Energia limpa à vista: Brasil planeja transformar marés em eletricidade

Grupo propõe mapear costa a partir deste ano e deve concluir trabalho em até cinco anos

Quando falamos de geração de energia elétrica limpa e renovável, logo pensamos em dois casos específicos: a eólica e a solar. Isso porque transformar o vento em energia elétrica usando turbinas (que lembram cata-ventos gigantes) e o uso de células para a conversão de raios solares são tecnologias que já encontram-se em uso prático há algum tempo. Procurada por Tilt, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a geração de energia elétrica por meio de parques eólicos e solares corresponde a 9,09% e 1,27% da matriz energética brasileira, respectivamente. Ao todo, são 615 usinas eólicas e 2.474 solares em atividade no país —e 56 novas usinas eólicas e 30 solares estão em construção.

É um estágio de utilização bastante diferente do visto em relação a uma outra tecnologia de geração de energia elétrica renovável: a que utiliza a força das marés. Presente em países como Reino Unido e Canadá, esse método consiste em usar o “vai e vem” das marés para movimentar turbinas e, com isso, gerar eletricidade. É um processo similar ao usado em parques eólicos, com uma vantagem: por ser mais densa, a água exerce uma força maior sobre as turbinas e, consequentemente, gera mais energia.

“Essa é mais uma das possibilidades de se extrair energia renovável do oceano. É possível usar o movimento das ondas, do vento sobre o mar, a variação de temperatura e também da salinidade”, explica Gustavo Assi, professor do Departamento de Engenharia Naval da Escola Politécnica da USP.

Onde instalar?

Assi estuda o tema desde 2013 e reuniu um grupo de cerca de 40 pesquisadores, da Poli e do Instituto Oceanográfico da USP, com o intuito de alavancar um projeto sobre o assunto que visa a mapear a costa brasileira para saber os melhores lugares para instalações do tipo. Localizar pontos da costa brasileira que permitam a instalação de turbinas do tipo é um dos principais desafios, considerando que falamos de 9.200 km de extensão, distância que leva em conta as saliências e reentrâncias do litoral.

A análise precisa ser criteriosa por um motivo em especial: acidentes geográficos, com canais entre continente e ilhas, tendem a ser pontos perfeitos para a instalação de uma fazenda de geração de energia de marés. “A ideia é encontrar lugares onde haja uma variação boa de marés, como na costa norte do Brasil, onde o mar varia de cinco a oito metros de altura entre a maré baixa e a alta. Soma-se isso com um acidente geográfico favorável e temos uma situação interessante”, diz Assi.

Esse levantamento conta com a ajuda de mapas de entidades como a Marinha do Brasil e a Capitania dos Portos. Mas precisa de ajustes, já que nesse caso, o principal interesse não é determinar rotas de navegação, e sim um levantamento do potencial energético da costa. “A ideia é identificar pontos com grande potencial e depois fazer uma análise mais direcionada. Para isso, usaremos modelos computacionais”, diz o professor, ressaltando que outros fatores precisam ser levados em conta.

Um deles é a presença de sedimentos na água, que tendem a diminuir a durabilidade dos equipamentos —e, por tabela, encarecer a sua operação. Além disso, cada local escolhido demanda um posicionamento específico de cada turbina para que elas não atrapalhem o funcionamento umas das outras. E, ainda que em menor escala, também é preciso analisar o impacto ambiental, uma vez que essas turbinas em movimento podem causar alterações no leito submarino e prejudicar a reprodução de peixes.

O grupo de Assi pretende propor esse mapeamento no segundo semestre deste ano, para que ele seja iniciado na segunda metade do próximo ano. A expectativa é que ele leve de quatro a cinco anos para ser concluído. O professor afirma que não é possível estimar em quanto tempo o Brasil passaria a produzir energia elétrica a partir dessas turbinas, mas, ainda assim, se vê otimista.

“Construir e instalar uma fazenda é algo que depende de legislação e demanda, mas é preciso considerar que não estamos lidando com uma tecnologia nova. Afinal, turbinas existem há muito tempo. Outro ponto positivo é que o Brasil domina a tecnologia de instalações oceânicas”, diz, citando casos como as plataformas de extração de petróleo e gás da Petrobras, uma das referências mundiais nessa área. Uma vez que a pesquisa for adiante, será o primeiro movimento concreto do tipo na América Latina.

FONTE: UOL