Tecnologia abre espaço para novas profissões

Os mais recentes dados oficiais mostram que de setembro a novembro do ano passado, 12% dos brasileiros em idade de trabalhar estavam desempregados, o equivalente a uma massa de 12,6 milhões de pessoas. É muita gente. Ao mesmo tempo, várias empresas de tecnologia estão encontrando dificuldades para preencher vagas e contratar profissionais sem os quais fica difícil acelerar os negócios. O que falta de um lado, sobra de outro.

A razão desse paradoxo é que a tecnologia tem avançado tão rapidamente em alguns setores que novas ocupações estão sendo exigidas para dar conta da complexidade dos ambientes de trabalho e das mudanças de comportamento do público.

É esse fenômeno – o das novas carreiras – que dá o tom das dez tendências tecnológicas do Valor para 2018. A lista, que chega à sua 8ª edição, é composta dos seguintes itens: blockchain, chatbots, fintechs, nanomedicina, nuvem computacional, privacidade de dados, publicidade digital, realidade mista e regulamentação de serviços digitais. Além, claro, das novas profissões.

O blockchain, por exemplo, é o sistema de registro de informações por trás da moeda digital bitcoin. Ainda há muita insegurança em torno da moeda, mas alguns países têm avançado na sua regulamentação. No Japão, a empresa GMO Internet anunciou que vai começar a pagar parte dos salários dos funcionários em bitcoin. Se a tendência de liberação se acentuar, há quem preveja a necessidade de formar banqueiros de criptomoedas, pessoas que conheçam tanto tecnologia como o funcionamento do sistema financeiro.

A inteligência artificial é outro tópico inevitável. As chamadas redes neurais tentam fazer com que as máquinas pensem como o ser humano. Mas da mesma maneira como uma criança precisa de estímulos para aprender, os computadores também requerem gente de carne e osso para ensiná-los a “pensar”. São os treinadores de inteligência artificial, um profissional que alimenta o sistema com todo tipo de dados a fim de que, posteriormente, ele possa tomar suas próprias decisões.

O dilema provocado por esse fenômeno é que a tecnologia tira vagas das pessoas, principalmente em funções que não exigem tanta capacitação. Os chatbots, por exemplo, estão substituindo atendentes de call center, numa tentativa das empresas de reduzir custos numa área que exige muita mão de obra e tem altíssima rotatividade.

Muitos argumentam que a curva da inovação é assim mesmo: automatiza tarefas repetitivas e abre vagas que aproveitam melhor a capacidade intelectual do ser humano, proporcionando remuneração mais alta.

O problema, rebatem outros, é como se dá o processo de substituição. A pessoa que perde um emprego mais simples não é, necessariamente, aquela que terá condições de se capacitar para ocupar a vaga de maior valor. É necessário um esforço de treinamento que vá além do indivíduo e inclua empresas, governos e o próprio sistema educacional. Até porque muitas profissões são tão novas que ainda não há cursos específicos capazes de dar conta de todas as habilidades requeridas.

Em muitos casos, a escola sequer será necessária. Basta pensar nos youtubers, que têm atraído o patrocínio de marcas importantes. Ou dos e-atletas, jogadores profissionais de videogame que participam de campeonatos com prêmios milionários. No ano passado, um brasileiro de 17 anos – Guilherme “GuiFera” – venceu o mundial de um game de futebol e recebeu US$ 200 mil. A final foi no estádio do Arsenal, na Inglaterra.

Das dez tendências tecnológicas de 2017, nove evoluíram da forma esperada – aquisição de fintechs, blockchain (que voltou à lista deste ano), inteligência artificial (presente em muitos dos itens da relação de 2018), pós-verdade, realidade virtual/aumentada (que evoluiu para a realidade mista), riscos virtuais, streaming de vídeo e substituição mais lenta de dispositivos pelo consumidor. A exceção foram os gêmeos digitais – cópias virtuais de bens físicos. O assunto continua em pauta, mas permanece restrito a laboratórios e setores industriais.

