hospitais.

As ambições da Vicarious se estendem a outras cirurgias abdominais, incluindo procedimentos da vesícula biliar, para um mercado potencial total de 39 milhões de cirurgias (apenas 3% delas são feitas com robôs). É por isso que Sachs, cuja participação na Vicarious vale US$ 112 milhões, considera que é preciso apenas uma fração do mercado para criar uma grande empresa.

“O campo está bastante estagnado há muito tempo e há um senso comum que não é verdade”, diz Tang, o investidor. “É preciso colocar a inovação nas mãos das pessoas para mostrar que ela é realmente possível e não uma ficção.”

FONTE: https://forbes.com.br/forbes-tech/2021/07/robo-cirurgico-em-miniatura-promete-revolucionar-cirurgias/?fbclid=IwAR1xWK5orY8_fjFEJQCQ5AfbJXXrfUOI0lfU_WpSAuLa3USufiwua7Qfj3g