Startups: imitação e roubo de dados levam empreendedores à Justiça

Empresários podem tentar se defender com patente, direito autoral e cláusulas de confidencialidade, mas nada disso protege contra má-fé.

Unicórnios e startups disruptivas sempre foram alvo de imitações de outras empresas. São as chamadas copycats, companhias que replicam produtos, serviços e até o modelo de negócios de outras pioneiras. Apesar de a prática ser considerada normal na indústria de inovação, há casos mais graves que ultrapassam o limite do fair play — com concorrência desleal, má-fé e obtenção ilícita de dados sensíveis para o negócio —, que têm movimentado a Justiça brasileira.

App de carona para mulheres, crianças e idosos, a Lady Driver teve problema com os próprios licenciados, que operam regionalmente. Recentemente, a startup começou a vencer alguns dos processos que abriu ainda em 2022 — mas segue com outras disputas legais de mesmo teor. A tempo, a startup conseguiu evitar a formação de uma concorrente dentro da própria operação.

“Alguns dos licenciados começaram a criar grupos de WhatsApp e a desenvolver uma plataforma semelhante nesses apps genéricos de mobilidade”, conta Gabryella Corrêa, CEO e fundadora da Lady Driver. “Eles já estavam estruturando uma segunda empresa para concorrer com a gente. Nós agimos rápido, não foi para frente e eles perderam a licença.”

A Vuxx, outra brasileira, de logística, recentemente processou a chinesa Lalamove por roubo de dados estratégicos. Segundo as informações apresentadas pela brasileira na petição, um funcionário teria baixado uma grande quantidade de dados de clientes e usado as informações para barganhar uma contratação na Lalamove — de acordo com a movimentação no computador da empresa. O TJ-SP deu ganho de causa à Vuxx, mas ainda cabe recurso da ré.

Para separar o joio do trigo: não é de hoje que existem copycats — e a imitação não é crime. É comum que empreendedores adaptem o modelo de negócios de outras startups bem-sucedidas no exterior para o mercado brasileiro, algo que começou a ser chamado de “tropicalização”. Assim como o Mercado Livre se inspirou no eBay na região ou a OLX tentou fazer o que fazia a Craigslist, empresas como Lyft, 99 ou, no Brasil, a EasyTaxi, não existiriam sem a Uber.

Até aí, faz parte do jogo. “Replicar um produto ou um serviço, com algum nível de inovação ou adaptação, é natural nesse mercado, vão se formar concorrentes. Daí a importância de inovar sempre, oferecer o melhor atendimento”, explica Orlando Cintra, fundador do grupo de investidores-anjo BR Angels. “Claro que é um caso completamente diferente quando alguém leva uma informação estratégica para fora da empresa, vira processo.”

Outra situação diferente é quando há prática ilícita, como quebra de sigilo ou má-fé. Num caso clássico, há alguns anos a série “Batalha Bilionária: O Caso Google Earth”, da Netflix, contou a história dos irmãos Winklevoss, fundadores do “Terravision”. A dupla de alemães acionou a gigante americana na Justiça, alegando quebra de patente de seu algoritmo.

“A depender do setor, cada empresa vai proteger seus ativos de alguma forma. As big techs trabalham com tecnologia, software, base de dados, ativos que se enquadram na lei de direito autoral. Já na indústria automobilística, por exemplo, há o registro de patente” explica diz Paulo Brancher, sócio da prática de Propriedade Intelectual do Mattos Filho. “Mas existem algumas coisas nesse mercado que não são passíveis de proteção prevista em lei. Nesse caso, a solução é exigir cláusula de confidencialidade. É uma tarefa difícil.”

Empreendedores em estágio mais inicial, por outro lado, podem não ter a mesma estrutura ou poder de barganha para exigir uma NDA (cláusula de confidencialidade) ou mesmo encarar a disputa judicial. Uma praxe do segmento, em associações de investidores e aceleradoras, é a redação de um código de ética e conduta que orienta os membros a tratarem como informação confidencial o que é apresentado nos pitchs.

“Existe um pacto de confiança no ecossistema, o investidor tem que estar preocupado com a própria reputação também. Do lado do fundador, eu sempre oriento a olhar referências de quem chega querendo saber mais”, emenda Cintra.

Uma das primeiras empreendedoras a explorar o conceito de femtech no país, Val Sátiro Oliveira conta que desistiu de desenvolver uma plataforma depois de fazer o pitch para as pessoas erradas. A executiva que fez carreira em multinacionais do setor e se especializou em endometriose, depois de viver uma saga pessoal com a doença, planejava lançar uma startup para dar apoio à saúde feminina e familiar para clientes corporativos.

“Na época, conversei com muita gente sobre o que eu imaginava, compartilhei com muitas pessoas meu material”, lembra, sobre o plano de negócios que montou em 2019. “As plataformas que existiam até então funcionavam num modelo de marketplace, mas a partir disso começaram a se estruturar como femtechs e a oferecer vários dos serviços que eu tinha desenhado”. Hoje, ela atua com o Interação Mulher, consultoria fundada pela executiva, que já atendeu clientes como Ambev, Carrefour e Grupo Gouveia.

FONTE: https://pipelinevalor.globo.com/startups/noticia/startups-imitacao-e-roubo-de-dados-levam-empreendedores-a-justica.ghtml