Startupbootcamp chega ao Brasil para investir em 20 mil startups lideradas por pessoas pretas, periféricas e do interior

Meta faz parte do plano global de acelerar 100 mil negócios para mudar o mundo em 10 anos. Inicialmente, R$ 10 milhões serão investidos no Brasil.

Edgar Andrade, Head da Startupbootcamp no Brasil, e Kauan Von Novack, Gestor Global da Startupbootcamp Andrea Rego Barros

A aceleradora Startupbootcamp desembarcou no Brasil com a missão de investir em 20 mil startups brasileiras, prioritariamente lideradas por pessoas pretas, periféricas e do interior, nos próximos 10 anos. A meta faz parte de seu projeto de causar um impacto no mundo, acelerando e aportando capital em empresas com potencial de solucionar os problemas endereçados pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU. Inicialmente, R$ 10 milhões serão reservados de um fundo global que está sendo captado para investir em startups brasileiras. “O fundador brasileiro não deixa nada a desejar para ninguém. O problema é o imaginário, entender que podemos competir globalmente, e ter recursos”, declara Kauan Von Novack, gestor global da aceleradora.

Para cumprir o desafio, a aceleradora está realizando encontros com agentes locais, como fundos, poder público e empresas, para estruturar um Pacto pela Educação, que tem como objetivo aumentar o acesso de pessoas com o perfil procurado à educação empreendedora. Edgar Andrade, head da Startupbootcamp no Brasil, sugeriu a medida por antecipar que haveria poucos inscritos de grupos minorizados, uma vez que o perfil está mais distante do ambiente de inovação. “Já vi muita experiência que depois precisou justificar que o projeto não aconteceu porque não apareceu ninguém. Quando Eduardo Campos foi ministro da tecnologia, diziam que no Nordeste não tem massa crítica porque os recursos ficavam em São Paulo. Isso ficou muito na minha cabeça. Vamos criar a massa crítica, então”, comenta.

Histórico

Fundada em 2010, a Startupbootcamp opera em mais de 16 países, com operações em cidades como Amsterdã, Barcelona, Berlim, Nova York, Cidade do Cabo, Dubai e Mumbai. No início de maio, a aceleradora inaugurou sua sede brasileira no Recife, dentro do ecossistema do parque tecnológico Porto Digital. O portfólio da aceleradora conta com 1.500 startups, 10 unicórnios e 40 saídas (exits). Ao longo dos 13 anos de atuação, a instituição realizou mais de 500 investimentos a partir de dezenas de fundos, sendo três deles listados na bolsa de valores.

À frente da operação desde setembro de 2022, Von Novack é brasileiro, natural de Curitiba, e abriu a sua primeira startup, uma agência de web design e social media, ainda na adolescência. Depois de formado na universidade, foi para o Vale do Silício, onde se envolveu com o ambiente de inovação para startups early stage. “Achava fascinante as empresas crescendo loucamente em poucos anos”, conta.

Mas o encantamento não durou muito. Ao lidar com as gestoras de fundos de investimentos com frequência, Von Novack foi se tornando crítico do modelo spray and pray (que prevê injetar capital em várias startups, esperando retorno de uma pequena porcentagem). Ele define a estratégia como “estúpida”. “Você pode fazer uma vez, aprender as correlações e na próxima diminuir o erro para aumentar o sucesso. Eu achava irresponsável vindo do Brasil, onde temos recursos limitados”, afirma Von Novack.

Por causa das críticas que fazia, recebeu a sugestão de conhecer os holandeses que estavam dando início ao projeto do Startupbootcamp, em 2012. Como a aceleradora ainda dava os primeiros passos e o brasileiro preferia atuar na fase de escala, ele se manteve por perto como mentor. Entre 2015 e 2016, quando a operação da aceleradora já tinha se expandido para oito países, Von Novack foi chamado para uma conversa e recebeu a proposta de entrar para o time. Durante a pandemia, aceitou o desafio de comandar o negócio globalmente.

