Três negócios disruptivos que resumem tudo

Disrupção é daquelas palavras que eram pouco usadas e que recentemente ganhou um protagonismo inédito pois coube como uma luva no novo ambiente de negócios viabilizados pela tecnologia. Ruptura e rompimento, que formam a base da sua definição, é o que muitas dessas novas empresas, produtos e serviços têm como objetivo. Além do lucro, claro.

Negócios disruptivos podem ser aqueles que com o apoio da tecnologia melhoram, transformam, tornam mais acessíveis e transparentes antigos negócios que se encontravam estagnados e cristalizados devido a fatores como legislação arcaica e altas barreiras de entrada ou onde os serviços públicos e privados já não atendem devidamente o consumidor. Disruptivos também podem ser negócios que tornam mais simples e fáceis o acesso a serviços já existentes como contratação de mão de obra temporária, transporte de pessoas, cargas ou pequenas encomendas – 99TaxisTruckpadPostmates são exemplos – ou que criam negócios onde antes existiam apenas atividades tipo freelance ou hobbies como no EatWith. São ainda novos negócios que destravam, compartilham e rentabilizam o valor de bens e recursos subutilizados como vagas de estacionamento, ferramentas, espaço, carros e até tempo. EzparkTem AçúcarAirBnB e Bliive são alguns exemplos.

Clayton Christensen, professor de Harvard, autor do livro The Innovator’s Dilemma, foi quem popularizou o termo Inovação Disruptiva que ele define mais ou menos assim:

Inovação disruptiva é o processo no qual uma pequena empresa, com menos recursos é capaz de desafiar o negócio de empresas existentes e bem estabelecidas. Essas novas empresas disruptivas ganham mercado atendendo segmentos negligenciados, no low-end onde as margens são menores, oferecendo funcionalidades adequadas ao consumidor e frequentemente por um preço mais baixo. ”

Pessoalmente acho que essa definição acadêmica não cobre a realidade que a gente tem visto no dia a dia de empresas e consumidores. Iniciativas como Uber e Tesla, que viraram do avesso os mercados de transporte individual não são consideradas disruptivas por Christensen por que nenhuma das duas mira os consumidores low-end como determina sua definição de inovação disruptiva. Uma pena.

Se alguém perguntasse minha definição para a disrupção que estamos presenciando, humildemente eu diria:

“Novos negócios suportados pela tecnologia (internet, nuvem, smartphones, apps…) que criam ou atualizam relações de trabalho, comerciais, econômicas e sociais e, consequentemente, uma nova sociedade tendo o indivíduo em seu centro. ”

Independentemente dos academicismos que sempre acompanham momentos como este, tentando entender e criar arcabouços teóricos para que a história possa ser devidamente analisada, estudada e entendida, o fato é que novos negócios, academicamente disruptivos ou não, estão gerando um impacto enorme no dia a dia de empresas e pessoas e merecem uma breve análise sobre como foram criados, como vêm se desenvolvendo e como a sociedade será beneficiada por eles. Neste artigo vamos apresentar os casos de três empresas que, em áreas muito distintas, são bons exemplos de novos negócios com alto impacto na sociedade fazendo com que a própria sociedade repense conceitos há muito consolidados.

Kickstarting

Da mesma forma que aconteceu com o Google e as buscas na internet, o Kickstarter virou um verbo e quase sinônimo de crowdfunding. Maior expoente dos sites de financiamento coletivo, viabilizou uma série de produtos que provavelmente nunca seriam criados dentro dos antigos modelos de desenvolvimento e investimento ainda vigentes.

Antes do Kickstarter se tornar popular, uma pequena empresa que quisesse desenvolver um novo produto deveria investir seu próprio dinheiro ou buscar financiamento com bancos ou investidores de risco. Em sites de financiamento coletivo o investimento vem dos futuros clientes que adiantam sua compra antes mesmo do produto existir. É uma completa inversão de fluxo de dinheiro e principalmente do fluxo do processo de desenvolvimento de novos produtos. Em seis anos o Kickstarter sozinho viabilizou quase 100.000 novos projetos em diversas áreas e movimentou mais de USD 2 Bilhões em investimentos. Uma gota no oceano se comparada com a Apple que em 2015 investiu USD 20 milhões por dia[i], sim por dia, em P&D.

Claro que o crowdfunding não serve como fonte de recursos para grandes empresas, principalmente as baseadas em inovação como a Apple, mas essas mesmas grandes empresas agradecem a existência de canais como o Kickstarter onde algumas tendências ou demandas do mercado, que muitas vezes passam desapercebidas pelas corporações, são atendidas por pequenas empresas que vivem de aproveitar essas oportunidades. São os pequenos que muitas vezes abrem os caminhos para as grandes.

