Temos uma nova ordem mundial a favor do home office. Mas vai funcionar?

O jornalista Alexandre Teixeira lança “O dia de depois de amanhã”, um estudo sobre as radicais mudanças nas relações entre empresas e empregados com a Covid-19.

Existe uma questão mais imediata que a dor de cabeça da inteligência artificial (AI, na sigla em inglês) para diversas profissões no médio e longo prazos no mercado de trabalho: a rearrumação necessária após o tsunami da Covid-19, a partir de março de 2020, no modo sobre como e onde trabalhar.

Para Alexandre Teixeira, que está lançando pela Editora Arquipélago o livro “O dia de depois de amanhã”, de imediato, a pandemia abalou, em especial, todas as profissões que dependeram de gente circulando e interações presenciais.

Todo o setor de eventos, por exemplo, parou. Boa parte da área de saúde, no entanto, foi valorizada. “Em boa medida, porém, foram só abalos temporários, para o bem e para o mal. Algumas mudanças tendem a ser duradouras”, afirma, em entrevista ao NeoFeed. Uma área que continua a ser bastante afetada é a dos bancos, onde se viu “a radicalização de um movimento de automação que se desenvolve há décadas”.

Tanto que, de janeiro de 2014 a abril deste ano, os bancos fecharam 5.716 agências e extinguiram cerca de 70 mil postos de trabalho no Brasil. Milhares de bancários foram demitidos durante a pandemia. “Neste caso, não é de se esperar uma retomada das contratações, porque, de fato, o uso do Internet Banking explodiu e não vai mais retroceder”.

Para Teixeira, a Covid-19 foi uma aceleradora de partículas comportamentais na área trabalhista. Toda a transformação no mundo do trabalho que deveria ocorrer em duas décadas, afirma, deu-se em dois anos. Atribui isso à necessidade, surgida do dia para a noite, de pôr para trabalhar a partir de casa toda a área administrativa de, basicamente, todas as empresas do mundo.

A tecnologia para isso estava disponível havia muito tempo e a demanda de trabalhadores por home office também existia historicamente. “Só que a liderança das companhias, com raras exceções, resistia à ideia”. Em março de 2020, essa resistência foi suspensa, de fora para dentro, com um único ato.

“Não da Organização Mundial do Trabalho, mas da Organização Mundial da Saúde, que decretou a pandemia de Covid-19. Hoje parece um simples detalhe dessa história, mas o que aconteceu naquelas semanas de março de 2020 foi a mais rápida mudança da organização do trabalho da História.”

A grosso modo, bagunçou tudo e o mundo ainda busca meios de estabelecer regras em um novo cenário. Teixeira questiona o que chama de Híbrido 1.0, em que as empresas se limitam a determinar se os funcionários terão de ir ao escritório duas ou três vezes por semana e trabalhar remotamente nos outros dias.

“Como essa definição é arbitrária, quase aleatória, todas as pesquisas têm mostrado profissionais incomodados por ir ao escritório de forma desnecessária, sem encontrar as pessoas que precisariam, ou gostariam de encontrar, muitas vezes passando os dias em videoconferências que poderiam fazer em casa”.

Para ele, o modelo híbrido, tal como adotado na saída da pandemia, é “medíocre” e precisa ser melhorado. “Quem diz que as pessoas preferem trabalhar em casa, pelo menos parte do tempo, são as pesquisas feitas por institutos e empresas de pesquisas; não as companhias empregadoras – que, aliás, resistem, em sua maioria, a manter o trabalho remoto.”

E como todos os levantamentos convergem para a mesma conclusão, pontua, “não acho que se trate de ‘otimismo equivocado’” quanto a trabalhar em casa.

A parcela da população que teve oportunidade de fazer isso de casa durante a pandemia, de fato, acredita o autor, percebeu várias vantagens – a começar pela economia de tempo e energia com as idas e voltas diárias ao escritório – e gostaria de mantê-las.

Um universo profissional novo

Alexandre Teixeira estuda o mundo do trabalho desde 2011, mas os questionamentos e as afirmações que faz em “O Dia depois de amanhã” são conclusões de um acompanhamento mais específico das mudanças no universo profissional aceleradas pela Covid-19 – observação que começou a fazer em abril de 2020, logo no início da pandemia.

No livro, ele propõe o design de experiências profissionais para construir futuros adaptados às necessidades individuais. O conceito é bastante usado em serviços e no varejo, lembra. “O que proponho é que se use essa abordagem no âmbito do trabalho, no contexto de se desenvolver um novo modelo híbrido que faça mais sentido para as pessoas.”

Desta forma, ele sugere que cada liderança, de cada equipe, cuide do design das experiências de trabalho das pessoas do seu time, “de modo que cada um sempre saiba por que está indo ao escritório”.

O primeiro dos recursos  seria a experimentação. “Imagine que parte da liderança pretende aprimorar o modelo híbrido da companhia promovendo uma reunião presencial do time todo uma vez por semana. Que tal testar essa prática com poucas pessoas ou equipes e checar os resultados antes de, se tudo der certo, escalar para a empresa inteira?”

A partir daí, caminha-se para a iteração — testar, mensurar, ajustar e repetir. “Talvez uma reunião semanal seja demais. Ou, quem sabe, insuficiente”.

O jornalista diz se posicionar “seguramente” entre os defensores de um trabalho remoto e sem fronteiras. O modelo híbrido pode ser aprimorado e ficar ótimo, diz. “O retorno ao modelo totalmente presencial, porém, terá sido uma enorme oportunidade perdida, se vier a se concretizar.”

Independentemente de sua preferência, acrescenta, a questão relevante do momento é como fazer o trabalho híbrido funcionar. Do contrário, as forças reacionárias vão predominar, “e voltaremos ao escritório cinco dias por semana”.

Mantido o movimento hoje em curso, a balança deve pender para o retorno ao modelo totalmente presencial pré-pandemia, teme ele. “É isso o que, declaradamente ou não, a maioria das lideranças atuais deseja. Alegadamente, por preocupação com a produtividade do trabalhador. Na prática, por um apego impressionante ao modelo conhecido como comando e controle”.

No entanto, em sua opinião, o desejo de trabalhar com mais flexibilidade e menos idas ao escritório ficará latente. Teixeira afirma que se e quando a economia brasileira romper o ciclo de recessão e estagnação iniciado em 2014, modelos rígidos deverão ser punidos com a dificuldade de recrutar e/ou manter gente boa em suas equipes. “Modelos flexíveis, por outro lado, deverão ser beneficiados. A meu ver, essa rebelião está encomendada”.

Outros pontos positivos também aconteceram no campo do trabalho durante a pandemia, destaca o autor. Houve ganhos de produtividade e trabalhadores mais poderosos. “Isso está por trás, em parte, do movimento da Grande Demissão e da discussão, em escala global, de uma semana de trabalho de quatro dias. No campo das ideias, a mais poderosa, para mim, é a da flexibilidade como diferencial de bons empregadores”.

FONTE: https://neofeed.com.br/finde/temos-uma-nova-ordem-mundial-a-favor-do-home-office-mas-vai-funcionar/