A telemetria acelera a produção agrícola

Ferramentas permitem acompanhar online tudo o que acontece no campo e comandar máquinas à distância

O SISTEMA – Por meio de um modem com software específico de telemetria instalado nos tratores, colheitadeira, colhedoras, pulverizadores e outras máquinas, o agricultor pode acompanhar e fazer correções em tempo real nas atividades do campo. As informações podem ser enviadas para qualquer dispositivo com acesso à internet (computador, tablet, celular). É possível saber a posição exata de uma máquina, o que ela está fazendo e como está realizando sua tarefa. Caso precise de alguma alteração, o produtor envia uma mensagem direta ao operador, que, na hora, pode fazer a mudança.

Estrela em Paris no Sima, o salão que dita a moda da tecnologia agrícola mundial, o Case IH Magnum agora é uma das atrações da Agrishow. O que chama mais a atenção é seu design arrojado. Ao contrário de outros tratores autônomos, não tem cabine e se assemelha a um “transformer”. O protótipo da Case é capaz de executar operações de preparo de solo e plantio sem operador. Ele dispõe de sistemas de telemetria e compartilhamento de dados, podendo trabalhar autonomamente dia e noite. O operador supervisiona remotamente, por meio de tablet ou computador, as operações, que são pré-programadas. Radares e câmeras instalados no trator possibilitam ao veículo detectar obstáculos e parar sozinho. Se por acaso o sinal GPS ou os dados de posição forem perdidos, o veículo se autodesliga.

Sensores e câmeras sofisticados vão conferir a segurança necessária aos tratores autônomos para que se tornem uma realidade no campo em menos de dez anos, segundo Alessandro Maritano, vice-presidente da New Holland para Europa, Ásia e Oriente Médio. “Eles vão trabalhar com mil olhos”, disse ele à Globo Rural durante o Sima, em Paris. A New Holland também apresentou na feira europeia um trator autônomo, o NH Drive, que tem cabine e pode trabalhar com ou sem condutor, dependendo do tipo de operação. Assim como em Paris, na feira de Ribeirão Preto a telemetria é o destaque de praticamente todas as marcas de tratores e colheitadeiras.

Ela funciona como na Fórmula 1. O carro na pista envia online aos boxes mais de 1.000 dados coletados por sensores sobre pneus, suspensão, motor, velocidade, uso de marchas, consumo, frenagem, entre outros. Dos boxes, o engenheiro da equipe, com a análise desses dados, orienta o piloto para que ele consiga um melhor desempenho na corrida. A transmissão de dados por meio de sinal de rádio, satélite ou telefone, conhecida como telemetria, já está embarcada nos carros de corrida há mais de dez anos.

Essa palavrinha de origem grega (“tele” é remoto e “metron” significa medida) estreou na agricultura há cerca de três anos, mas ganha cada dia mais aplicação na tecnologia embarcada nas máquinas agrícolas no Brasil – e é uma das vedetes da 24ª Agrishow.

“A telemetria é o mais recente passo da agricultura de precisão (AP). Remotamente, é possível acompanhar tudo que acontece no campo. O produtor visualiza online todos os parâmetros do veículo e pode entrar em contato com o operador quase instantaneamente para fazer as correções necessárias”, afirma Grasiele Silva, engenheira agrônoma e especialista em AP da New Holland.

Integrada a outras ferramentas da AP acopladas às máquinas, como mapas de produtividade, monitor de colheita, barra de luz (sistema de navegação), piloto automático e aplicadores de taxa variável, a telemetria ajuda o produtor ou gestor a fazer um raio X da lavoura a fim de definir ações para melhorar o desempenho das operações, aumentando a produção e a produtividade e gerando uma redução de custos estimada entre 3% e 15% pela especialista. Dependendo do equipamento, é possível ter dezenas de dados enviados em uma única operação.

Segundo Grasiele, o desenvolvimento do hardware (a mecânica) das máquinas já atende às necessidades do agricultor. “É como a tecnologia do celular. Você só vai substituir quando achar uma novidade que realmente valha a pena.” Agora, o que o agricultor precisa, diz ela, é de um pacote de soluções tecnológicas completas em todos os ciclos da operação no campo que lhe garanta gasto menor de combustível, redução de custos com insumos e aumento de produtividade.

“A telemetria permite que o agricultor acompanhe o trabalho no campo sem estar lá e tome decisões de forma mais assertiva”, afirma Nilmar Dutra Aurélio, superintendente de marketing do produto ATS (soluções de tecnologia avançada) da Massey Ferguson. Ele dá um exemplo do uso dessa tecnologia: é possível configurar a velocidade da máquina e instalar um alarme que vai alertar o produtor caso algum parâmetro não esteja sendo seguido pelo operador. Nilmar ressalta, no entanto, que a telemetria demanda uma análise completa dos dados transmitidos para dar mais ferramentas de decisão ao produtor.

Manuntenção preventiva

Além de ajudar nas operações de campo, a telemetria também é usada para manutenção preventiva das máquinas, monitorando informações do motor e avisando sobre a necessidade de revisão e troca de peças. Felipe Souza, gerente de soluções tecnológicas da Case, diz que todas as marcas já estão com hardwares bem desenvolvidos e estão investindo cada vez mais na integração das ferramentas de AP, que evoluem tão rapidamente quanto os celulares e computadores. Ele afirma que já há tecnologia para permitir o controle online de uma máquina agrícola, mas a legislação brasileira não permite isso.

“Imagine se eu criei virtualmente uma cerca para a atuação da minha colhedora, fazendo com que ela desligue se sair desse perímetro pré-estabelecido. Ela poderia desligar quando estivesse cruzando uma rodovia, por exemplo, evitando um acidente.”

