Telemedicina: no Albert Einstein, 300 mil atendimentos serão remotos

Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, Sidney Klajner, presidente do Hospital Albert Einstein, explica como a tecnologia, o big data e a inteligência artificial estão transformando a instituição

O médico Sidney Klajner assumiu a presidência da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein, no fim de 2016, com a missão de suceder o longevo presidente Claudio Lottenberg, que permaneceu no cargo por 15 anos.

Desde então, Klajner, de 51 anos, deu continuidade ao trabalho de Lottenberg e passou a imprimir seu estilo à frente do hospital mais famoso da América Latina, com nove unidades, quase 13 mil funcionários e R$ 2,9 bilhões de faturamento.

Mais do que manter o hospital na vanguarda das novas tecnologias, Klajner tem conseguido fazer do Einstein um ímã de startups disruptivas que têm mudado completamente o setor de saúde.

Formado na Universidade de São Paulo, especialista em cirurgia de aparelho digestivo, Klajner fala sobre bits, bites, big data, inteligência artificial e seed money com a mesma desenvoltura com a qual discorre sobre procedimentos médicos e o dia a dia de um hospital.

Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, Klajner falou do processo que culminou na criação da incubadora de startups Eretz.bio e detalhou as novas tecnologias adotadas pelo hospital, que ajudaram a acabar com desperdícios e a aumentar o foco nos pacientes, e revela que o Einstein fará 300 mil teleatendimentos até o fim de 2019.

Ele também diz que está avaliando com os outros gestores do Einstein a criação de um fundo de venture capital. “Estamos discutindo internamente se devemos fazer parte disso. Se devemos ter um fundo nosso, se devemos nos associar a outro fundo”, diz Klajner. Acompanhe:

Desde que assumiu a presidência do Einstein, o que você encontrou em termos de inovação?
Há mais de trinta anos, o Einstein foi trazendo equipamentos de ponta e isso foi atraindo um corpo clínico muito diferenciado. Mas, da forma organizada como têm sido feitos os investimentos em inovação e tecnologia, isso começou a ganhar mais corpo com a criação do nosso Instituto de Pesquisa, há 20 anos. E o presidente que me precedeu, o Claudio Lottemberg, que permaneceu no cargo por 15 anos, e de cuja gestão eu participei como vice-presidente, entendeu que o instituto deveria ser desmembrado para uma diretoria de inovação.

Quando foi isso?
Isso aconteceu há cino anos e entendemos que ela deveria ser desenvolvida por alguém de fora da medicina, com uma visão voltada ao empreendedorismo, inteligência artificial, big data. Por ano, contando pacientes e acompanhantes, passam seis milhões de pessoas pelas instalações do Einstein.

O big data do Einstein é enorme…
A tecnologia, a adoção de inteligência artificial, necessita de dados. Por isso, criamos uma diretoria de big data com 20 pessoas. Muito se fala que a moeda do futuro são os dados. Por isso, investimos num prontuário eletrônico e trouxemos a tecnologia dos Estados Unidos. Entendíamos que, localmente, não havia nada tão parrudo e tão sólido que pudesse fazer essa geração de dados.

“Criamos uma diretoria de big data com 20 pessoas”

O que essa plataforma faz?
É um prontuário eletrônico que torna a organização paper free (livre de papel), faz a geração de dados de custos associados a desfecho, e é captador da informação capturada por dispositivos. Hoje, um paciente internado na terapia intensiva gera 21 mil dados em uma hora.

Que tipo de dados?
Todos os tipos. Frequência cardíaca, gráficos… Você transforma isso em dado, é absurda a quantidade de informações que você pode ter. Hoje, se fala que, nos últimos dois anos, foram gerados 90% dos dados de saúde em toda a história da captação de dados de saúde no mundo.

Qual empresa desenvolveu essa solução parruda que o Einstein buscava?
Escolhemos a Cerner, empresa americana que tinha interesse em vir para a América do Sul e ter um escritório no Brasil. E, depois de dois anos escolhendo a empresa que seria a nossa parceira, levamos mais dois anos para implementar a tecnologia. Ela passou a funcionar, em janeiro de 2017, quando fizemos a virada de chave para o modo eletrônico.

“Hoje, um paciente internado na terapia intensiva gera 21 mil dados em uma hora”

Qual foi a diferença?
Foi uma diferença brutal. Mas foi mais do ponto de vista cultural do que tecnológico. Sabe por quê? Primeiro porque temos um ser que fica entre o computador e o paciente que se chama médico. Se você não engaja, se esse médico não atuar, acontece algo semelhante com o que aconteceu aqui, em 1998, quando adquiriu-se um prontuário eletrônico e que não foi “comprado pelos médicos”.