Também longe de ser um concorrente a bancos e investidores de risco, o modelo de crowdfunding liderado pelo Kickstarter mostra que a tecnologia pode sim oferecer ambientes financeiros inéditos, seguros, mais baratos e globais alinhados à nova economia. Mas como tudo o que é muito novo – situação típica de negócios disruptivos – o crowdfunding sofre um certo desalinhamento com o ambiente existente, principalmente na questão tributária, o que gera discussões sobre a definição de seu modelo de negócios. Afinal, quem coloca dinheiro em um projeto de crowdfundingestá doando, financiando ou antecipando a compra de um produto? E quais são as relações entre investidores, investidos e as plataformas que fazem a intermediação do dinheiro? Responder essas perguntas é o primeiro passo para atualizar a legislação no que tange esse tipo de atividade. Uma longa discussão que quando chegar ao Brasil, com a complexa estrutura tributária existente e associada ao apetite arrecadador sem fim do nosso governo, tem tudo para complicar ainda mais o já difícil ambiente empreendedor local.

O que hoje chamamos de crowdfunding não é nenhuma novidade, sites de compras coletivas no Brasil foram criados nos anos 90, a diferença básica é que hoje o produto comprado ainda não existe e só vai existir se houver um mercado que o viabilize. Subvertendo totalmente processos tradicionais de pesquisa, desenvolvimento e financiamento de produtos existe algo mais disruptivo em P&D do que o crowdfunding?

PS: Não confunda crowdfunding com crowdsourcing que é quando um grande número de pessoas, geralmente on line, colabora para atingir um objetivo que entre outros pode ser a criação de um produto, realização de um serviço ou geração de conteúdo, em vez de usar a cadeia tradicional de fornecedores ou uma equipe de funcionários.

Eletricidade para todos, ou quase todos

Tesla é uma montadora de carros elétricos de luxo – o que a afasta da definição acadêmica de negócio disruptivo – responsável por enorme impacto em um mercado ainda incipiente que de fato está sendo criado por ela, o que a encaixa perfeitamente na minha definição de negócio disruptivo. Como se não bastasse, Elon Musk, seu fundador, é um disruptor serial que há anos vem subvertendo modelos de negócios desde financeiros até educacionais e espaciais. Ele não sabe fazer de outra maneira.

Desde o começo, a Tesla entendeu que ainda não dá para fazer um carro elétrico para as massas pois não há tecnologia nem escala que torne acessível os preços das baterias. Por isso, depois de quase quebrar em 2008,[ii] deslanchou produzindo um luxuoso sedã esportivo para os dispostos a pagar pelo menos USD 70.000 por um carro elétrico. Musk entendeu que ser sustentável e de emissão zero de gás carbônico não eram apelos suficientes para que seus clientes preferissem seu Model S a um carro “comum”, à gasolina ou diesel. Por isso, além de toda a tecnologia em baterias altamente eficientes criada pela sua empresa, ele desenhou um dos melhores e mais bonitos carros do mercado.

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Como temos visto em outros diversos novos negócios, Musk fundou a Tesla sem nenhuma experiência na indústria automobilística, muito menos na de carros elétricos. Mas, como todo empreendedor serial, viu que havia um enorme vazio e possivelmente uma boa oportunidade que não estava sendo aproveitada pelas grandes montadoras. Exatamente como Christensen diz que acontece em processos de inovação disruptiva.

Ainda muito longe de ameaçar as grandes montadoras – em 2015 a GM vendeu nos EUA perto de 3.000.000 de carros[iii] enquanto a empresa de Elon Musk vendeu pouco mais de 50.000 unidades[iv] – a Tesla já é percebida como uma opção para quem precisa recuperar o tempo perdido. Em 2010 a Toyota investiu USD 50 milhões por 2.5% da empresa americana e em 2014 ela era avaliada em metade do valor de mercado da Ford.

Uma das maiores rupturas promovidas pela Tesla foi na venda direta de carros aos consumidores quebrando um monopólio histórico das concessionárias independentes de automóveis americanas, verdadeiras atravessadoras entre montadoras e clientes, agregando pouco valor à cadeia, mas com forte poder político. Nos EUA a Tesla é a única montadora que em alguns estados tem permissão de vender direto, sem intermediários. Onde ela não pode vender direto montou espetaculares showrooms para mostrar seus carros enquanto tira pedidos pela internet,

Outra inovação oferecida aos clientes Tesla é o combustível, grátis. Sim, donos de Teslas quando carregam seus carros nas estações oferecidas pela empresa não pagam nada pela energia. Além de criar carros lindos e baterias mais eficientes, a Tesla também teve que criar uma rede de postos de recarga rápida – hoje são quase 600 estações e 3.500 pontos nos EUA, Europa, Austrália e Ásia – permitindo aos seus clientes passearem sem se preocupar muito com a autonomia de aproximadamente 400km dos seus carros. Olhando assim de fora parece lógico que tudo isso – baterias eficientes, belo design, alta tecnologia e rede de recarga – são itens fundamentais para o sucesso do negócio, mas qual outra empresa foi capaz de construir uma estrutura global como essa, do zero, em pouco mais de dez anos?