Felipe afirma que, nos próximos anos, a conectividade, que engloba a telemetria, será a “bola da vez” na operação agrícola. “Um produtor poderá decidir qual o melhor momento para fazer sua colheita baseado na previsão do tempo de sua região. A nuvem vai integrar todos os dados que ele precisa para tomar sua decisão.”

Gerson Fillipini Filho, coordenador de marketing de produto Fuse da AGCO para a Valtra, também destaca a importância da conectividade. “Ela engloba o piloto automático, a telemetria e demais tecnologias existentes, pois visa integrar todas e facilitar o acesso às informações coletadas, ou seja, aproxima o produtor de tudo o que está acontecendo em todas as etapas da produção e permite o cruzamento de todas as informações disponíveis de máquina, solo, planta e clima, tornando a tomada de decisões mais rápida e eficiente.”

Os especialistas destacam que, apesar do avanço da telemetria, o piloto automático, ou sistema de direção automatizada, ainda é a ferramenta de AP mais vendida e a mais desejada pelos agricultores, porque apresenta resultados instantâneos, libera o operador para outras funções e permite o trabalho noturno.

“Ao usar o sistema de piloto automático, o produtor explora ao máximo a área produtiva sem comprometer o desenvolvimento da planta e garantindo o máximo de produtividade, pois evita a sobreposição na aplicação de insumos. Com isso, há diminuição dos custos, menor consumo de combustível e menor compactação do solo”, diz Gerson, da Valtra.

Guillermo Perez-Iturbe, porta-voz da Trimble, empresa multinacional especializada em tecnologia também para a agricultura e parceira de indústrias como Case, New Holland e Jacto, afirma que o equipamento pode ser usado em preparo do solo, plantio, pulverização e colheita. Ele lembra que a principal diferença entre os pilotos automáticos do mercado é o nível de acurácia, que evolui muito rapidamente. Os primeiros, que eram elétricos e acoplados ao volante do trator, tinham uma precisão abaixo de 1 metro. Depois, essa medida caiu para 20 centímetros. Hoje, a Trimble e as principais montadoras já oferecem pilotos automáticos hidráulicos com acurácia de até 2,5 centímetros.

O gerente da Case explica o que é isso: “Se o produtor definiu um trajeto no seu piloto automático e guardou na memória, a máquina consegue repetir o mesmo trajeto com um erro máximo de 2,5 centímetros.” Felipe estima que, no plantio, o piloto automático garante um aproveitamento maior de área entre 5% e 6%. Na pulverização, o ganho é ainda maior: 12%.

Gerson dá um exemplo da velocidade de adesão ao piloto automático no campo: “Em 2013, apenas 20% dos tratores pesados da nossa marca eram embarcados com esse equipamento. Essa taxa atingiu 70% em 2016 e esperamos chegar a 80% neste ano”.

A maioria das grandes máquinas colheitadeiras de grãos, colhedoras de cana, plantadoras, pulverizadores e tratores da linha pesada já sai de fábrica com toda a tecnologia embarcada, incluindo a telemetria. As montadoras também oferecem ao produtor a possibilidade de customizar as máquinas que ele já tem com pacotes e atualizações de AP, não necessariamente da mesma marca. O produtor tem ainda a opção de contratar serviços de monitoramento e análise dos dados.

Agora, a tendência é que os pacotes de soluções tecnológicas comecem a equipar também as máquinas médias e até as pequenas. “O financiamento integral facilita ao produtor comprar uma máquina nova com mais tecnologia”, lembra Nilmar, da Massey.

Grasiele, da New Holland, que tem muito contato com médios e pequenos produtores do sul do país, diz que basta apresentar os ganhos obtidos com as ferramentas da AP para uma adesão imediata do agricultor. “A tecnologia se paga rapidamente e o produtor que rejeita isso está perdendo dinheiro.”

Só em 2016, a CNH, que inclui as marcas Case e New Holland, investiu US$ 856 milhões em pesquisa e desenvolvimento, segundo Felipe. A empresa não informa quanto desse valor foi para softwares, mas revela que é o setor em que o investimento mais cresce.

A AGCO, detentora da Massey e da Valtra, investiu US$ 296 milhões no ano passado e estima chegar a US$ 306 milhões em 2017, um aumento de 10%.

Já a John Deere informa que investe US$ 4 milhões por dia em pesquisa e desenvolvimento para oferecer em suas máquinas “menos ferro e mais inteligência”.

O engenheiro Fernando Gonçalves Neto, presidente da divisão agrícola da Jacto, líder em equipamentos para pulverização na América Latina, acredita que no futuro, além do agrônomo, o produtor rural vai precisar ter um cientista de dados para decidir como melhorar sua operação. Na opinião do executivo, os próximos aumentos de produtividade no campo, além da genética, virão do big data.

Fernando observa que a tecnologia digital (internet das coisas, máquinas inteligentes, nuvem e mobilidade) vai permitir que as empresas ofereçam novas soluções, novos equipamentos e outras ofertas envolvendo todo o ecossistema de negócios. “Esse futuro já começou e caminha para uma complexidade e um cenário de oportunidades cada vez mais rico. Produtos e serviços passam a ser relidos em torno do digital.”

Ele cita como exemplo o  pulverizador Uniport UP3030, aparentemente tradicional, que ganha conceitos de conectividade que permitem um nível de gestão até então não imaginado. Do escritório, o agricultor pode acompanhar o desempenho e  otimizar as operações, que inclui evitar impactos ambientais e muito mais, diz ele. Isso permite ainda que a máquina “saiba” que está na hora de trocar um filtro e possa estabelecer um canal de compra (com todas as permissões do agricultor) automática sem que haja uma série de ações intermediárias, conclui.