Inteligência artificial vive ‘momento iPhone’, mas frustração é inevitável

A IA generativa provavelmente sofrerá com os mesmos problemas do metaverso e blockchain; como toda nova tecnologia disruptiva, a expectativa sempre é maior do que a realidade de seus ganhos iniciais.

 Pichai, do Google, e Zuckerberg, da Meta: metaverso em segundo plano e novo foco em IA generativa Geert Vanden Wijngaert/Bloomberg e AP Photo/Nick Wass

Dificilmente você encontrará uma liderança que não esteja preocupada com o impacto da inteligência artificial (IA) em seus negócios e nas potenciais oportunidades da tecnologia que promete otimizar até mesmo as tarefas intelectuais.

No passado, o iPhone iniciou uma revolução ao levar os computadores para nossos bolsos e adicionar câmera, tela, acesso rápido à internet e geolocalização em um único dispositivo. Isso permitiu o nascimento do Uber, do Tinder, apps de entrega e uma infinidade de novos serviços.

O iPhone democratizou a computação móvel para todos. O ChatGPT possibilita o acesso a ferramentas e algoritmos de IA que antes eram acessíveis apenas a especialistas. O ChatGPT é o primeiro supercomputador da história que qualquer pessoa pode usar. Ou seja, a IA foi democratizada, criando um novo “momento iPhone”

A velocidade com que as IAs generativas vêm sendo adotadas mostra isso. O ChatGPT foi a plataforma que mais rápido atingiu 100 milhões de usuários na história, apenas 2 meses. Em comparação, o TikTok levou nove meses e o Instagram mais de dois anos para alcançar este número.

IA vai gerar frustração, a exemplo do metaverso

Mas se a inteligência artificial generativa popularizada pelo ChatGPT e rapidamente “copiada” por players como o Google é tão poderosa, por que ela irá gerar frustração? Basicamente, porque a IA generativa irá enfrentar as mesmas barreiras que se colocam diante do metaverso, tecnologias de blockchain e toda inovação disruptiva ao longo da história.

Não faz muito tempo, todas as gigantes de tecnologia anunciaram investimentos bilionários em iniciativas no metaverso e blockchain. Hoje, esses esforços foram extintos ou radicalmente reduzidos.

Pior, essas inovações parecem ter contribuído pouco ou nada para o aumento da produtividade. Não surpreende. Em 1987, o economista Robert Solow batizou o fenômeno de “paradoxo da produtividade”. Na década de 1980, quando a economia crescia no ritmo mais lento em décadas – mais lento até do que durante a Grande Depressão – a tecnologia parecia estar presente em todos os lugares com a computação, mas a produtividade estava quase estagnada.

Existem várias hipóteses para explicar o fenômeno. Computadores podem ser menos impactantes na produtividade do que invenções como a máquina a vapor; as estatísticas talvez sejam inadequadas para captar os novos ganhos de produtividade; ou ainda, os ganhos estariam concentrados em um pequeno grupo de empresas (as big techs).

Mudança de mentalidade

Porém, a hipótese mais aceita é de que novas tecnologias disruptivas, justamente por serem disruptivas, precisam de tempo para amadurecer. E a adoção da eletricidade talvez seja o melhor exemplo disso.

Em 1881, Thomas Edison construiu estações geradoras de eletricidade em Manhattan e Londres e vendia a eletricidade como uma commodity. Um ano depois, os primeiros motores elétricos já alimentavam fábricas. No entanto, em 1900, menos de 5% da força motriz mecânica nas fábricas americanas vinha de motores elétricos. A era do vapor perdurava.

As fábricas, pensadas para operar com vapor, tinham toda sua lógica e arquitetura criadas para operar baseados em uma gigantesca máquina que movia um único eixo para movimentar toda a fábrica.

Adaptar as fábricas para a eletricidade implicava altos investimentos. Muitas vezes os empresários ficavam desapontados com a economia. Até cerca de 1910, muitos avaliavam o novo sistema elétrico e optavam pelo conhecido vapor.

Uma nova geração até adoção ser completa

Pequenos motores a vapor eram ineficientes, mas pequenos motores elétricos funcionavam muito bem. Com a eletricidade uma fábrica poderia conter vários motores menores, cada um acionando um pequeno eixo de transmissão.

Isso era muito eficiente, mas foi preciso que uma geração de engenheiros acostumados ao vapor se aposentasse, dando lugar a jovens que aprenderam a projetar pensando em máquinas elétricas, e novas fábricas surgissem do zero para que a nova tecnologia fosse amplamente adotada.

Como no caso da eletricidade e do iPhone, a inteligência artificial, metaverso e blockchain precisarão de anos para amadurecer. Em seu lançamento o iPhone foi alvo de piadas de executivos da Nokia e BlackBerry, que apontavam corretamente o fato do concorrente ser inferior em diversos aspectos. Mas é um erro avaliar a tecnologia por sua performance inicial e não por seu potencial.

Como a Nokia e a BlackBerry descobriram, ficar parado e ridicularizar o novo cria um grande risco de se tornar irrelevante. As máquinas a vapor nos deram superpoderes físicos. A IA generativa nos dará superpoderes cognitivos. Mas precisaremos de paciência até ver os resultados disso nos índices de produtividade.

FONTE: https://valor.globo.com/opiniao/guilherme-ravache/coluna/inteligencia-artificial-vive-momento-iphone-mas-frustracao-e-inevitavel.ghtml