Ele criou uma startup que usa IA, machine learning e big data para prever eventos extremos e ajudar a enfrentar a crise climática

Himanshu Gupta, fundador da ClimateAi, quer criar uma espécie de “economia à prova de mudanças climáticas”, além de garantir a segurança alimentar do planeta e preservar a sua biodiversidade.

Himanshu Gupta — Foto: Ilustração: Zé Otávio

Nenhum problema é hoje mais grave ou urgente do que a crise climática. Por isso, além de tentar reduzir o volume de emissões dos gases de efeito estufa, empresas, governos e organizações deveriam criar planos de resiliência climática: medidas preventivas que os ajudassem a enfrentar os eventos que ainda estão por vir, como ondas extremas de calor e frio, secas, enchentes, ciclones, furacões e tsunamis. É nisso que acredita Himanshu Gupta, que fundou a ClimateAi em São Francisco, ao lado de Maximilian Evans, com quem havia estudado na universidade de Stanford.

O objetivo da startup é criar uma espécie de “economia à prova de mudanças climáticas”. Para alcançar essa meta, lançaram a ClimateLens. A plataforma, eleita uma das invenções do ano de 2022 pela revista Time, combina inteligência artificial, machine learning, big data e deep learning para entregar insights e recomendações práticas aos agricultores, às empresas e ao poder público. Hoje, a ClimateAi tem como clientes 45 empresas – entre elas, três gigantes da alimentação dos Estados Unidos: McCain Foods (receita anual de US$ 11 bilhões), Dole (US$ 6,5 bilhões) e The Wonderful Company (US$ 4 bilhões). Mas o objetivo maior de Gupta – que, entre 2013 e 2014, foi o responsável por elaborar o plano de redução de emissões de carbono do governo da Índia – é ajudar a garantir a segurança alimentar do planeta, além de preservar a sua biodiversidade. Ele contou como quer fazer isso a Época NEGÓCIOS.

ÉPOCA NEGÓCIOS Por que decidiu criar uma empresa voltada para a resiliência climática?
Himanshu Gupta
 Veja bem, eu cresci numa cidade muito pequena no norte da Índia, em uma região de agricultores que dependiam muito das chuvas de monções. Elas começavam em junho e continuavam até setembro. Todos os anos, se houvesse um atraso ou uma variação no volume das chuvas, as torneiras secavam. Lembro-me de fazer uma viagem com minha mãe e três de meus irmãos, num calor de 42 ou 43 graus, para buscar água num rio próximo. Foi um chamado pessoal: eu precisava mudar aquela situação.

Mais tarde, voltei a me deparar com uma situação semelhante quando trabalhei para o governo da Índia. Todos os anos, os produtores de algodão no oeste do país eram afetados pela seca e ficavam arruinados. Naquela época, em 2014, empresas de moda como H&M e Levi’s se aproximaram do governo para buscar uma solução que melhorasse a resiliência dos produtores de algodão. Percebi que, em pouco tempo, todas as companhias iriam ter o mesmo problema: como criar cadeias de suprimentos sem ter informações precisas sobre as variações do clima? Foi aí que começou a nascer a ideia da ClimateAi.

NEGÓCIOS Como funciona a tecnologia?
Gupta
 Criamos uma plataforma, a ClimateLens, que combina inteligência artificial, machine learning, deep learning e big data para entregar insights e recomendações práticas aos clientes, que podem assim adaptar suas operações e esquemas de prevenção (no caso dos governos), reduzir o risco climático para suas colheitas (no caso dos agricultores) ou cadeias de suprimentos (para os outros setores).

NEGÓCIOS Qual o diferencial em relação a outras empresas ou organizações que já fazem previsões climáticas?
Gupta
 Uma simples previsão do tempo feita por um aplicativo geralmente se estende por até duas semanas. Mas nós vamos muito além disso. Porque, se você é empresário, governante ou agricultor, é claro que vai precisar de muito mais antecedência para tomar decisões. É aí que reside a nossa singularidade: fornecer dados para tomadas de decisão em um prazo de duas semanas até 40 anos.