E por que agora funcionou?
Um prontuário melhor, um momento cultural melhor, uma nova geração que usa smartphone e não papel. Fizemos treinamento com os médicos, enfermeiros e funcionários. Durante um ano, enchemos os hospitais com os profissionais da Cerner para tirar dúvidas.

E do ponto de vista médico, qual foi o impacto dessa tecnologia?
A nossa receita de exames laboratoriais caiu a ponto de gerar pânico.

Por que caiu?
Porque não eram necessários tantos exames. Quando o médico, com a caneta e papel, não achava o exame, ele pedia outro. Hoje, tem todo o histórico e uma capacidade de visualizar fotograficamente o estado atual. E, ao mesmo tempo, para pedir exame, tem de entrar no sistema, com senha, dá um trabalhinho e tem de valer a pena.

A captura de dados se tornou uma obsessão para o Einstein

Quais outros impactos foram sentidos?
O outro impacto é que passamos a ter uma eficiência maior no cuidado com o paciente. Temos um aplicativo de integração com o prontuário eletrônico chamado Einstein Médicos. Ali tem todos os dados dos meus pacientes, de pacientes de outros colegas e, com o aplicativo, sei o leito onde o paciente está, os dados gerais dele, os exames. Tudo no celular. E esse aplicativo nunca está pronto. Sempre vamos melhorando.

E atendimento por telemedicina, o Einstein já está fazendo?
Estamos fazendo dentro de empresas, que vendemos como saúde corporativa. Mais preventiva e de urgências relativas. O intuito é colocar o paciente correto na porta correta. No ano passado, tivemos 80 mil atendimentos por telemedicina. Para este ano, a previsão é de 300 mil atendimentos. Tenho especialistas daqui fazendo atendimentos com outros médicos generalistas em outros estados do País. Tem mais leitos de UTIs sendo acompanhados por nossos especialistas digitalmente do que fisicamente.

Como funciona esse trabalho?
Temos uma equipe de plantonistas que ficam 12 horas sentados na frente de uma tela. Temos uma sala apenas para isso.

E a ligação do Einstein com as startups, como surgiu?
Investimos em uma diretoria de inovação e isso culminou, dois anos depois, na criação da incubadora de startups, a Eretz.bio. Isso surgiu porque fomos procurados por mais de 1 mil startups que queriam se associar ao Einstein.

Então a criação da diretoria de inovação fez isso aflorar…
Sim e isso fez a gente eleger startups que tinham a ver com o nosso planejamento estratégico. Um grande exemplo foi a interação, e que passou praticamente para uma aquisição, da Genomika, laboratório de genética que faz parte da nossa medicina personalizada.

Quantas empresas são incubadas dentro da Eretz.bio?
São 33 empresas.

E tem participação acionária em todas?
Não. A participação do hospital tem sido mais com seed money, no máximo, para manter a empresa funcionando. E elegemos poucas para estarmos juntos como a Genomika.

“A participação do hospital tem sido com seed money

Tem que ter a ver com a estratégia do Einstein para receber investimento?
Hoje não mais. Algumas não têm a ver, mas entregam algo relacionado a nossa missão e, com foco em business, vale a pena. Por exemplo, o aplicativo Escala. Ele é um aplicativo, desenvolvido por um médico intensivista, que organiza as escalas de plantão. Na hora que alguém quer trocar um plantão, aparece um push perguntando quem quer pegar o plantão. Tudo isso é automático e o gestor do RH consegue ver quem vai fazer o plantão e tem todo o controle. Hoje, esse aplicativo já é usado em mais de 130 hospitais, a Globo usa para a equipe externa de filmagem, o aeroporto de Guarulhos usa. É uma spin-off do Einstein.

Essas startups podem valer fortunas para o Einstein. Outros fundos investem nessas empresas?
Uma de nossas empresas incubadas, a Hoobox, que desenvolveu uma cadeira de rodas motorizada que responde a comando de movimento facial, tem investimento do Einstein, da Intel e apresentou a tecnologia em Las Vegas. Ela está aqui e nos Estados Unidos.

Mas os fundos de venture capital entram em contato com o Einstein?
Muito mais com as startups. Mas estamos discutindo internamente se devemos fazer parte disso. Se devemos ter um fundo nosso, se devemos nos associar a outro fundo.

Quanto o Einstein investe em inovação hoje?
Investimos entre 2% e 3% da receita em inovação. No ano passado, a receita foi de quase R$ 2,9 bilhões.

FONTE: NEOFEED