Sucesso de TikTok e Shein inspira startups chinesas a buscar crescimento no exterior

Alguns dos maiores grupos do país tentam ocultar suas raízes, usando Cingapura como uma “lavanderia”.

As plataformas de comércio eletrônico Shein e Temu estão inundando os Estados Unidos com vestidos de US$ 7 e mochilas de US$ 3 provenientes de fábricas da China continental — Foto: Justin Chin/Bloomberg

A empresária de tecnologia Rosie Zhang está apostando que a reabertura das fronteiras da China para o mundo impulsionará o crescimento de sua startup. “Agora podemos sair e vender”, diz ela, depois de três anos durante a pandemia que ela passou atraindo clientes e ensinando-os como usar a tecnologia de automação de varejo de sua companhia por videoconferências a partir de Xangai.

Zhang faz parte de um número crescente de fundadores chineses de empresas de tecnologia que, mesmo num momento de grandes tensões geopolíticas, voltam suas atenções para o exterior. O crescimento morno da economia e a competição acirrada são um dos motivos de eles estarem olhando para fora da China.

A repressão de Pequim ao setor tecnológico e a campanha de “prosperidade comum” visando os magnatas empresariais também minaram a confiança deles no mercado interno. “Os empresários chineses enfrentam uma concorrência intensa em casa e um ambiente de negócios incerto, de modo que faz sentido muitos deles estarem buscando oportunidades fora do país”, diz Huan Li, um investidor da aceleradora de startups Plug and Play.

O sucesso crescente dos principais grupos industriais e tecnológicos da China nos mercados globais também está sendo encorajador. As plataformas de comércio eletrônico Shein e Temu estão inundando os Estados Unidos com vestidos de US$ 7 e mochilas de US$ 3 provenientes de fábricas da China continental. O TikTok está monopolizando cada vez mais tempo de tela de 1 bilhão de usuários globais, enquanto as vendas de fabricantes de veículos elétricos como BYD estão empurrando a China para o topo das tabelas de exportação de automóveis.

A Cloudpick, empresa de Zhang, oferece um sistema de visão computacional que pode transformar qualquer pequena loja de conveniência em uma experiência ao estilo Amazon Go — automatizada, onde os clientes podem levar os produtos sem passar pelo caixa — para os compradores. Com 60% das 500 unidades do grupo localizadas na China, Zhang está liderando um esforço renovado para a automatização de caixas fora do país.

“A China é altamente competitiva — empresas de software e hardware precisam cortar os custos constantemente, reduzir as margens de lucro e aumentar a eficiência para continuarem sendo viáveis, mas o teste de fogo naturalmente proporciona uma vantagem quando elas entram nos mercados internacionais”, diz Zhang. “Se você consegue sobreviver aqui, pode fazer isso em qualquer lugar.”

Fundadores em centros de inovação como Pequim e Shenzhen afirmam que os clientes estrangeiros estão mais dispostos a pagar por tecnologias que acelerem seus processos ou automatizem funções. Eles também são menos propensos a regatear nos preços.

A dificuldade de vender softwares na China está em parte por trás da decisão de Allen Liu de se voltar para clientes estrangeiros com a incursão de sua empresa no “Software enquanto Serviço” (SaaS, na sigla em inglês). A plataforma online WaterWheel Network permite aos centros de dados e outros fornecer poder de computação para empresas de Inteligência Artificial (IA) que treinam grandes modelos de linguagem.

“Os clientes globais estão mais dispostos a pagar por serviços. É mais fácil”, diz ele. “Nosso antigo negócio na China não está crescendo tão rapidamente, mas é estável e nos dá a oportunidade de crescer em mercados emergentes no exterior.”

Com empresários chineses endurecidos pela batalha cada vez mais de olho no exterior em áreas emergentes como a IA, o tipo de pressão que a ascensão do TikTok colocou sobre o Facebook poderá em breve ser sentido em todo o espectro tecnológico.

Zhang diz que a Cloudpick pode oferecer preços mais baixos que os de seus principais concorrentes nos EUA e Israel. Qian Huang, fundador da Passive Edge, diz que sua startup tem uma vantagem parecida, com preços cerca de 50% menores que os de concorrentes britânicos e alemães. O grupo, que vende baterias térmicas para aquecimento, tem como alvo as vendas na Europa, onde os preços da eletricidade dispararam.

Wu Houfeng, gerente-geral da Zhengchao Electric de Shantou, diz que os preços baixos e cadeias de suprimentos localizadas ajudarão seus carregadores de veículos elétricos a ganhar uma posição no sudeste da Ásia e na Oceania, os primeiros mercados-alvo do grupo. “Nossos negócios domésticos nos permitem pagar os custos de nossa expansão internacional”, afirma ele.

Uma desvantagem que eles precisam superar é a origem chinesa em um momento de tensões geopolíticas crescentes. Li, o investidor da Plug and Play, diz que os atritos da China com o Ocidente complicaram a expansão internacional dos grupos maiores, mas isso não deverá ser tanto um problema para as startups, especialmente por elas não estarem no radar de Pequim. “Algumas pessoas acham que todas as empresas chinesas são controladas pelo governo, mas não é assim”, diz ele.

Os maiores grupos chineses, como o TikTok e a marca de fast-fashion Shein, assumiram a liderança na tentativa de ocultar suas raízes, sendo pioneiros na estratégia de usar Cingapura como uma “lavanderia”, transferindo algumas das funções de suas empresas para a cidade-estado.

O TikTok agora se autodenomina uma empresa global com sedes em Los Angeles e Cingapura. A lista em seu site na internet de nove outros escritórios globais do grupo não menciona nenhum na China, onde equipes de engenheiros, designers de produtos e pessoal operacional administram grande parte do aplicativo de sucesso.

O grupo chinês de comércio eletrônico Pinduoduo recentemente apagou menções à China de seu novo aplicativo Temu, que vende produtos baratos para os americanos. Em abril, o site do Temu apagou “Pinduoduo” e “China” da história de suas origens e agora afirma: “A Temu foi fundada em Boston, Massachusetts, em 2022”.

O TikTok afirma ter milhares de funcionários em Cingapura, incluindo seu presidente-executivo. A Pinduoduo não respondeu a um pedido para comentários.

Danny Tao, chefe da ePropulsion de Dongguan, diz que a origem na China tem vantagens e desvantagens. O fato de estar situada no coração da cadeia de suprimentos de veículos elétricos da China ajudou sua companhia a se transformar em um dos principais fabricantes mundiais de motores elétricos para barcos.

Entretanto, ser chinês também tornou as vendas no exterior mais difíceis, admite ele. “Estamos tentando construir uma marca global que não lembre as pessoas da China”, diz ele. “Não vamos negar nossas raízes chinesas. Se alguém perguntar onde nossos produtos são projetados e produzidos, vou dizer que na China, mas não há necessidade de enfatizar nossa identidade chinesa.” (Tradução de Mario Zamarian)

FONTE:

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/05/16/sucesso-de-tiktok-e-shein-inspira-startups-chinesas-a-buscar-crescimento-no-exterior.ghtml