1) Blockchain

O sistema de registro de informações que está por trás do bitcoin e de todas as criptomoedas que circulam pela internet foi assunto em praticamente todos os eventos corporativos de 2017. E neste ano isso não será diferente. Presidentes, diretores, gerentes e pessoal de campo vão continuar quebrando a cabeça para entender do que se trata essa movimentação toda, enquanto fornecedores de tecnologia vão ampliar o arsenal de promessas sobre os benefícios do blockchain. Mas é preciso tomar cuidado antes de entrar nessa onda. Há muitas vantagens: as transações são totalmente rastreáveis, não podem ser apagadas e o custo de infraestrutura tende a ser menor que o de manter um banco de dados tradicional. Mas ainda existem limitações técnicas que restringem sua aplicação – o tempo de registro das informações no blockchain é de alguns minutos, e não imediato como em sistemas tradicionais, e o volume de transações que podem ser feitas simultaneamente ainda é limitado a algumas dezenas de milhares por segundo. Um uso do blockchain que ganhará força são as captações de dinheiro por meio de Ofertas Iniciais de Moedas (ICO, na sigla em inglês). Sobre o bitcoin, a única certeza é que haverá ainda mais altos e baixos.

2) Chatbots
As assistentes virtuais pessoais são o exemplo mais conhecido de chatbots – robôs digitais que conversam com as pessoas, como a Siri, da Apple; a Cortana, da Microsoft; a Alexa, da Amazon; e o Google Assistente. A projeção da Tractica, de pesquisa de mercado, é que o número de usuários desses sistemas vai aumentar de 710 milhões no mundo em 2017 para mais de 1,8 bilhão em 2021, com receita estimada de US$ 15,8 bilhões nesse ano. Mas isso é só parte desse movimento. Um número crescente de companhias passou a adotar chatbots para reduzir custos com pessoal e acelerar o atendimento a seus clientes. Pode ser um robô que lembra o consumidor de que ele está devendo uma conta ou que facilita um pedido de compra. E isso via telefone ou nas redes sociais. Os chatbots usam o aprendizado de máquina, ou seja, dialogam melhor com as pessoas à medida que interagem com elas. Mas ainda há resistência aos robôs na hora de falar com as empresas. Segundo levantamento da Amdocs, fornecedora de software e serviços, 38% dos consumidores brasileiros interagem com agentes virtuais pelo menos uma vez por semana: 42% deles por achá-los mais convenientes e 37%, mais rápidos. Mas 52% diz que o faz por não ter outra saída.

3) Fintechs

Antes vistas como possíveis destruidoras dos bancos tradicionais, as startups de serviços financeiros, ou fintechs, agora vivem um momento de harmonia com essas instituições. E a tendência é que a relação entre as partes se estreite ao longo de 2018. Isso se dará, em grande parte, por meio do conceito de “open banking”, ou banco como serviço. Isso significa permitir que terceiros possam desenvolver novos aplicativos e serviços para atender os clientes de uma instituição desde que cumpram uma série de regras pré-definidas. No jargão do setor, são as chamadas APIs abertas. É o que já fazem empresas de tecnologia como Facebook, Google e Microsoft. Em grande medida, essa abordagem dá a essas companhias a capacidade de estar sempre “antenadas” com os últimos anseios e tendências. Afinal, não dá pra fazer tudo sozinho. O Banco do Brasil e o Original já abraçaram o modelo, enquanto Santander, Bradesco e Itaú têm trabalhado com esse conceito internamente, embora ainda não tenham tomado a decisão de colocar o bloco na rua. A PSD2, lei da União Europeia que obriga bancos a abrirem seus sistemas e que entra em vigor neste mês, pode ser o empurrão que faltava.

