Barcos-robôs que formam pontes temporárias serão testados na Holanda

Barcos autônomos podem se encaixar, no meio da água, e dar forma a construções diversificadas. Desenvolvedores das peças inteligentes apostam na criação de passagens provisórias para o transporte de pessoas e mercadorias

Tecnologias como a dos carros autônomos dão a ideia de como projetos e serviços do tipo poderão ser utilizados para facilitar o nosso dia a dia. Expandindo esse conceito, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, trabalham com a possibilidade de criar barcos robóticos capazes de, sozinhos, se encaixarem para dar forma a estruturas diversas. A mais cogitada são pontes para o tráfego temporário de veículos e pessoas.

O barco autônomo faz parte do projeto Roboats (junção das palavras robô e barco, em inglês), fruto de uma parceria da equipe estadunidense com estudiosos do Amsterdam Institute for Advanced Metropolitan Solutions (AMS Institute). O grupo tinha como propósito inicial sugerir novos meios sustentáveis de transporte de pessoas em Amsterdam. Mas o trabalho apresentado no IEE Simpósio Internacional de Multi-Robótica e Sistemas Multi-Agentes, no fim de agosto, poderá facilitar as tarefas cotidianas também de outras formas.

“Permitimos que os roboats façam e quebrem conexões com outros roboats, com a esperança de levar as atividades nas ruas de Amsterdã para a água. Além disso, um conjunto de barcos pode se unir para formar estruturas lineares, como pontes pop-up, se precisarmos enviar materiais ou pessoas de um lado ao outro do canal. Ou podemos criar plataformas pop-up mais amplas para os mercados de flores ou alimentos”, detalha Daniela Rus, diretora do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial do MIT e uma das pesquisadoras responsáveis pela tecnologia.

Edson Roberto de Pieri, professor titular do Departamento de Automação e Sistemas e diretor do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que o termo pop-up faz analogia a uma experiência corriqueira durante a navegação pela internet. Ao clicar no link de uma página, o usuário é designado para outra página ou janela com função específica. “No caso do barco, com um comando, as estruturas menores que compõem o sistema se reconfiguram e formam uma nova, como se fosse uma janela de navegação. É um jogo de palavras para dizer que o barco se modifica em outro barco para continuar a navegação”, diz.

Algoritmo

Cada roboat é equipado com sensores, microcontroladores, módulos de GPS e outros equipamentos, conforme a função. Foi desenvolvido um método que permite rastrear a posição e a orientação dos robôs com mais rapidez e precisão. Trata-se de uma nova versão de algoritmo de controle preditivo de modelo não linear (NMPC, na sigla em inglês). Formatos antigos são usados para, em simulação, controlar barcos autônomos, mas não levam em consideração a dinâmica da embarcação.

O roboat, por sua vez, tem NMPC que considera parâmetros de melhor funcionamento, avaliando, por exemplo, aceleração ou desaceleração na água, além de um sistema de identificação que reconhece quaisquer parâmetros desconhecidos ao longo da navegação. Enquanto outras soluções são executadas em cerca de 100 milissegundos, o novo algoritmo leva menos de 1 milissegundo para fazer as análises.

Outro diferencial dos roboats é a característica de se unir e se separar, como peças de legos. Para isso, há dois tipos de unidade de robôs: as coordenadoras e as trabalhadoras. As primeiras são responsáveis por organizar e se comunicar com as trabalhadoras, além de coordená-las. Já as trabalhadoras obedecem às controladoras e as auxiliam para seguir o caminho predeterminado.

Para esse sistema funcionar, uma ou mais trabalhadoras se conectam a uma unidade coordenadora, formando uma única entidade, chamada pelos pesquisadores de plataforma de embarcação conectada (CPV, na sigla em inglês). Essas plataformas também podem se encaixar em outras, o que permite a formação de estruturas grandes, como as pontes.

Durante a mudança de forma, todas as CPVs, conectadas em uma estrutura, comparam as diferenças geométricas entre a forma atual e a futura. Então, cada uma delas, usando os algoritmos, determina se deve permanecer no local ou se mover. O NMPC também define o tempo para se desconectar e se realocar em outra posição na nova forma e a velocidade dessas etapas. Cada CPV usa uma técnica personalizada de planejamento de trajetória para chegar à posição destinada sem interrupção, enquanto otimiza a rota para obter velocidade. Para fazer isso, precomputa todas as regiões livres de colisão ao seu redor.

Planos de estreia na Holanda

Para comprovar a funcionalidade dos barcos autônomos, os criadores usaram nove peças, que deram origem a três plataformas de embarcação conectada (CPVs). Cada CPV tinha um roboat coordenador e dois trabalhadores, que se encaixaram em diferentes formas. Dentro de uma piscina, as plataformas se rearranjaram de uma linha reta de peças conectadas nas laterais para uma linha reta de peças conectadas nas extremidades. Depois, formaram um L.

Segundo os criadores, as transformações experimentais levaram apenas alguns minutos para alterarem as formas. O experimento foi feito com roboats pequenos — 1 metro de comprimento e 0,5 metro de largura —, mas a equipe acredita ser possível repetir as performances com cascos retangulares de tamanho normal, que medem 4 metros de comprimento e 2 metros de largura.

A equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) planeja, inicialmente, usar os roboats para formar uma ponte dinâmica que leve, por um canal de 60 metros, ao NEMO Science Museum, no centro da cidade de Amsterdã. “Será a primeira ponte do mundo composta por uma frota de barcos autônomos. Uma ponte normal seria muito cara, porque há barcos passando. Então, você precisa ter uma ponte mecânica ou uma muito alta. Mas podemos conectar dois lados do canal usando barcos autônomos, que se tornam uma arquitetura dinâmica e responsiva”, frisa Carlo Ratti, um dos líderes do projeto.

Aida Alves, professora adjunta do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB), considera que as aplicações para o Brasil podem ser bem pequenas, em comparação com a capital holandesa. “Em termos de aplicabilidade, por exemplo, para os nossos rios, você teria problemas adicionais. Não seria tão fácil de desenvolver como lá porque, aqui, há corrente nos rios. O sistema teria que superá-las ou compensá-las”, explica. “Lá, é um canal com água parada, praticamente com água embaixo de uma cidade. É diferente de você tentar fazer a mesma coisa no Rio de Janeiro. Talvez, a gente conseguisse fazer com mais segurança para deslocamento de mercadorias, por exemplo, em um primeiro momento”, cogita.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE