Transformando carros elétricos em robôs de corrida

Os engenheiros Faraz Khan e José Rojas reconfiguram o sistema veículos elétricos para pilotá-los em um autódromo por computador

Em um fim de semana de garoa no fim de março, José Rojas e Faraz Khan torciam para que um Kia Soul totalmente elétrico alcançasse para eles um marco das corridas. Vestiram seus capacetes, prepararam os laptops e foram até uma pista de corrida da Thunderhill Raceway. Na linha de largada, ao volante, Khan olhava para o computador. “Em tese, isso deve funcionar”, disse.

Os dois riram para espantar o nervosismo enquanto Rojas iniciava os controles autônomos do carro. Os engenheiros de software Khan e Rojas usaram suas noites e fins de semana para hackear o Kia. Estão entre os cerca de 50 integrantes de uma comunidade independente de engenheiros que abrem os painéis dos veículos por esporte e reconfiguram fios importantes para transformar carros em robôs. “A maioria das pessoas não se sente à vontade para fazer isso”, disse Khan.

Bradley Berman, The New York Times

04 de maio de 2019 | 06h00

WILLOWS, CALIFÓRNIA – Em um fim de semana de garoa no fim de março, José Rojas e Faraz Khan torciam para que um Kia Soul totalmente elétrico alcançasse para eles um marco das corridas. Vestiram seus capacetes, prepararam os laptops e foram até uma pista de corrida da Thunderhill Raceway. Na linha de largada, ao volante, Khan olhava para o computador. “Em tese, isso deve funcionar”, disse.

Os dois riram para espantar o nervosismo enquanto Rojas iniciava os controles autônomos do carro. Os engenheiros de software Khan e Rojas usaram suas noites e fins de semana para hackear o Kia. Estão entre os cerca de 50 integrantes de uma comunidade independente de engenheiros que abrem os painéis dos veículos por esporte e reconfiguram fios importantes para transformar carros em robôs. “A maioria das pessoas não se sente à vontade para fazer isso”, disse Khan.

Engenheiros hackearam carros para dar-lhes controle autônomo e os levaram a uma pista de corrida.

Engenheiros hackearam carros para dar-lhes controle autônomo e os levaram a uma pista de corrida. Foto: Aaron Wojack para The New York Times

Esta sinuosa pista de 3,4 quilômetros costuma receber carros esportivos. Mas, naquele dia, o paddock estava repleto de discretos veículos híbridos e elétricos. Vários entusiastas estavam reunidos ali para  quarta edição do evento Self Racing Cars (carros de corrida autônomos) – uma competição aberta para veículos autônomos em uma corrida contra o relógio.

Por enquanto, a promessa dos veículos autônomos costuma ficar muito à frente da realidade. Joshua Schachter, empreendedor do Vale do Silício e piloto amador, fundou a Self Racing Cars porque sabe que os carros autônomos são perigosos demais para as ruas de verdade. O evento dele simplifica tudo: quem consegue fazer a volta mais rápida?

Khan e Rojas batizaram seu projeto de OpenCaret, e usam laptops e placas de circuitos Arduino – uma plataforma microcontroladora aberta – para induzir o carro a pensar que está sendo pilotado por uma pessoa. Khan instalou uma câmera de US$ 50 no painel para ter visão. Na primeira volta, seu Kia Soul mal completou a primeira das curvas de Thunderhill quando o volante deu uma guinada para a direta, depois para a esquerda, e voltou à posição.

O evento deste ano parecia mais uma reunião de um clube de computação amadora. Participaram apenas quatro equipes, com projetos independentes. Um Tesla Model X participou. O carro não foi um corredor, mas pertence a Andrew Navarro, integrante da Team Soulless.

Navarro trabalha na Polysync, uma empresa do Oregon que produz hardware e software para ajudar no controle digital do volante, freio e acelerador.

Nas duas primeiras curvas, o SUV Model X não permitiu que ele ativasse o piloto automático. O sistema de visão não foi projetado para uma pista de corrida, o que impediu o veículo de encontrar a sinalização típica e outros objetos usados como referência. O piloto automático finalmente entrou em ação, mas o veículo chegou perto demais do fim da pista e foi desclassificado.

Se o piloto automático da Tesla não conseguiu completar a prova, havia pouca esperança para Khan e Rojas, da OpenCaret, ou para os demais carros da Team Soulless e da Qibus (empresa fundada três semanas antes). Mas um híbrido Lexus CT 200h vermelho apresentado pela Point One Navigation estava percorrendo a pista sozinho sem maiores dificuldades (as equipes deixam um engenheiro ao volante, caso necessário).

A tecnologia de navegação autônoma enfrenta muitos obstáculos. A Point One se concentra em um único elemento fundamental: saber precisamente onde o veículo se encontra na pista. Esse sistema funciona à base de sistemas fixos de monitoramento GPS espalhados pelos Estados Unidos. Basta um deles para cobrir uma cidade do tamanho de San Francisco. As caixas analisam erros na comunicação com o satélite causadas por interferência atmosférica e transmitem correções ao veículo por meio do sinal celular. A tecnologia é capaz de indicar a posição de um carro com precisão equivalente à largura de meio pneu.

A Point One foi a única equipe a completar a volta autônoma este ano, estabelecendo um recorde de 2 minutos e 6 segundos. Mas a vantagem dessa tecnologia desapareceria se mais carros participassem da corrida ao mesmo tempo. Schachter está pensando nessa ideia.

“A essência de uma corrida é lidar com uma situação em constante mudança”, disse ele. “Pensei em arremessar um pneu na pista no ano que vem”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

FONTE: O ESTADÃO