Teles brasileiras pressionam por mudança na gestão da internet

Mulher digitando em notebook – DIVULGAÇÃO

RIO E BRASÍLIA – A discussão sobre o fim da neutralidade de rede nos Estados Unidos deve ter reflexos no Brasil. De acordo com fontes do setor, já existe uma pressão de empresas de telecomunicações para que mudança semelhante seja adotada no país. O princípio da neutralidade impede que operadoras de telefonia deem prioridade a algum cliente ou restrinjam o acesso a dados e está previsto no Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014. Para analistas, o fim da regra pode prejudicar consumidores, que poderiam ter que pagar mais para ter certos serviços, como streaming de vídeo, dependendo de acordos firmados entre provedores e produtores de conteúdo, já que não serão obrigados a dar o mesmo tratamento a qualquer produtor de conteúdo.

Apesar da pressão das empresas, não há “nenhum movimento” no governo brasileiro, no momento, para alterar a regulamentação da neutralidade da rede, segundo fontes oficiais. Sempre existiu cobrança por parte das operadoras, mas o Executivo “não está disposto” a rever o decreto sobre da neutralidade e nem apoiar eventuais iniciativas do Congresso nesse sentido, segundo uma fonte:

— Não há nenhuma mudança prevista.

A expectativa é que a Comissão Federal de Comunicação (FCC, na sigla em inglês) acabe com a neutralidade nos EUA no dia 14 de dezembro. A ideia é capitaneada por Ajit Pai, presidente da FCC, que critica o que considera um “microgerenciamento” do governo americano sobre os acordos e decisões do setor.

No Brasil, o argumento seria o mesmo, defende uma fonte. A alegação é que as empresas podem dar mais prioridade a determinados clientes sem reduzir a qualidade do serviço dos outros consumidores. Por isso, disse a fonte, cabe aos órgãos fiscalizadores analisar uso indevido da rede.

— A mudança nos EUA vai criar um debate no Brasil que pode resultar na mudança do Marco Civil da Internet. Não é cabível que uma lei interfira no processo de gestão de rede. Com o avanço da internet das coisas e da digitalização das empresas, não faz sentido todos os clientes terem o mesmo tratamento. A decisão dos EUA reforça esse entendimento — destacou a fonte.

Para Luca Belli, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, a popularização da chamada internet das coisas — que permite a comunicação direta entre aparelhos — não justificaria alteração no Marco Civil. Segundo ele, o texto já permite que sejam criados parâmetros técnicos diferentes de acordo com o tipo de rede. A conexão pela qual um carro autônomo e um semáforo se comunicam pode ser mais rápida que a usada para acessar redes sociais no smartphone. Mas carros de diferentes marcas teriam a mesma prioridade na conexão, por exemplo.

— O texto não impede a internet das coisas. O princípio da não discriminação é importante para garantir que o desenvolvimento da internet das coisas privilegie as mais importantes e inovadoras, não as de grupos dominantes — argumenta Belli, que defende fiscalização mais profunda sobre as teles, para evitar que a lei seja desrespeitada.

Conexão pode piorar, diz especialista

Segundo Scorsim, produtores de conteúdo podem ser obrigados a pagar mais às operadoras, e esse custo pode ser repassado ao consumidor.

Outro advogado, que preferiu não se identificar, afirmou que a qualidade de conexão de pequenos clientes pode piorar ainda mais:

— Sem as regras do Marco Civil, os pequenos clientes vão perder qualidade de rede e velocidade para os grandes clientes que consomem mais dados e são mais importantes para as teles.

— Com esse decreto, as empresas já conseguem tratar seus clientes de forma diferente, mas sem ter um motivo comercial. Isso só pode ser feito em caráter técnico. Mas é uma exceção que pode dar margem para novas mudanças — afirmou uma fonte do setor.

FONTE: O GLOBO