“O banco do futuro vai ser menos ‘banco’ e mais solucionador de problemas”, diz CEO da Creditas

O que Sergio Furio pensa sobre o futuro do mercado financeiro

SERGIO FURIÓ, CRIADOR DA PLATAFORMA DIGITAL CREDITAS (FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK)

Depois de receber um aporte de US$ 231 milhões do SoftBank a um valuation de US$ 750 milhões, o Creditas de Sergio Furio virou a bola da vez no mercado de startups brasileiro.

Mais candidato a unicórnio do que nunca, o espanhol conversou com Cabeça de Startup para uma reflexão sobre a sua visão acerca do futuro do setor financeiro, a importância do foco no cliente e os desafios e segredos do sucesso de sua startup.

Você construiu uma startup com a ideia de oferecer crédito tendo um imóvel como garantia. Isso não era algo exatamente novo. O que foi feito de diferente para que a Creditas alcançasse o sucesso? No que vocês eram melhores que os bancos?

O crédito com garantia é um produto pouco trabalhado pelos bancos. Então, é relativamente novo, é pouco usado no Brasil, muitas pessoas não sabem o que é. Ele nasce de uma anomalia do mercado brasileiro que não existe nos mercados internacionais: lá fora, se você tem um imóvel quitado ou com muito equity, você nunca pediria um empréstimo pessoal caro ou nunca usaria o rotativo do cartão ou o cheque especial.

Qual é a diferença entre Creditas e os bancos e players tradicionais?

Primeiro: nós somos uma empresa de tecnologia. Desde o dia um, focamos na criação de software para resolver os problemas financeiros do consumidor.

Segundo: existe a questão de foco. Se você tem dezenas de produtos mais rentáveis com o que trabalhar, a complexidade de nosso produto e a baixa margem nunca permitem que os desenvolvimentos necessários sejam feitos nas grandes instituições.

Terceiro: nós não temos uma preocupação pela rentabilidade de nossos clientes no curto prazo, nós queremos ser a empresa líder de crédito no brasil daqui a 10 anos, não agora. E isso nos permite renunciar a rentabilidade no curto prazo para criar a melhor solução para o cliente.

Por último e também relacionado com tecnologia: nós nascemos digitais, criando operações remotas que não estão confinadas em uma agência. Isso reduz o custo de nossas transações.

O mercado vai se tornar cada vez mais competitivo para nós. Sabíamos disso desde o princípio, e nosso desafio sempre foi em como podemos entregar o melhor produto sem ter o custo de funding baixo as grandes instituições têm. Do nosso lado, acreditamos que o funding vai ser cada vez mais comoditizado, e o diferencial estará na capacidade de operacionalizar o melhor crédito do Brasil.

No mindset de startups exponenciais, a gestão de caixa é completamente diferente de um pequeno negócio familiar, principalmente nos primeiros ciclos de crescimento. Como é essa lógica de queima de caixa na busca por aquisição de novos clientes e melhoria de produto e qual o risco de morrer na praia?

O primeiro desafio é encontrar o product-market fit e provar o modelo de negócio. Superada essa fase, o objetivo é crescer o mais rápido possível para capturar clientes, aprender sobre o produto e estabelecer vantagens competitivas. A luta tradicional entre incumbentes e challengers está em quem vai ser mais rápido: o incumbente em inovar ou o challenger em ganhar escala. O challenger sempre inova mais rápido, mas o banco sempre tem escala que criam uma barreira competitiva muito difícil de quebrar.

Mas é necessário distinguir entre queima de caixa e saúde do negócio. Se você pensar na natureza de nosso negócio, você vai entender que para originar um crédito de qualidade altamente complexo, você precisa ter uma despesa elevada. Mais uma vez o crédito está originado. Se o crédito tem boa qualidade, você gera uma boa  margem na operação com bom retorno ao capital. O ponto importante sempre é poder prever o retorno desse investimento que está sendo feito, e evitar queimar caixa sem ter claro o motivo.

Teu jogo é de busca permanente pela escala. Quais os fatores essenciais para encontrar esse caminho?

O primeiro e product-market fit, se o cliente não quer seu produto, não faz sentido buscar escala. Com isso em mente, você precisa encontrar um jeito de operacionalizar seu produto sem que a empresa entre em colapso. Pensa que nosso produto não é facilmente automatizável, e se você não analisar bem a operação, você pode ter perdas astronômicas. Portanto, nós somos muito cuidadosos na concessão do crédito por ter natureza de longo prazo. Em terceiro lugar, você precisa achar os canais certos, aqueles que te permitem encontrar seus clientes e originar operações saudáveis para todas as partes. Por último, você precisa se inserir bem na cadeia de valor do cliente: qual é o problema que realmente estou resolvendo? Nós não acreditamos que o banco do futuro vai ser igual ao banco do passado só que com um site ou um aplicativo. Os clientes demandam mais e a tecnologia possibilita coisas que antes não eram possíveis.

A distribuição é um fator chave para o sucesso de qualquer fintech. Como ser mais eficiente que os bancos que já contam com uma base de clientes?

Se soubesse a resposta a essa pergunta provavelmente estaria descansado tombado na praia. Os bancos criaram um diferencial incrível via =modelo de agências que criou uma massa de clientes difícil de replicar. É muito difícil quebrar essa relação, é só um produto incrível é capaz de fazer isso. Pensem em Amazon que conseguiu quebrar verticais completas e sair mais eficiente que os incumbente. Foi por entravar um produto que era dez vezes melhor que qualquer concorrente.

