Trabalho remoto é para quem ganha mais?

Pesquisa nos EUA sinaliza que expedientes a distância privilegiam profissionais com maiores salários; saiba como é a realidade no Brasil.

O trabalho remoto é mais comum entre profissionais com maiores salários, mais qualificados e experientes – pelo menos nos Estados Unidos. É o que mostra uma pesquisa realizada por professores das universidades de Stanford e Harvard, que acaba de ser divulgada. O levantamento analisou dez mil anúncios on-line de emprego, publicados entre 2019 e 2023.

Sobre a remuneração, os pesquisadores descobriram que as oportunidades de expediente em home office são mais raras em empregos com rendimentos anuais em torno de US$ 30 mil – considerada baixa pelos estudiosos.

“À medida que avançamos na escala de rendimentos, a parcela de anúncios que oferece trabalho híbrido ou totalmente remoto aumenta”, afirma Nicholas Bloom, professor de economia na Universidade de Stanford, em artigo publicado na “Harvard Business Review”, publicação sobre liderança e estratégia da instituição americana.

Em 2023, segundo o estudo, 10% dos empregos anunciados pagavam US$ 60 mil ao ano, 20% correspondiam a US$ 100 mil e 30% eram de ocupações que valiam cerca de US$ 200 mil, entre as faixas salariais mais citadas. “A ligação entre um bom salário e a capacidade de trabalhar em casa é um fenômeno novo no mercado de trabalho”, observa Bloom.

Para efeito de comparação, antes da pandemia, em 2019, apenas 8% das vagas de trabalho remoto ou híbrido pagavam US$ 200 mil ao ano – fatia que saltou para 30% em 2023.

Com diploma

No que diz respeito à qualificação, o trabalho híbrido ou remoto aparece em menor quantidade nas vagas que procuram candidatos que tenham até o ensino médio. Apenas 1,6% dos empregos com essa qualificação ofereciam produção em casa em 2019, número que aumentou pouco em 2023, para 1,9%.

“As ocupações com maiores requisitos educacionais oferecem mais oportunidades a distância”, afirma Raffaella Sadun, professora de administração de empresas na Harvard Business School.

De acordo com a análise, 30% dos anúncios que especificam a necessidade de pós-graduação no currículo dão a chance de operar remotamente em, pelo menos, parte da semana. Entre as ofertas que pediam diploma de bacharelado, 4,9% permitiam funções remotas ou híbridas em 2019, ante 14,9% em 2023.

Já entre as colocações com obrigatoriedade de mestrado, 7,1% ofereciam teletrabalho em 2019, um cenário que mais que triplicou no ano passado, com uma participação de 27,1%. No nível de doutorado, o avanço foi de 16,8% para 29% das vagas, no mesmo intervalo.

Experiência conta

O estudo também sinaliza que empregos que solicitam experiência na função garantem mais chances de trabalhar fora das baias. Em 2023, apenas 3% dos anúncios de empregos de entrada (que exigem menos de um ano de janela) ofereciam tarefas a distância.

“Os profissionais iniciantes precisam de treinamento e orientação, atividades que podem se beneficiar das interações presenciais no local de trabalho”, justifica Sadun.

De acordo com o relatório, quando a régua da experiência sobe, as oportunidades de home office também tornam-se mais abundantes. Para empregos que impõem pelo menos sete anos de experiência, um quarto dos anúncios permite o trabalho remoto. “As empresas querem trabalhadores mais velhos, com responsabilidades familiares maiores e menos necessidade de acompanhamento.”

Em 2019, apenas 2,4% dos empregos que exigiam menos de um ano de experiência liberavam o trabalho em casa, conjunto que subiu para 4,2% em 2023. Das posições que pleiteavam de um a três anos de experiência, o índice saiu de 5,3% há cinco anos para 10%, no ano passado.

O maior salto ocorreu em funções que demandavam de sete a nove anos de batente, passando de 5,1% para 34,2%, no mesmo período analisado.

Trabalho remoto no Brasil

Na visão de Christiana Mello, diretora da unidade recrutadores da Catho, marketplace com mais de 500 mil vagas que conecta empresas e candidatos, a realidade do trabalho remoto no Brasil é bem diferente do cenário que os pesquisadores observaram nos Estados Unidos.

“Aqui, o expediente a distância abrange uma gama mais diversificada de cargos e níveis salariais”, explica. De acordo com um levantamento feito com base nas colocações disponíveis no site da Catho, as que mais permitem oportunidades para trabalho remoto incluem analista, assistente, estagiário e vendedor, além de consultor, coordenador, gerente e advogado.

“Essa variedade mostra que o home office no país está acessível a profissionais em diferentes estágios de carreira, desde iniciantes até quem tem maior senioridade, como gestores e especialistas”, afirma.

Além disso, quanto aos salários, a maioria das vagas para home office cadastradas na Catho marca proventos a partir de R$ 1 mil. Isso sugere, diz Mello, que o trabalho remoto no mercado nacional não é exclusivo apenas para posições de alta remuneração, mas também para empregos com honorários mais baixos. “O que amplia as oportunidades a distância para um número maior de profissionais”, explica.

Perfil ideal para o home office

Ana Paula Prado, CEO do Infojobs, plataforma de oportunidades profissionais com uma lista de 33,4 mil empresas com vagas ativas em 2023, diz que o que vale no Brasil, para uma seleção de trabalho remoto, é o conjunto de competências do candidato.

“É importante que esse profissional tenha habilidades como autogestão e organização bem desenvolvidas para conseguir trabalhar remotamente”, afirma. “Os líderes de RH [das empresas] sempre avaliarão se as competências estão de acordo com a vaga e, principalmente, se o candidato tem o ‘fit’ cultural com a organização.”

Por outro lado, pondera a executiva, como o volume de vagas de trabalho remoto diminuiu, o modelo permite ampliar as exigências para o posto e acaba atraindo perfis mais qualificados. As pessoas que já atuaram no formato remoto e apresentaram bons resultados sairão na frente das seleções, ante os candidatos sem esse tipo de vivência, diz.

Um levantamento feito pelo Infojobs com os anúncios publicados na plataforma em 2023 – 641,5 mil novas vagas foram listadas no ano passado – indica que 94% foram para posições presenciais, antes de híbridas (3,6%) e somente para home office (2,4%). “Esse panorama contempla todos os níveis hierárquicos, do estagiário ao executivo, em todo o Brasil.”

Mas a CEO acredita que um currículo extenso pode abrir mais portas para trabalhar a distancia. “Um profissional experiente é sempre muito abordado pelo mercado”, afirma. “Com ele, a chance de dar certo [na posição remota] aumenta e o risco de quem contrata diminui.”

Prado diz que já testemunhou recrutamentos exclusivos para expedientes presenciais que tiveram de “pivotar”, dando a possibilidade para um candidato qualificado trabalhar remoto, por conta da preferência do profissional. “Isso acontece quando surge um perfil ideal na sua frente e o modelo de trabalho acaba sendo o diferencial que vai garantir a aceitação dele para a vaga”, conta.

Avaliar a necessidade da presença constante dos funcionários nas companhias é essencial para não perder talentos que buscam oportunidades remotas, lembra Mariana Dias, CEO e co-fundadora da Gupy, de soluções para RH. “Empresas menos tradicionais, como bancos digitais e fintechs, tendem a adotar modelos flexíveis de trabalho devido à natureza dos negócios e à mentalidade das gerações mais novas”, destaca.

FONTE:

https://valor.globo.com/carreira/noticia/2024/01/20/trabalho-remoto-e-para-quem-ganha-mais.ghtml