Para Gabriela Toribio, crescimento de CVCs é sinal de maturidade do ecossistema de inovação brasileiro

Diretora da Wayra e do Vivo Ventures, iniciativas de inovação aberta da Telefónica, a investidora falou com PEGN sobre o cenário atual para as corporações que investem em startups.

Há nove meses, Gabriela Toribio assumiu o cargo de diretora das iniciativas de inovação aberta da Telefónica: Wayra e Vivo Ventures. Com passagens pelos veículos de Corporate Venture Capital (CVC) da Votorantim e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a profissional trouxe a bagagem para potencializar os investimentos e parcerias da empresa de telefonia com as startups.

Além disso, Toribio também coordena o comitê de CVC da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). A investidora vê com bons olhos o momento para os veículos de investimento de grandes corporações, afirmando que os empreendedores estão entendendo melhor como funciona o relacionamento com os CVCs. “O mercado amadureceu bastante nos últimos três anos e os empreendedores começaram a ver valor não só no capital, mas na máquina”, disse.

À frente de Wayra e Vivo Ventures, Toribio comanda diferentes teses de investimento. Enquanto a Wayra, criada em 2012, investe em estágios mais iniciais, com cheques de até R$ 2 milhões, o Vivo Ventures, criado em 2022, faz aportes maiores, de até R$ 25 milhões, com foco em negócios direcionados ao consumidor final, em segmentos mais conectados com a área de atuação da Vivo.

No início do mês, a Wayra Brasil anunciou o primeiro investimento de 2023. A escolhida foi a startup israelense Tachyonix – com fundador brasileiro e operação no país –, provedora de aplicativos SAP. Com a rodada, o portfólio do fundo chegou a 27 startups ativas. O valor do cheque não foi divulgado.

Em entrevista a PEGN, Toribio falou sobre como começou a trabalhar com capital de risco, relembrou a jornada como empreendedora, e falou sobre o mercado para Corporate Venture Capital no país. Leia os principais trechos:

Wayra e Vivo Ventures não são a sua primeira atuação no mercado de startups. Pode contar um pouco sobre a sua trajetória?

Eu sou do Rio Grande do Norte, morei a vida inteira em Salvador (BA), onde estudei administração e direito em administração. Ao me formar, vim para São Paulo para trabalhar. Comecei como trainee na Votorantim, atuando com planejamento societário e tributário para a operação brasileira e internacional. Fiz projetos em vários países do mundo e fui contemplada com um auxílio pra morar fora pela companhia, morei no Vale do Silício com meu marido.

Eu já estava procurando sair da área de societário e tributário e ir para negócios, sempre gostei de entender planos, visitar operação, vivia metida em fábrica mesmo trabalhando na parte administrativa, no escritório com ar-condicionado. Ao longo do tempo, para fazer a transição, fui estudando o mercado de inovação. Tirei uma licença e procurei trabalhar em startup e fiz um estágio na 99, foi maravilhoso. Ajudei a construir o 99pop, foi com os empreendedores que agora estão na Alice, na Flash. Foi uma correria, empresa em expansão, foi antes do deal [quando a 99 foi comprada pela chinesa Didi Chuxing, em 2018], foi muito divertido. Eu estava no jurídico, mas metida com o produto.

Quando voltei da licença, fui trabalhar com inovação e novos negócios, eu era líder dessa área na Votorantim. Comecei a fazer parceria com startups, comecei a estruturar o CVC, a tentar desenvolver startups internas, ainda não investíamos financeiramente, em 2017. Nessa época, a CSN me convidou para fazer isso lá. Estruturei o veículo de CVC desde a concepção, fizemos vários investimentos em hidrogênio verde, energia, deeptechs. Nos tornamos um dos CVCs mais ativos, não só em número de investimentos, mas no apoio às startups.

E como surgiu a proposta para ser diretora de Wayra e Vivo Ventures?

Durante a atuação com a CSN, a Vivo me chamou para cuidar de Wayra e Vivo Ventures. Eu entendi que eram duas frentes, Wayra tem mais de 10 anos, mais de mil empresas já foram investidas no mundo, 550 estão ativas, 27 no Brasil. Atua em verticais mais amplas, a tecnologia permeia vários setores, me pareceu muito grande e sólido o que a Telefónica já fazia, uma estratégia de muito sucesso. A Wayra tem a área de inovação aberta e desenvolvimento de negócios, parceria com o BNDES Garagem, várias áreas que complementam o investimento, porque além do aporte, temos pessoas dedicadas para as coisas andarem. Hoje metade do portfólio faz negócios com a Vivo, aportamos valor por sermos parceiros, contratando a startup, revendendo a solução da startup com o canal B2C, B2B, dando acesso a empresas grandes e pequenas.

Na sua opinião, por que grandes empresas devem investir em inovação aberta? É algo que apenas as grandes podem fazer?

As empresas grandes possuem áreas dedicadas porque quando ela já está estabelecida, ela foca muito no core, aperfeiçoando o que gera caixa para a companhia. É importante ter áreas ou pessoas estudando sempre o que pode vir a ser uma tendência de mercado, que pode impactar o business, que tire margem, receita. É essencial saber para onde o mundo está indo, quais tecnologias são aplicáveis para aperfeiçoar processos internos de eficiência operacional, de redução dos custos. É importante que empresas grandes saibam o por quê querem inovar e se querem inovar, é legítimo fazer só arroz com feijão, mas pode ser um desvio ou ponto de atenção para a sustentabilidade da empresa, para continuar longeva.