Quando pensamos em nossos produtos, como empresas financeiras, temos a tendência a pensar em pagamentos, depósitos, crédito. Mas os clientes não estão pensando mais dessa forma. Eles querem a solução a um problema: estudar, viajar, reformar a casa, comprar o carro. Acreditamos que resolvendo o problema completo do cliente vamos conseguir superar os incumbentes, como a Amazon conseguiu. A Amazon tem o poder de saber o que você quer, até antes de você mesmo, te entrega em casa, quase sem saber como pagou nem se precisava de parcelar ou não. As fintechs precisamos ser mais agressivas e resolver o problema completo do cliente.

Excesso de liquidez, valuations nas alturas, vários novos entrantes. Você tem a sensação de que estamos vivendo uma nova bolha quando olha para o mercado brasileiro e americano?

No mercado brasileiro, acredito que estamos apenas no início do desenvolvimento do ecossistema de startups. Quando comecei, em 2012, não havia quase nada. E hoje vivemos um momento incrível, com o surgimento de empresas em todos os níveis, desde o crescente número de novas fintechs atacando diversos tipos de oportunidades até o nascimento dos primeiros unicórnios. Isso se deve a uma série de fatores – o tamanho das oportunidades disponíveis no mercado, o crescimento do número de empreendedores (tanto de primeira viagem como seriais), o amadurecimento do ecossistema, com hubs, aceleradoras, investidores de todos os níveis (de anjo a late stage), provedores de serviços sob demanda, e muita evolução tecnológica.

O mercado sempre falou que as valuations são altas. Faz alguns anos, um seed-round com valuation de R$10 milhões parecia estar totalmente fora de mercado, mas quando você enxerga a capacidade de crescer empresas nesse estágio, você vê que essas empresas em menos de um ano podem passar a valer bilhões de reais. Sempre há pontos fora da curva que vão gerar ruído no mercado. Acho que é importante que os investidores adaptem suas expectativas de retorno a uma nova realidade, e entendam que as chances de escalar empresas agora são muito maiores que antes. O importante é ter claro qual é o caminho das empresas para escalar, e permitir que toda a cadeia de empreendedores e investidores se beneficiem da criação de valor.

Pensando em excesso de liquidez, acho que ele afeta muito mais a renda fixa do que a investimento em startups. Startups são um asset class muito novo, que partia de zero. Ele vai ser sempre uma fatia muito pequena da liquidez existente no mercado, onde, sim, podemos ter um reflexo dessa liquidez e na baixíssima rentabilidade da renda fixa de longo prazo, que poderia não estar considerando os riscos que o longo prazo naturalmente traz.

Qual seu maior desafio para o crescimento da empresa hoje?

Uma das grandes vantagens da América Latina e do Brasil era que tínhamos muito menos acesso a capital e a talentos com experiência prévia, mas tínhamos também muita pouca concorrência. Agora, temos cada vez mais startups percorrendo esse caminho, mostrando alternativas inovadoras, e o regulador também deixou esse caminho trilhado. Agora, você tem muita mais visibilidade sobre seu futuro e também a certeza de que vai ter muita gente inovando, tanto incumbentes quanto novos entrantes. O mundo vai virar cada vez mais complexo. No passado, sempre tivemos a sensação que estar extremamente focados nos permitiria ser dez vezes melhor que os incumbentes. Mas a tecnologia está permitindo rapidamente resolver problemas complexos, e já não dá para pensar que você está criando barreiras impossíveis de quebrar. Nosso maior desafio hoje é manter o foco em resolver problemas extremamente complexos, mas ao mesmo tempo pensar além da solução ao problema e criar os novos modelos de negócio que vão ser essenciais na sustentabilidade da vantagem competitiva no longo prazo. Se focamos só em resolver os problemas que temos hoje na mesa e não pensamos no que vai acontecer daqui a dois anos, vamos desaparecer.

Num cenário onde todo mundo quer ser banco, o que será o banco do futuro?

Curioso que hoje todo mundo quer ser banco, menos os bancos. Eles sempre colocam preocupação sobre os requerimentos de capital, regulamentação, etc. Mas acho que a conversa é muito mais complexa do que ter ou não licença de banco. Para nós, a licença de Instituição Financeira é uma forma de ser mais eficiente e de entregar um produto mais barato para nossos clientes. Desde o ponto de vista regulatório, o banco vai continuar existindo de um jeito muito similar ao que existe hoje, com regras, requerimentos de capital, etc.

Mas o banco do futuro não vai ser o banco do passado só que digital. Na nossa perspectiva, o banco do futuro vai ser menos ‘banco’ e mais solucionador de problemas para o cliente. Não adianta focar em entregar um bom crédito para que o cliente compre um mau produto. O produto bancário vai estar no futuro tão misturado com a entrega de bens e serviços (digitais ou não digitais) que não faz sentido criar um banco e não se preocupar por esses bens e serviços que estão sendo entregues. Imagine que você entrega um produto financeiro incrível que viabiliza a compra de um produto ou serviço nefasto. O cliente não vai ficar feliz. Precisamos focar no problema completo e não apenas no problema financeiro

*Renato Mendes é sócio da Organica (www.organica.digital), professor de marketing digital do Insper, mentor Scale Up da Endeavor Brasil e autor de “Mude ou Morra. Já empreendeu, ocupou posições de liderança em startups, foi advisor de fundo de venture capital, mentor e investidor dessas estrelas da nova economia.

FONTE: STARTSE