Você tem projeto para a biologia sintética?

Quando alguém fala de biologia sintética (synthetic biology, ou SynBio), três coisas são lembradas primeiro: manipulação genética (CRISPR etc.), vacinas mRNA e carne cultivada em laboratório. Segue-se a discussão dos riscos e da ética de manipular a estrutura básica de um ser vivo (DNA) ou modificar minúsculos atores biológicos (proteínas e microrganismos) para fazer coisas diferentes do que foram programados.

Tudo isso é verdade, e está na mesa nesse momento para discussão. Mas o universo da SynBio é infinitamente maior, porque tem todos os componentes para virtualmente modificar qualquer segmento da economia. “O espectro é absolutamente surpreendente — na mineração, nos processos químicos e em todo tipo de processo no qual se pode reduzir o consumo de água”, diz François Candelon, partner do Boston Consulting Group e diretor global do Henderson Institute, o think tank do BCG.

Antes de avançar, uma explicação: A ideia fundamental por trás da biologia sintética é a de que qualquer sistema biológico é uma combinação de elementos funcionais individuais (peças). Esses elementos podem ser reprogramados e combinados em novas configurações para modificar as propriedades existentes ou criar novas, que vão desempenhar funções específicas e, em última instância, resolver problemas reais.

A SynBio combina princípios de genética, biologia molecular, bioquímica, computação e engenharia, para projetar e construir novos sistemas biológicos ou modificar sistemas biológicos existentes. Os biólogos sintéticos usam ferramentas de engenharia genética para manipular o DNA e criar novos circuitos genéticos para controlar o comportamento das células.

As aplicações são amplas, desde a criação de novos medicamentos e biocombustíveis, até o desenvolvimento de novos materiais e sensores. E potencial para revolucionar muitas áreas da indústria, medicina e agricultura nos próximos 10 anos, como mostra o gráfico do Henderson Institute.

No início deste ano, Candelon coordenou a produção de outro paper, mais amplo, com uma provocação: “What’s Your Synthetic Biology Strategy?” O ponto de partida é uma combinação das urgências que temos que resolver sobre crise climática e pegada de carbono e a revolução da bioeconomia: segundo o instituto, até 2030, aplicações de SynBio podem transformar indústrias que, combinadas, respondem por 1/3 do PIB mundial.
Na mesma pegada, o estudo “The Bio Revolution”, da McKinsey, mapeia 400 usos potenciais da SynBio que podem impactar quatro vertentes econômicas: saúde e performance humana; agricultura e alimentação; produtos de consumo e serviços; produção de materiais e de energia. Estamos falando de uma economia que girará US$ 3,6 trilhões por ano entre 2030 e 2040.

Há um ponto extremamente importante relacionado à SynBio: ela pode ajudar a eliminar de vez a presença de combustíveis fósseis da economia, e não estamos falando apenas de energia. Dois terços do nosso vestuário usam fibras sintéticas feitas a partir de petróleo, diz o Dr. Stephen Wallace, professor associado de biotecnologia na Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Edimburgo, nesse vídeo gravado em um TEDx sobre crise climática.

Wallace vai mais longe: 70% de todas as drogas farmacêuticas consumidas são atualmente produzidas com combustível fóssil. “Nossa sociedade é sedenta por combustíveis fósseis”, constata. Tem alternativa? Sim, usar a SynBio para reprogramar microorganismos para gerar as mesmas substâncias sem consumir petróleo ou gerar pegada de carbono.

“Esses organismos vivos são fábricas químicas fantásticas”, diz Wallace. Já usamos essas fábricas naturais há mais de 200 anos para fazer cerveja, shoyu ou queijo. Mas é possível ir muito além, reprogramando o metabolismo desses micróbios para produzir coisas diferentes, como o ácido adípico, matéria-prima usada na produção de náilon, explica Wallace.

O laboratório de biologia sintética gerenciado por Wallace já produziu extrato de baunilha a partir de garrafas pet. Parece bobagem, mas não é: em 2026 o mundo consumirá o equivalente a US$ 726 milhões em extrato de baunilha (mais de 18 milhões de tonelada métricas), e só 1% disso vem da fava natural da baunilha, o resto é produzido artificialmente, gerando CO₂.

Para tangibilizar a teoria:

Uma parceria entre a Bayer e a empresa de SynBio Ginkgo Bioworks, está desenvolvendo micróbios repositores de nitrogênio que substituirão os fertilizantes nitrogenados.

Em 2022, a Solvay, empresa de materiais, soluções e produtos químicos com sede na Bélgica, criou uma plataforma de inovação e produção de materiais baseados em biossintéticos.

A Modern Meadow, com sede em Nova Jersey, criou uma cepa de leveduras para produzir colágeno (Bio-Coll@gen™), com aplicações que vão de produtos de beleza a couro sintético.

A startup MycoWorks, com sede na Califórnia, está desenvolvendo couro a partir do micélio (a estrutura da raiz dos cogumelos).

No Brasil, a BioLinker, startup fundada por Mona Oliveira, faz síntese de proteínas recombinantes e trabalha na descoberta acelerada de novas proteínas.

Um documento extenso e muito acessível, chamado “Biologia sintética: descobrindo novos mundos e novas palavras”, está disponível para download na National Library of Medicine (NIH)

O livro da futurista Amy Webb e do geneticista Andrew Hessel, “The Genesis Machine: Our Quest to Rewrite Life in the Age of Synthetic Biology”, é leitura obrigatória se você quer entender para onde vamos.

FONTE: THE SHIFT