A Wayra tem papel importante na inovação do grupo inteiro, temos comitês, falamos com C-levels, tudo isso oxigena a corporação e conecta a companhia ao mundo de fora pra entender o que não conseguimos fazer aqui dentro, como alavancar novos negócios e acessar o mercado para aumentar a receita. E isso não é exclusivo para grandes empresas, qualquer empresa pode ter pessoas com essa atribuição de olhar pra fora. O dia a dia consome, se você não tiver essa disciplina, você pode ficar ultrapassado. Especialmente em tecnologia, qualquer mudança pode mudar o produto inteiro.

Você citou que metade do portfólio faz negócio com a empresa. É uma condição para o investimento?

Geramos quase R$ 75 milhões de receita para as startups, em negócios fechados no ano passado, com esse formato. Fazer negócios com as investidas é um objetivo, mas não fazemos aporte só em quem podemos fazer negócios hoje. Estamos avaliando empresas que solucionem questões de carbono, por exemplo, que não conseguimos plugar, mas temos essa tese e talvez daqui a alguns anos possamos fazer negócios também.

Avaliamos se é um bom investimento, em que a Vivo consegue agregar, gerar valor. E então vemos como apoiamos no curto prazo, com contratos e revenda dos serviços, e no longo prazo, com o desenvolvimento da empresa e monitoramento. Tem startups que investimos em 2016 e só fizemos negócio em 2022, por meio da gestão de portfólio que fizemos, acompanhamos a investida e vimos que agora endereçava uma dor que tínhamos.

Passamos por um momento de maior escassez de capital no mercado, com os fundos mais cautelosos ao fazer os investimentos. Vê isso como oportunidade para os CVCs?

Com certeza, especialmente no Brasil. No mundo, os CVCs já participam de mais de 25% dos deals. No Brasil, vemos o mercado aquecido. Em 2022, 11 empresas listadas na Bolsa de Valores abriram seus CVCs, há cerca de R$ 2,5 bilhões para investir nesse setor. As startups estão olhando mais para esse investidor por dois motivos: tem muito mais CVCs estruturados, várias empresas investiam do balanço e não tinham estratégia clara, era confuso para os empreendedores; e porque sempre existiu, na visão deles, o questionamento: se o CVC entrar, eu vou deixar de fazer negócios com a concorrência? E pode sim, a gente quer que você gere receita.

Também tentamos desmistificar que o CVC não é só M&A, uma coisa é fusão e aquisição, outra é investimento minoritário. Com mais empresas brasileiras abrindo os braços, como Suzano, Votorantim, CSN, o mercado amadureceu bastante nos últimos três anos. E os empreendedores começaram a ver valor não só no capital, mas na força, na presença, na máquina que traz receita. É a maturação do ecossistema brasileiro.

Qual é a diferença entre os dois fundos?

A Wayra faz investimentos minoritários em empresas seed, com tíquete de até R$ 2 milhões. O portfólio é mais diversificado. Já com a Vivo Ventures, fazemos aportes de até R$ 25 milhões, em rodadas Série A. Temos mais três anos para fazer os investimentos. O portfólio é mais concentrado, atualmente temos três companhias.

Como está o ritmo de investimento do capital dos fundos? Em quantas startups pretendem investir neste ano?

Pelo Vivo Ventures, já investimos cerca de R$ 50 milhões e temos mais R$ 270 milhões para investir, do primeiro fundo, em um período de quatro a cinco anos, depois fazemos a gestão e o desinvestimento. Como Wayra não é fundo de investimento em participações (FIP), não divulgamos os valores, mas nosso objetivo é fazer follow ons no portfólio e novos investimentos em tecnologia habilitadora. Olhamos muito para fintechs, edtechs, healthtechs, IA, blockchain, energytechs, climate techs, greentechs.

Estamos capitalizados, acreditamos que é um momento bom para fazer bons negócios porque o mercado está desaquecido, mas tem muita coisa boa e startups no período de consolidação, precisando de caixa.

Quais são as suas características que mais possibilitam sua atuação como investidora?

Tenho muito a aprender sempre. Eu também sou empreendedora, passei por toda a parte regulatória, desenvolvimento de produto, da economia real. Tento ser mais empática com o empreendedor, com as lutas, para ver como posso apoiar a desenvolver os negócios compartilhando minhas experiências. A parte tributária, societária, eu sou apaixonada e são temas que no início da operação não se cuida tanto, mas isso impacta e pode até fechar uma startup.

Meu lado empreendedora gera mais empatia para entender a necessidade do outro. E essa parte estruturante, no que você precisa de ajuda agora, é uma jornada muito sozinha, se alguém te ajuda, é seu terapeuta, contribui muito. Eu fui muito ajudada, até por investidores de capital de risco, por muitos anjos, que não investiram capital, mas me deram tempo pra ajudar e mentorar minha jornada.

Aproveitando esse gancho, conte um pouco sobre a sua experiência como empreendedora com a Alimentos da Vila.

Eu fundei essa empresa de alimentos vegetarianos saudáveis, abrimos fábrica e restaurante. Bati de porta em porta, fazia a parte de produto, operacional, venda, com mais duas sócias. A experiência me deu a perspectiva da dificuldade de empreender no Brasil, me trouxe a perspectiva de encantar o cliente, precificar, pagar imposto, tocar a operação, vender. Hoje não estou mais no operacional, não dá para ser empreendedora por meio período.

FONTE:

https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/07/para-gabriela-toribio-crescimento-de-cvcs-e-sinal-de-maturidade-do-ecossistema-de-inovacao-brasileiro.ghtml