4) Nanomedicina

Que tal miniaturizar um grupo de cientistas, colocá-los em uma nave microscópica e injetá-los no corpo humano? Essa premissa, do filme “Viagem Fantástica”, de 1966, pode parecer absurda, mas avanços recentes da medicina mostram uma rápida expansão no uso de nanopartículas para tratar de doenças como câncer, diabetes e alzheimer, entre outros problemas. A corrida é para criar nanorrobôs – nanômetro é o bilionésimo do metro – para identificar doenças e carregar remédios eficazes para dentro do organismo. Não é só um avanço para o bem-estar das pessoas. Também é um negócio de grande potencial. A expectativa da consultoria americana BCC Research é que o mercado de nanopartículas, avaliado em US$ 26,9 bilhões em 2014, chegue a US$ 79,8 bilhões no ano que vem. Semanas atrás, o FDA, órgão que regula alimentos e remédios nos EUA, aprovou a primeira pílula digital. O medicamento traz embutido um sensor que é ativado dentro do corpo humano, no qual permanece. Toda vez que a droga é ingerida, o sensor emite um sinal. Destinado a pacientes de esquizofrenia ou bipolaridade, a pílula ajuda médicos e familiares a garantirem que o remédio está sendo tomado regularmente.

5) Novas carreiras

Responda se puder: o que faz um banqueiro de criptomoedas? E um designer de órgãos humanos? E o que dizer de um organizador de crowdfunding? Não se intimide se nunca ouviu falar de nenhuma dessas profissões. Muitas só surgiram recentemente – e ainda nem se sabe se vão se firmar ou serão conhecidas por esses nomes. O aparecimento de tantas carreiras inusitadas é resultado da evolução tecnológica e das mudanças de comportamento. Como muitos modelos de negócio ainda estão em construção, é difícil saber que habilidades serão necessárias, como formar os profissionais adequados e onde recrutá-los. Criptomoedas, por exemplo, é dinheiro virtual como o bitcoin. À medida que ele se dissemina e passa a ser regulado serão necessários especialistas em tecnologia que também conheçam a fundo como funciona um banco. No medicina, espera-se que os cientistas sejam capazes de criar órgãos humanos para transplantes, com tecnologias como a impressão 3D. A combinação exigida nesse caso é de conhecimentos médicos com novos meios de produção. Já o organizador de crowdfunding cria campanhas bem-sucedidas para levantar recursos coletivamente. E essa é só uma pequena parte das ocupações que estão por vir.

6) Nuvem

Amazon Web Services (AWS), Microsoft, Google e IBM têm travado uma batalha ferrenha pelo mercado de serviços de computação em nuvem oferecidos a empresas a partir de gigantescos centros de dados construídos por elas mesmas – a chamada nuvem pública, um mercado que chegará a US$ 306 bilhões em 2018 e passará de US$ 410 bilhões em 2020, segundo a empresa de pesquisa Gartner. Mas o quadro de competidores vai ganhar novos nomes neste ano. Em novembro, a também americana Oracle anunciou a emissão de quase US$ 10 bilhões em títulos de dívida com vencimento em 2026. A expectativa é que o dinheiro captado seja usado para financiar a construção de novos centros de dados ao redor do mundo, de onde ela oferecerá seus sistemas no modelo de nuvem. Correndo por fora está o gigante chinês do comércio eletrônico Alibaba, com sua Alibaba Cloud, ou Aliyun. A companhia, que é líder no mercado chinês, está ampliando rapidamente sua presença fora de seu país de origem e já tem 16 centros de dados espalhados pelo mundo, sendo dois nos EUA. A empresa já andou sondando o mercado brasileiro e a expectativa é que possa fazer alguma incursão na América Latina em 2018.

7) Privacidade

No dia 25 de maio, entrará em vigor o Regulamento Geral de Proteção de Dados, ou GDPR, na sigla em inglês, um novo conjunto de leis de proteção à privacidade de dados na União Europeia. O texto, aprovado em abril de 2016, substitui a Diretiva de Proteção de Dados e se aplica tanto a empresas europeias quanto a companhias de outros países que tenham acesso a dados digitais de cidadãos europeus. Por dados, o GDPR classifica toda informação que possa ser usada para, direta ou indiretamente, identificar uma pessoa – nome, foto, endereço de e-mail, informações bancárias, postagens em redes sociais, informações médicas ou endereço IP. Vazamentos de dados que possam trazer riscos às pessoas devem ser informados a elas imediatamente e notificados às autoridades em no máximo 72 horas. A empresa que não cumprir as determinações do GDPR pode ser multada em até 4% de seu faturamento global. No Brasil, a Lei de Proteção de Dados Pessoais, proposta em 2016, continua em tramitação na Câmara. Havia uma expectativa de o texto ir a sanção presidencial em 2017, o que acabou não acontecendo. Com o calendário eleitoral e todo o debate em torno da reforma da previdência, é quase impossível imaginar que o assunto vá caminhar em 2018.

