A brasileira que está à frente de startup global de roupas digitais

Adriana Hoppenbrouwer é co-fundadora brasileira da The Fabricant; empresa aposta no metaverso e quer ser um ecossistema de moda digital

Adriana Hoppenbrouwer é co-fundadora e CCO da startup Arquivo Pessoal/Divulgação

 

Foi recente o alvoroço com o lançamento da primeira plataforma de metaverso do Facebook (agora Meta). Em dezembro de 2021, a companhia lançava o Horizon Worlds, um game com avatares imersos no ambiente digital, em 3D, disponível para usuários iniciais nos Estados Unidos e Canadá. Contudo, não só a ideia sobre metaverso é bem anterior ao lançamento do game, como também o planejamento e até a estruturação de mercados possíveis nos ambientes imersivos. A startup The Fabricant, uma “fábrica de moda digital”, é um dos principais exemplos de indústrias pensadas para o metaverso, e estruturadas bem antes do boom da palavra ou novo conceito. O espaço da empresa no mercado está sendo firmado desde 2018, iniciado na Holanda e tendo a brasileira Adriana Hoppenbrouwer como co-fundadora e atual diretora comercial.

Ao lado de Kerry Murphy (CEO), e de Amber Slooten (diretora criativa), a carioca de 48 anos aposta no metaverso como meio social, atingindo a grande massa “dentro de três a cinco anos”. A rodada da série A de investimentos (segunda etapa do financiamento de startups) da The Fabricant atingiu 14 milhões de dólares e a “fábrica” conta com aproximadamente 1.500 co-criadores focados no desenvolvimento de roupas e acessórios de moda digital. A busca é pela construção de um novo ecossistema para a moda, de caráter inovador em relação à indústria tradicional.

Antes de co-fundar a startup, Hoppenbrouwer passou mais de 20 anos em cargos executivos nas empresas Orange Mobile, Nike, Hunkemöller e Hema. A (agora) empreendedora saiu do Brasil com 26 anos para fazer MBA no Reino Unido e posteriormente ter residência fixa na Holanda. O percurso acadêmico e a trajetória no mercado internacional de moda, varejo e tecnologia, ajudaram para a invenção da The Fabricant, conforme afirma em entrevista a VEJA.

Durante duas décadas você esteve na área de varejo ou moda, em empresas de presença internacional. Qual foi a mudança para arriscar no empreendedorismo?

Depois desse tempo eu comecei a questionar o modelo de tratar os clientes como consumidores passivos, a cada ano tentar acrescentar mais consumo ao orçamento. Não era mais o que eu acreditava pessoalmente e profissionalmente. Desejava um novo modelo, com impacto social e com base tecnológica; um sistema em que as pessoas são parte da sua marca, cresçam juntas, não sejam simplesmente exploradas. Eu resolvi sair da área corporativa e sair desse modelo de negócio. Foi o tempo para explorar outras iniciativas. Eu não sabia o que poderia ser, mas tinha em mente três pontos: impacto social, tecnologia de disrupção e a aspiração por um negócio próprio. Eu nunca tinha sido empreendedora e experimentei algo fascinante, excitante e assustador.

O que você entende como moda, seja no ambiente físico ou digital?

Nós “compramos roupas” para proteger o nosso corpo físico de elementos climáticos. Mas moda não é sobre isso. A moda é sobre criar a nossa identidade. Eu me visto de uma maneira para que os outros me identifiquem. É sobre criar o seu acessório, para a sua identidade, e de acordo com o evento ou as pessoas as quais você quer causar boa impressão. E por que impressionar? Porque você quer criar comunidades e vínculos sociais.

Todo negócio tem como foco a resolução de um problema. Mesmo o entretenimento, os serviços de filmes e séries, por exemplo, há uma dor, como se diz no jargão corporativo. Conter a apatia e o tédio da forma mais acessível possível. Ou até instruir culturalmente. Qual a dor de vocês?

São dois lados. Além da indústria de moda ser altamente poluidora, é uma indústria pouquíssimo sustentável, não só por uma questão de ecossistema, mas por uma questão de modelo de negócio. Já a minha dor pessoal é que eu estabeleço as minhas ligações sociais por meio digitais. E eu não tenho meios de me expressar criativamente através da moda, porque a moda é física. Cerca de 10% ou 9% dos retornos de compra na web na Inglaterra eram de pessoas que compravam para tirar uma foto no Instagram, para depois devolver o produto. Essa estatística é de alguns anos atrás e atualmente deve ser maior. De todo modo, existem pessoas que querem explorar a identidade através da moda, cruzando muitos meios digitais. É sobre ter a possibilidade de uma moda mais rápida, disponível, e acessível em relação ao valor de compra.

The Frabricant entrou no mercado em 2018, já prevendo o boom do metaverso

The Frabricant entrou no mercado em 2018, já prevendo o boom do metaverso The Fabricant/Divulgação

Quando você fala de sustentabilidade, que é um conceito amplo, há referência à questão ambiental na Moda e a própria viabilidade do negócio, a sua sustentação em longo prazo. Por que o negócio de você, em contrapartida, é sustentável?

Estamos criando um modelo de negócio para os próximos 100 anos. Estamos criando uma empresa com uma tese atual, atingindo o mercado de massa dentro de três a cinco anos. Qual a nossa tese? O que já acontece para todos os early adopters (primeiros usuários) de blockchain. Há pessoas que estão se encontrando, integrando, tendo ligações sociais no mundo imersivo e 3D. Quando falamos de Web Free – a próxima geração da internet – há duas situações fundamentais. Uma é o blockchain, tecnologia de base para, por exemplo, criar a possibilidade de remuneração para os criadores de conteúdo; se hoje uma foto minha em um restaurante é fonte de receita para o Instagram (que usa a foto para promover o estabelecimento), com a base do blockchain, o Instagram vai precisar me pagar pela foto, de acordo com meu contrato estabelecido. O segundo ponto é a grande diferença da Web 2 para a Web 3, a tal Web Free; vamos sair de uma interação 2D, de fotos, vídeos e texto, para uma interação imersiva, como encontros em espaços virtuais, em 3D. Vamos precisar adotar um avatar. Pode ser um animal, pode ser uma pessoa, não interessa a forma. E, no momento em que há encontro no espaço virtual, como acontece com o espaço real, eu vou querer me vestir para encontrar com você.

Qual a principal diferença do negócio da indústria digital de moda digital para movimentos já conhecidos, como os “skins”, de vestimenta de avatares de video games?

O videogame é um metaverso. A diferença é que os games de hoje são circuitos fechados. O que é comprado dentro dos games – se você parar de jogar – você perde e não há utilidade. Já no contexto de blockchain isso não vai acontecer. O que você compra é seu, você tem a propriedade daquilo. Por isso, existe toda uma movimentação da indústria de games entrando no blockchain. Nós, da The Fabricant, temos a construção de um modelo direto ao consumidor. As pessoas poderão comprar ou criar roupas para o seu avatar e ter um armário digital maior que o armário físico, porque haverá mais encontros no ambiente imersivo. Você pode explorar a sua identidade, sem barreiras. Eu posso ser um homem ou um dragão. Eu posso ser o que eu quiser e cada avatar que eu colecionar vai ter um armário próprio.

Para além da perspectiva futura, qual atual espaço de mercado da indústria da moda digital. Já é possível, por exemplo, falar em lucro? Estão na fase de investimento no lema de investir para lucrar depois?

Estamos na fase de investimento. Acreditamos no mercado e acreditamos no amadurecimento desse mercado. Agora existem modelos que já estão fazendo lucro, os modelos baseados em escassez, baseada em NFTs (ativos não fungíveis, baseados em blockchain). Há exemplos de marcas físicas atuando no setor, como Dolce & Gabbana e Adidas, ou marcas que nasceram no mundo digital, como a RTFKT, vendida para a Nike. A nossa diferença é que não estamos montando uma marca e sim um ecossistema para a moda. Reinventando a indústria de moda no mundo digital, uma plataforma em que qualquer pessoa pode criar a sua marca. E isso requer investimentos. Na nossa plataforma de criação, estamos em um modelo de entrada apenas por convite; estamos juntos com artistas, criadores e designers. Nós somos a fábrica de moda digital deles. A perspectiva é abranger cada vez mais. Você virá ao The Fabricant Studio, como profissional, e terá acesso ao marketing, a distribuição do metaverso, à comunidade, e ao marketplace. Você pode co-criar com seus fãs, na sua loja virtual, no seu fast fashion virtual. Então todo esse ecossistema está sendo montado para criadores poderem utilizá-lo.

Você é uma das poucas brasileiras empreendedoras na liderança desse novo modelo industrial, no campo da moda. Isso traz uma responsabilidade maior?

Eu me sinto muito privilegiada de estar nesse mundo, em uma indústria de ponta. Eu acredito muito na possibilidade de Web Free para reorganizar a distribuição monetária no mundo. É uma tecnologia que auxilia vários criadores – independentemente do seu background – a ter acesso a um público. Uma paixão enorme minha é como nós podemos trazer essa tecnologia para países como o Brasil, como nós podemos criar mais produtos e projetos baseados em Web Free. O Brasil pode ter um momento de liderança tecnológica, educando as pessoas sobre essa nova revolução e fomentando mais o modelo de startup. Outro ponto é a diversidade. A Web Free ainda é um espaço muito masculino, mais de 70% das pessoas envolvidas são homens. Uma das minhas bandeiras é trazer mais mulheres para o setor, na mesma linha da criação de uma nova distribuição de meios financeiros, de uma maneira mais equilibrada de vendas.

FONTE: https://veja.abril.com.br/economia/a-brasileira-que-esta-a-frente-da-startup-global-de-roupas-digitais/