Tombo de R$ 132 bi da Stone (STOC31) vira alerta para fintechs do Brasil

Nos últimos anos, Street e Pontes haviam saído do dia-a-dia da Stone e passado para o conselho de administração, com Street atuando como chairman (Imagem: Bloomberg)

André Street e Eduardo Pontes tiveram uma ascensão meteórica ao criar a Stone (STNE), menos de uma década atrás.

A dupla transformou o jeito com que negócios espalhados pelo Brasil lidavam com pagamentos, inspirados pela Square, empresa do ex-CEO do Twitter Jack Dorsey.

Eles atraíram investidores incluindo a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, Jack Ma e a família Walton, tornando-se bilionários antes mesmo de completarem 40 anos de idade.

O sucesso alimentou ambições da dupla em revolucionar a indústria de serviços financeiros não apenas no Brasil, mas em lugares como Portugal, Reino Unido e Oriente Médio.

Até que as coisas começaram a dar errado no mercado em que tudo começou. E, rapidamente, muito errado.

Após abalar o setor de pagamentos brasileiro, a Stone procurou focar no que prometia ser uma operação ainda mais lucrativa: crédito. Ao longo dos últimos anos, a empresa começou a emprestar para pequenos e médios negócios no Brasil todo.

Mas a companhia subestimou os riscos e a inadimplência explodiu, forçando a Stone a interromper a originação de crédito no ano passado.

Desde então, os problemas têm crescido. E os investidores, ficado cada vez mais impacientes. A companhia com sede em São Paulo viu suas ações caírem 88% até quinta-feira, apagando US$ 25,6 bilhões (R$ 132 bilhões) em valor de mercado.

O que era uma das empresas de tecnologia financeira que mais crescia no mundo se tornou um alerta para fintechs em geral, sobre os desafios da expansão para mercados dominados há décadas por grandes bancos.

“É uma lição para todos os bancos digitais e plataformas similares no Brasil”, disse Malcolm Dorson, gestor da Mirae Asset Global Investments em Nova York. A Stone despontava como “a melhor da sala” entre as fintechs na região, mas os problemas recentes afetaram sua credibilidade, disse Dorson.

Outras startups de pagamentos da América Latina também vêm sofrendo. A PagSeguro (PAGS), maior rival da Stone, cai 73% nos últimos 12 meses. A empresa, do bilionário Luis Frias, 58, também tem se expandido para serviços bancários.

Avanços em tecnologia remodelaram a indústria financeira ao redor do mundo, com efeito particularmente significativo na América Latina. A região, com apenas 8% da população mundial, sofre com serviços bancários caros e é dominada por grandes conglomerados.

Investidores globais incluindo o SoftBank Group Corp. e a Berkshire têm apoiado o crescimento de novos entrantes.

A Stone ganhou terreno ao oferecer um jeito mais barato e fácil para os comerciantes aceitarem compras com cartão. Isso deu à empresa uma ideia de quanto essas empresa faturavam, o que permitiu com que a Stone estimasse suas receitas futuras e concedesse empréstimos com base nessas projeções. Em troca, os recebíveis de cartão de crédito seriam usados para pagar a dívida.

Só que o que parecia um jeito simples de extrair mais receita de seus mais de 1,4 milhão de clientes rapidamente saiu pela culatra. O Brasil foi duramente atingido pela pandemia de coronavírus, as taxas de juros subiram e a inflação se manteve persistentemente elevada. Para a Stone, foi uma combinação perigosa.

Muitos de seus clientes foram afetados pela Covid-19 e a economia brasileira tem patinado desde então. Ao mesmo tempo, comerciantes começaram a trocar seus provedores de tecnologia de pagamentos, o que significou que a Stone não mais tinha acesso às compras deles via cartão.

Adicionalmente, o sistema de registro de recebíveis, que serviria como uma espécie de salvaguarda, apresentou falhas, disse Thiago Piau, CEO da empresa, por e-mail.

“A prática da fuga de garantias se intensificou com a evolução da pandemia, uma vez que o lockdown pressionou o fluxo de caixa dos lojistas e, assim, vários buscaram formas de não pagar seus créditos”, disse Piau.

A empresa revelou o tamanho do estrago em agosto, durante a divulgação do balanço do segundo trimestre, e interrompeu a concessão de crédito.

Piau disse que a oportunidade no segmento “se mantém intacta” e “ajustes estão sendo feitos para a retomada deste produto, tanto do ponto de vista da oferta em si quanto dos controles necessários para escalar essa operação.”

Ainda assim, a tarefa não será fácil, dado que a competição fica mais acirrada e a economia brasileira caminha para uma possível contração em 2022.

“Continuamos focados no crescimento da companhia, na retomada da rentabilidade e na busca por um novo equilíbrio em 2022 diante da realidade da indústria”, disse Piau.

Para Street, 37, e Pontes, a recuperação da Stone envolve mais do que suas fortunas pessoas.

Os dois utilizaram recursos levantados com várias ofertas de ações desde o IPO da Stone em 2018 para alimentar outros negócios de pagamentos ao redor do mundo, como a SaltPay, que opera na Europa e na África do Sul, e está expandindo para o Oriente Médio.

Pontes é o CEO da empresa, que foi avaliada em quase US$ 9 bilhões durante uma rodada de investimentos recente, segundo uma pessoa com conhecimento do assunto.

Nos últimos anos, Street e Pontes haviam saído do dia-a-dia da Stone e passado para o conselho de administração, com Street atuando como chairman.

Mas, quando a crise chegou, Street assumiu o comando das principais reuniões com investidores e disse que a empresa foi com muita sede ao pote em relação ao crédito, de acordo com uma pessoa com conhecimento da situação.

“A Stone passa por uma tempestade perfeita, mas poderia ter feito um trabalho melhor em comunicação”, disse José Augusto Albino, fundador da Catarina Capital.

Alguns entusiastas de velha data da Stone estão ficando mais céticos. Analistas do Goldman SachsBTG Pactual e UBS tinham uma recomendação de compra para o papel desde o seu IPO, três anos atrás. Todos eles cortaram a recomendação nos últimos meses, reduzindo estimativas para lucro da companhia.

“O caminho continuará acidentado nos próximos 12 meses”, escreveram analistas do BTG liderados por Eduardo Rosman, em relatório de 28 de novembro. “Recuperar a confiança leva tempo, e precisa ser em pequenos passos.”

Piau disse que o preço das ações reflete “os resultados da companhia no ano de 2021 e o ambiente de negócios no Brasil, com juros mais altos e um ambiente econômico desafiador, não tem a ver com a credibilidade dos fundadores, que concentram seus esforços no sucesso da Stone.”

Porém, mais do que isso, a derrocada da Stone deixou um gosto amargo para os investidores de fintechs latino-americanas em geral. Após anos de crescimento vertiginoso e captação de clientes independentemente dos custos, as startups conseguirão vender a esses clientes produtos mais rentáveis, como crédito?

“Estamos vendo que é mais fácil falar do que fazer”, disse Dorson, da Mirae.

FONTE: https://www.moneytimes.com.br/tombo-de-r-132-bi-da-stone-stoc31-vira-alerta-para-fintechs-do-brasil/