4 vetores impulsionam a disrupção bancária

O debate sobre o futuro dos bancos vem se aquecendo.  Falamos muito em Fintechs, mas será que a ameaça aos bancos vem apenas destas novas empresas de tecnologia?

Indiscutivelmente que as Fintechs oferecem hoje uma experiência muito mais agradável aos clientes que os grandes bancos. Estes, apesar dos pesados investimentos em suas plataformas digitais, ainda estão perdendo a disputa pela experiência proporcionada aos clientes, como este teste efetuado pelo JP Morgan aqui no Brasil mostrou: “Fintechs se saem melhor que bancos em conta digital, diz J.P. Morgan”. Afinal, os bancões, como tem agências físicas, acabam deixando para elas o que não conseguem resolver no mundo digital.

Mas, apesar de proporcionarem esta experiência superior, será que as Fintechs atuais terão capacidade de substituir os grandes bancos? Vemos que as Fintechs da primeira geração não têm conseguido criar escala suficiente e acabam se concentrado em nichos específicos. Os grandes bancos, apesar de serem baseados em sistemas legados que os inibem de ter a agilidade e velocidade que as Fintechs oferecem, podem, com seus imensos investimentos, se atualizarem e inovarem, inclusive com parcerias ou aquisições destas empresas menores.  As Fintechs, indiscutivelmente que mudaram a base da competição dos serviços financeiros, mas não mudaram de forma concreta o cenário competitivo. Os grandes bancos continuam dominando o mercado. Na prática, as Fintechs da primeira geração provocaram mudanças incrementais no setor bancário. Um banco digital, apesar de ser muito mais ágil que os bancões, adota o mesmo modelo de negócios.

Mas, no horizonte começamos a visualizar outro cenário. A disrupção no setor bancário se dará pela convergência quase simultânea de quatro vetores, que são tecnologias como IA e Blockchain, base tecnológica da segunda geração de Fintechs, a entrada forte das BigTechs e as mudanças de postura dos agentes reguladores, como estamos vendo na Europa com adoção do Open Banking e aqui no Brasil com o Banco Central tendo uma postura mais voltada a incentivar a competição no setor.

Blockchain tem o potencial de diminuir a relevância dos bancos. O papel dos bancos em ser intermediário aumenta o custo das transações, pois eles cobram um preço considerável pelos serviços oferecidos, como nas transferências internacionais. Muitas vezes essa transferência, para chegar as pessoas em outros países com redes bancárias deficientes, leva muito tempo. Além disso, pelos altos custos dos serviços bancários, parcela significativa da população no planeta está fora da rede, descancarizada. Estima-se que 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a bancos. No Brasil cerca de 40% da população não tem conta bancária. A desintermediação reduz estes custos e permite acesso a transferências de dinheiro sem passar pelos bancos. Vale a pena ler o estudo

How Blockchain Could Disrupt Banking”.

A IA tem o poder de reduzir em muito a importância de vários serviços que são oferecidos pelos bancos. Vamos usar o exemplo dos bancos suecos. Lá os bancos estão tentando se defender dos robôs que atuam na consultoria de investimentos e gestão de patrimônio. Muitas startups, as FinTechs de segunda geração, começam a oferecer serviços de consultoria independentes sobre poupança geridos por seus robôs de IA , fundos e carteiras de investimentos personalizados. Na Suécia e em diversos países como no Brasil, os serviços de consultoria de investimentos e os private banks se tornaram fonte de receita de maior importância e perdê-las afetará o resultado dos bancos.

As FinTechs de segunda geração sairão do conceito de Mobile First, que já está comoditizado, e que foi típico das primeiras FinTechs, que se voltaram para facilitar a experiência do cliente, para serem AI First, onde a Inteligência Artificial será o cerne do negócio.

As BigTechs já vêm com escala e relacionamento com clientes, às vezes muito maiores que os dos próprios bancos. As grandes empresas de tecnologia, como Amazon, Alibaba, Facebook ou Tencent, têm conquistado uma parcela cada vez maior do tempo e da atenção dos consumidores. Essas BigTechs veem os pagamentos e serviços financeiros não como um fim em si, mas como um meio para aumentar ainda mais o relacionamento com seus clientes, aumentando sua monetização com seus serviços fins como publicidade, comércio eletrônico ou outras ofertas (como a AWS e AlibabaCloud, este atualmente concentrado na Ásia). Por isso, podem, por exemplo, nem cobrar tarifas de serviços, que hoje são forte fonte de receita dos bancos tradicionais.