“Eu fiz duas exigências quando aceitei a proposta: queria crescer, deixar o legado maior e transformar em uma plataforma do bem. Não queria investir em mais Amazons, Facebooks. Eles sabiam que existia uma oportunidade ao investir em impacto, mas não era prioritário. O setor de venture capital é minúsculo, investem nos mesmos perfis o tempo todo”, relembra Von Novack.

Ele contratou uma consultoria para calcular quantas startups seriam necessárias para mudar o mundo, sem a ajuda de grandes corporações e governos, e recebeu o número de 100 mil como resposta. A quantia virou a meta para os próximos 10 anos de atuação da Startupbootcamp. Com essa missão nas mãos, o executivo decidiu tirar do papel o sonho antigo de abrir uma operação no Brasil – segundo ele, as instabilidades econômicas e políticas eram impeditivas para o conselho da aceleradora até então. “Não falta startup no Brasil, falta recurso. A gente quer encontrar quem entenda de solução de problemas porque a era da conveniência acabou. Queremos dar a chance para o empreendedor brasileiro competir globalmente”, diz Von Novack.

O executivo passou a conversar com agentes dos ecossistemas das capitais do Sul e Sudeste do país e chegou a avançar nas negociações com Florianópolis, até que participou de um evento em Salvador e conheceu Andrade, empreendedor com longa trajetória nos setores de inovação e economia criativa, e atualmente CEO do Fab Lab Recife. Desencantado com o universo das startups e com o mito em torno dos unicórnios, Andrade confessa não ter dado muita atenção ao papo de Von Novack durante o painel que participavam, até que ele começou a falar da missão de acelerar e investir em empresas brasileiras, com foco em impacto, criadas por pessoas periféricas.

Quando Von Novack disse que buscava uma cidade para a sede do Startupbootcamp no Brasil, Andrade não mediu esforços para mostrar que Recife era o local perfeito: “No dia seguinte eu já liguei para João Campos (prefeito), para Silvio Meira (um dos fundadores do Porto Digital) e Pierre Lucena (atual presidente do Porto Digital)”.

Von Novack revela que Recife não estava no radar, mas a movimentação de Andrade fez com que ele mudasse de ideia. “Ele veio como um furacão. Eu converso com muita gente, de sheik a primeiro-ministro, então essas coisas não costumam me impressionar, mas a energia que senti no Recife foi mágica. Queria que fosse em um local onde as pessoas abraçassem a ideia, porque é um trabalho de formiguinha, não é sentar na cadeira Herman Miller e fazer planilha no Excel”, pontua Von Novack.

Estruturando a base

A ideia da aceleradora é instigar o mercado brasileiro a investir em startups. Para isso, a cada €1 investido, a Startupbootcamp vai aportar mais €5. No momento, a empresa busca articular parcerias locais, com fundos e o poder público, com a primeira turma de aceleração prevista para acontecer no segundo semestre deste ano.

Esses atores também estão sendo procurados para a estruturação de um Pacto pela Educação, com o objetivo de fomentar o ecossistema e a criação de negócios. “Precisamos articular um pacto nacional pela educação empreendedora para preparar as pessoas, para que tenham coragem de apresentar suas ideias de negócios no topo do funil. O desafio não vai ser vencido da noite para o dia, é um processo de médio a longo prazo de criação de comunidades empreendedoras e inovadoras. Provavelmente na primeira chamada ainda vamos ter mais pessoas brancas”, declara Andrade.

Para os executivos, ainda que a meta não seja cumprida ao fim dos 10 anos, o impacto será gerado no país com a inclusão de novos agentes no ecossistema. “É uma das minhas ambições pessoais que o próximo grande líder de uma empresa global de tecnologia seja brasileiro, periférico. Vai criar um efeito irradiador de imaginário coletivo positivo. Vamos entrar com o recurso, vamos ajudar a orquestrar o cenário o máximo que pudermos, para que a pessoa hoje entediada na escola consiga ver isso”, finaliza Von Novack.

FONTE: https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/05/startupbootcamp-chega-ao-brasil-para-investir-em-20-mil-startups-lideradas-por-pessoas-pretas-perifericas-e-do-interior.ghtml