8) Publicidade

Google e Facebook respondem por mais de dois terços do mercado mundial de publicidade na internet, e essa fatia tem crescido. Mas isso não significa que tudo está bem entre essas empresas e os anunciantes. Cortes de verbas por parte de grandes marcas e um clamor por mais transparência e melhores indicadores para medir a efetividade dos investimentos são algumas questões que surgiram nos últimos dois anos e vão continuar a influenciar o mercado. Na busca por melhores resultados, o uso de ferramentas que permitam criar mensagens personalizadas em larga escala e a demanda por formatos de anúncios diferentes dos tradicionais banners será cada vez maior. No mundo das agências, a adaptação do modelo de negócios ao novo cenário continuará pressionando o resultado financeiro. A competição com as consultorias vai aumentar à medida que essas empresas reforçam sua oferta de produtos por meio de aquisições, como tem feito a Accenture, e contratam executivos do mercado de publicidade. A agência Dentsu Aegis estima que o mercado mundial movimentará US$ 563,4 bilhões neste ano, um crescimento de 4,3%, impulsionado pela Copa na Rússia, pelos jogos de inverno na Coreia do Sul e pela eleição para o Congresso nos EUA.

9) Realidade mista

É a combinação entre duas tecnologias: a realidade virtual e a realidade aumentada. Na primeira, o usuário trafega em um mundo fictício, 100% criado por computador, com o uso de dispositivos parecidos com óculos ou capacetes. A experiência é interativa se forem usados acessórios como luvas que detectam movimentos. Na realidade aumentada, objetos virtuais são projetados sobre um cenário real e podem ser vistos na tela de um celular ou tablet, mas sem interação. O exemplo mais famoso é o jogo Pokémon Go, da Nintendo. Com a realidade mista ou híbrida, a ideia é aproveitar o melhor de ambas as tecnologias – criar objetos virtuais que possam ser manipulados. A Microsoft projeta um ambiente em que diversos softwares poderão ser usados ao mesmo tempo, com óculos especiais. Imagine que você está no escritório e, com um toque das mãos, abre um serviço de mensagem por vídeo, que flutua no ar, para falar com seus filhos. Em outras telas, confere seus e-mails ou vê a previsão do tempo. A companhia lançou, no ano passado, uma atualização do Windows para que desenvolvedores criem programas compatíveis. Outras gigantes, como Google e Apple, têm seus próprios planos para levar variações da tecnologia a seus aparelhos.

10) Regulamentação de serviços digitais

A economia compartilhada colocou vários setores de cabeça para baixo. O Uber tornou-se um dos principais serviços de transporte de passageiros sem ter frota própria e o Airbnb fez algo semelhante no mercado de hospedagem sem construir sequer um hotel. Nos últimos tempos, porém, as autoridades reguladoras passaram a observar com mais cuidado essas iniciativas. Em dezembro, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que o Uber não era apenas um serviço de intermediação, como queria a companhia, mas uma empresa de transporte. A decisão abriu espaço para que os 28 países do bloco imponham mais regras à empresa. No Brasil, o Senado suavizou, em novembro, um projeto que viera da Câmara e impunha restrições aos serviços de carona, como a exigência de licença municipal. O projeto voltou à Câmara. Há uma forte pressão dos motoristas de táxi para que esses serviços sejam limitados, o que é especialmente sensível em época de eleições. Mas o Uber diz ter 17 milhões de usuários ativos (pelo menos uma chamada por mês) no país. Além disso, o número de motoristas saltou de 50 mil para 500 mil entre 2016 e o ano passado. E muitos são profissionais que perderam o emprego e também vão às urnas.

FONTE: VALOR ECONÔMICO