Como Musk não pensa pequeno, vendo a eficiência que suas baterias atingiram e a evolução na capacidade de geração de energia das placas solares fotovoltaicas, ele somou dois mais dois e criou uma linha de baterias para serem usadas em casas que geram sua própria energia. A Powerwall não é uma unanimidade em termos de solução, mas reflete bem o modo de pensar e agir de Elon Musk que para arrematar anunciou que vai liberar a patente das suas baterias para quem quiser usar a tecnologia e fazer o negócio de veículos elétricos crescer à margem das grandes montadoras que, segundo ele, não se mostram interessadas o suficiente nesse mercado. Não seria de se esperar que empresas tradicionais de baterias como Rayovac, Eveready ou Heliar estivessem liderando esse tipo de inovação? Não, segundo Christensen elas estão preocupadas demais em atender seus atuais mercados para pensarem em inovações disruptivas como essa.

Se a Tesla não é um negócio disruptivo do começo ao fim, rompendo com tudo o que conhecemos sobre fabricar, vender e usar carros, nada mais será. E pensar que tudo isso começou com um cara que provavelmente não sabia nem dirigir um carro com câmbio manual.

Uber über alles

Por mais que pareça lugar comum, é impossível falar de negócios disruptivos sem falar do Uber. Menos pelo negócio dele e mais pelos impactos que seu modelo gerou, o sucesso do estilo Uber no ambiente empreendedor global poucas vezes foi visto anteriormente. Como aconteceu com o Google e o Kickstarter, uberizar tornou-se um verbo corrente em qualquer encontro de desenvolvedores ou investidores digitais. Estão todos atrás de um novo Uber, seja na área que for. O gráfico abaixo mostra como a quantidade de pesquisas pelos dois termos deu um salto nos últimos anos.

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Avaliado em USD 60 Bilhões e financiado pelos maiores fundos de venture capital do mundo, o Uber contempla uma série de características que respondem a tantas necessidades do mercado de trabalho, dos consumidores, de mobilidade urbana, da última milha para entregas, etc. enquanto rompe com monopólios arcaicos e questiona modelos que já não atendem a nova sociedade que se isso não é disrupção real e imediata, quase nada mais será. Não é à toa que virou modelo para inúmeros outros negócios em áreas tão carentes de inovação disruptiva quanto o transporte urbano individual.

Fazendo a intermediação entre passageiros e motoristas e processando o pagamento das corridas, o Uber trouxe uma nova opção de transporte individual de qualidade para cidades onde a frota de taxis, serviço em geral dominado por cooperativas e controlado pelo estado, não mais atende em quantidade e qualidade as necessidades de uma população urbana crescente[v]. Ao contrário do que pode parecer e do que a gente vê na mídia, os poucos estudos feitos até agora mostram que o impacto no uso dos taxis foi mínimo. O que realmente aconteceu foi que um novo consumidor foi criado, aquele que não usava taxi e hoje usa o Uber. O gráfico abaixo mostra que serviços de carros sob demanda injetaram em 2013 cerca de USD 100 milhões na economia de São Francisco praticamente sem impactar o faturamento dos taxis.

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Mas é o modelo de negócios que o Uber aperfeiçoou usando as novas tecnologias, principalmente a ubiquidade do smartphone e inteligência de bancos de dados, que viabilizaram algo que de tão disruptivo, na minha concepção, desnorteia governantes, reguladores, empresários e até usuários. Transformar praticamente qualquer pessoa que tenha um carro num serviço de transporte individual de qualidade, com preço acessível, que só roda quando é solicitado e que pode ser avaliado on-line em tempo real pelo usuário é uma coisa tão surreal, principalmente naquelas cidades onde o transporte público não funciona direito, que subverte tudo o que estamos acostumados quanto aos parâmetros de licenciamento e uso de serviços similares.

Claro que algo tão fora dos padrões causa sério desconforto, para dizer o mínimo, em quem dominava os rumos dessa indústria, principalmente políticos e legisladores, que ao mesmo tempo que usam o Whatsapp para se comunicarem, execram serviços como o Uber que transfere poder para as mãos dos cidadãos. Esta vem sendo a principal barreira que o Uber vem enfrentando nas cidades onde oferece seus serviços. Ninguém quer largar nem um pedacinho do seu osso.

Além do transporte individual, negócios uberificados surgiram em áreas como limpeza doméstica, reserva de mesas em restaurantes, serviços de advogados, delivery de maconha legal, vagas de estacionamento e no que mais você puder imaginar. É definitivamente uma nova forma de divisão de poderes e responsabilidades.

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YV’s Blog

Muitas dessas iniciativas morrerão antes mesmo de serem conhecidas, as que vingarem serão aquelas que de fato conseguirem trazer valor para a vida de fornecedores e consumidores que mais do que nunca se misturam nesses dois papéis.

Negócios como Kickstarter, Tesla e Uber reinventam indústrias e causam tanto impacto prático no dia a dia de empresas e cidadãos que é uma bobagem querer classificá-los oficialmente como disruptivos ou não. A definição original do termo basta para entendermos a potência que essa nova economia tem para levar a sociedade a um novo patamar de serviços, renda, oportunidades e transparência. Na mesma velocidade na qual surgiram, essas empresas terão que inovar, reinventar e adaptar seus produtos a um mundo onde tudo evolui muito rápido. Disrupção no século XXI não é só substantivo feminino, mas verbo também.

FONTE: PACO TORRAS PANORA