Um dos recursos que usamos para isso são os dados sintéticos. Veja bem, os furacões e as tempestades tropicais são um grande problema em nível mundial, mas não há muitos registros públicos disponíveis, mesmo nos Estados Unidos. Você pode criar conjuntos de dados artificiais, como gerar um furacão sintético e ver para onde ele viaja e quais cidades ele impacta. Depois, adicionamos esse conjunto de dados sintéticos aos dados reais para enriquecê-los. E alimentamos nossos modelos para prever qual cidade estará sob maior risco nos próximos três meses ou nos próximos 20, 30 anos.

NEGÓCIOS Seu trabalho envolve convencer empresas e autoridades de que precisam desenvolver essa resiliência. Como são essas conversas?
Gupta
 Não falamos com eles sobre ESG ou crise climática, nada disso. Para as empresas, nosso argumento é muito simples. Daqui para a frente, as mudanças climáticas serão a principal razão para a disrupção dos mercados. A resiliência e a capacidade de adaptação vão separar os vencedores dos perdedores no mundo industrial. Veja bem, a única linguagem que as empresas entendem é a linguagem do retorno sobre o investimento. Citamos para elas uma pesquisa da Comissão Global para a Adaptação da ONU, que é o maior órgão mundial sobre o tema. A pesquisa diz que cada dólar investido em adaptação e resiliência traz um retorno de cinco a seis vezes sobre o investimento. No caso dos governos, além de apontar o retorno do investimento para as empresas da região, também falamos em geração de empregos e renda. Além disso, há um ganho enorme em conseguir prever com antecedência eventos extremos como furacões, tsunamis e ondas de calor. Pode ser a diferença entre evitar ou não uma catástrofe.

NEGÓCIOS Pode dar um exemplo prático desse uso da IA?
Gupta
 Digamos que uma empresa de alimentação queira lançar um tipo de soja resistente à seca no Brasil. Normalmente, ela precisaria realizar muitos testes, o que tomaria de três a quatro anos, e custaria muito dinheiro. Agora é possível fazer isso com dados sintéticos, simulando digitalmente o desempenho de novas variedades. E lançar as sementes resistentes antes dos concorrentes, o que torna a empresa mais competitiva.

NEGÓCIOS Parece ótimo para os negócios, mas como isso ajuda o planeta?
Gupta
 Veja, existem múltiplas dimensões para as mudanças climáticas e o modo como elas estão impactando o planeta. Vamos falar sobre os sistemas alimentares, por exemplo. Basicamente, sabemos que as indústrias da agricultura e da alimentação são as mais vulneráveis ao clima, mas também a tábua de salvação da economia mundial. Podemos viver sem roupas novas, sem tecnologia, sem internet, mas não sem comida. A procura por alimentos está aumentando, mas a oferta está diminuindo. O problema é que cada vez mais agricultores abandonam o negócio, porque não é mais rentável. Se pudermos ajudar as empresas de sementes e as empresas alimentares a melhorarem a resiliência dos agricultores, isso vai ajudar o setor a se tornar mais eficiente e gerar menos emissões, além de garantir a segurança alimentar.

A tecnologia também pode ser usada para simular a biodiversidade de determinado local. Em vez de sair plantando eucaliptos, uma empresa que queira combater as mudanças climáticas pode simular o formato original daquele bioma e replicá-lo, para que remova carbono do ar. No futuro, quem sabe nós consigamos simular o desempenho de materiais como potenciais supercondutores? Se pudéssemos criar tecnologias de supercondutores em escala, poderíamos armazenar energia infinitamente. Imagine o ganho que isso traria ao meio ambiente.

FONTE:

https://epocanegocios.globo.com/um-so-planeta/noticia/2024/02/ele-criou-uma-startup-que-usa-ia-machine-learning-e-big-data-para-prever-eventos-extremos-e-ajudar-a-enfrentar-a-crise-climatica.ghtml