Quando essas empresas entraram no setor pagamentos e finanças, principalmente nos mercados emergentes asiáticos, com a China sendo o maior exemplo, provocaram ondas de choque bem grandes. Estas empresas, além de serem nativas no mundo Internet, e, portanto, ágeis, sem os arrastos causados pelos sistemas legados, são naturalmente “AI First”, ou seja, IA é o core dos seus processos e sistemas. Um exemplo é o Google. O Google não usa IA para melhorar seu sistema de busca, mas usa seu sistema de busca para melhorar sua IA. No futuro será uma empresa de IA que atuará em diversos setores, sendo que a busca será apenas um deles. Vale a pena ler este interessante estudo “AI First: Learning from the machine.

A China é um planeta à parte. Aplicativos como o WeChat com seu um bilhão de usuários implementa uma carteira virtual que permite comprar passagens de avião, pagar aluguel, luz, gás e tudo o mais. Você usa o WeChat sem precisar acessar o aplicativo de bancos. Os chineses hoje tomam empréstimos, contratam seguros e investem em ações sem necessariamente usar o sistema financeiro ou o cartão de crédito. Este novo sistema financeiro digital, que cresce fora dos canais tradicionais tem sido um dos impulsionadores do crescimento econômico chinês. Para ter uma ideia do mercado, basta ver que dos 27 unicórnios de fntechs, nove estão na China. No Brasil, o governo aprovou nova regulação, com objetivo de incentivar o crescimento deste setor e aumentar a concorrência no setor bancário, para reduzir os juos ao consumidor.

O resultado chinês tem provocado alguns efeitos bastante positivos em democratizar o acesso ao crédito e incluir uma população antes desbancarizada em um sistema financeiro. As pequenas e médias empresas, que contribuem com cerca de 60% do PIB chinês e não costuma ter acesso fácil ao crédito, passaram a ser usuárias destas novas modalidades. Além disso obriga os bancos tradicionais a se reimaginarem. Na China existem cerca de 4 mil FinTechs, que estão tirando os bancos da sua zona de conforto. A entrada das gigantes de tecnologia chinesas tem impulsionado o mercado. Baidu, Alibaba e Tencent também investiram em novos bancos digitais que não precisam de agências físicas (como o WeBank da Tencent) e têm menos custos operacionais. A vantagem tecnológica destas empresas em relação aos bancos, como no intenso uso de computação em nuvem e IA, lhes proporciona condições de serem muito mais ágeis e em consequência oferecem experiências muito mais positivas que os bancos tradicionais.

A Índia é outro mercado em ascensão, diferente do chinês e usado como laboratório pelas BigTechs. Lá o Google criou o Tez, sua carteira virtual. Lançado em agosto de 2017, em dezembro do mesmo ano já tinha 12 milhões de clientes, o que mostra o poder de fogo das Bigtechs. As experiências chinesa e indiana poderão, no tempo, se alastrar para os demais países emergentes e chegar aqui nas nossas praias.

O papel cada vez mais atuante dos agentes regulares em incentivar a competição, como o Open Banking europeu, que deve influenciar outros países e mais cedo ou mais tarde chegará também aqui no Brasil, amplifica o poder das plataformas BigTechs. As plataformas que oferecem a capacidade de interagir com diferentes instituições bancárias através de um canal único, poderão se tornar o modelo dominante para a prestação de serviços financeiros, relegando os bancos que ficarem inertes a meros prestadores de serviços. Estes bancos serão como empresas que apenas provem infraestrutura de Internet, mas o valor agregado e as informações sobre os clientes (lembrem-se que dados são o novo petróleo) ficarão concentradas nas plataformas que operam em cima desta infraestrutura. Recomendo ler “Open Banking Will Change The Financial Services Industry Foreverpara uma melhor ideia do potencial disruptivo desta diretiva.

Com certeza vale a pena um maior aprofundamento sobre o futuro dos bancos. Interessa a todos nós, sejamos profissionais do setor ou não, pois os serviços bancários afetam toda a sociedade. Recomendo, portanto, a leitura de um excelente estudo do World Economic Forum, “Beyond Fintech: A Pragmatic Assessment Of Disruptive Potential In Financial Services”, que em suas quase 200 páginas mostra um possível cenário do futuro dos serviços financeiros. Fica claro que os bancos que não perceberem a mudança que está chegando rápido e ficarem esperando ver no que vai dar, terão sérios riscos de sobrevivência.

FONTE: CIO