Startup cria aplicativo com inteligência artificial para monitorar crianças e já tem 500 mil clientes

“Queremos ser o capacete digital dos filhos”, diz o criador do Bosco

Tem gente que separa trabalho e família. Não é o caso do empresário Enon Landenberg. A tela inicial de seu telefone mostra os três filhos Rory (de 15 anos), Leah (13) and Zoe (6), também presentes em fotos e mais fotos de sua página no Facebook. O laptop é coberto por adesivos com as mensagens “Eu (coração) meus filhos”, “Meus filhos detonam”, “Eu sou papai”.

No Linkedin, apresenta-se como “fundador e papai”. Não é por acaso. Hoje, o trabalho de Enon é cuidar dos filhos – os dele e os de 500 mil clientes da Bosco (incluindo 10 mil no Brasil). Ele fundou a startup em Israel em 2015 e, em 2018, recebeu um investimento série A de US$ 4 milhões.

Enon e os 25 funcionários da Bosco – todos pais ou mães – fazem um aplicativo de monitoramento de crianças. Com inteligência artificial, a plataforma analisa fotos, textos, o tom da voz, o deslocamento pela cidade e o comportamento em redes sociais. Produz relatórios diários e dispara alertas em caso de alguma anomalia. “Na nossa infância, nós andávamos de bicicleta sem capacete. As crianças de hoje, no entanto, jamais pedalam desprotegidas”, diz. “Queremos ser o capacete digital para o telefone dos filhos”. Segundo o empresário, no Brasil já é normal ter um smartphone aos 9 anos – e, em pouco tempo, será aos 6. “É a tendência mundial. Em vez de impedir, devemos monitorar”.

Por que criar um serviço de monitoramento de filhos?

Eu já tinha três filhos, o mais velho estava chegando à adolescência e eu não sabia o que fazer. Quando nós sofríamos bullying na escola, encontrávamos refúgio em casa antes de voltar às aulas, no dia seguinte. Podíamos falar com nossos pais. Hoje, o cyberbullying não dá descanso. Eu estava procurando uma solução para isso.

O mercado oferecia aplicativos de controle parental que bloqueiam o uso e a instalação de certos apps, mas você não consegue controlar esses garotos. Minha filha mais nova aprendeu a destravar a tela do celular antes de conseguir andar! A primeira língua dela é a tecnologia. Além do mais, eu não queria controlar. Espionar o telefone dos meus filhos é ruim e não adiantaria: nenhum humano é capaz de ler e avaliar o volume de mensagens que eles recebem diariamente. Então começamos a desenvolver uma solução com outra filosofia: a de filtrar as informações mais importantes. Chamamos isso de monitoramento parental.

Como funciona o monitoramento parental?

Os pais contratam nosso aplicativo por US$ 50 ao ano e US$ 5 ao mês, independentemente da quantidade de filhos. Eles e o filho instalam o aplicativo, que apresenta telas diferentes para esses dois lados. Não é um app espião, não queremos nos esconder. Queremos que os filhos saibam que estamos ali e que os pais deles se importam. Com as tecnologias mais avançadas de aprendizado de máquina e inteligência artificial, o sistema analisa todos os dados dos filhos, mas alerta aos pais apenas quando alguma atitude é necessária.

 Que tipo de análise o Bosco faz?Uma função é a cerca virtual: os pais identificam os endereços usuais e a movimentação típica. Se o filho ultrapassar esse perímetro invisível ou entrar em outra casa, disparamos um aviso. Avisamos também quando saiu da escola e chegou em casa. Isso é algo que costuma preocupar os pais: onde estão as crianças? A gente informa. Alertamos sobre a instalação de algum app inadequado à idade, como serviços de namoro. Veja bem: a gente não bloqueia a instalação, porque achamos importante o pai conversar e explicar por que certas coisas são inadequadas. Também informamos o tempo gasto em cada programa e alertamos sobre mudanças suspeitas de padrão.

O que é uma mudança suspeita?

É suspeito quando o jovem passava duas horas por dia, em alguma rede social, e de repente muda para apenas 10 minutos. Isso é estranho e merece observação. Ou quando vários colegas dão unfollow num curto espaço de tempo: em vez de ameaçar bater em você na saída do colégio, a intimidação agora é deixar de seguir. Analisamos palavras agressivas nas mensagens, sejam as enviadas ou as recebidas. Avaliamos também o linguajar e a entonação da voz nas conversas, a fim de detectar agressividade, medo ou depressão.

Como analisar o áudio das conversas, se o adolescente muda de voz e adota novas gírias quase a cada mês?

Tem razão, não é fácil. Mas recalibramos os parâmetros de voz a cada três semanas e temos uma grande massa crítica para afinar nossos algoritmos. Nosso aplicativo monitora mais de 1 milhão de adolescentes e pré-adolescentes. É bastante gente. E nós trabalhamos em parceria com empresas locais. No mundo todo, unimos forças com operadores de telefonia ou empresas de educação. Nós entramos com a tecnologia e eles, com os clientes. Para entrar no Brasil, passei dois meses afinando parcerias. Não podemos fazer isso sozinhos.

Como monitorar nudes?

Uma das grandes ameaças da internet são as nudes enviados por adolescentes. Os pais não têm noção de como isso é comum. O jovem tira fotos trancado no banheiro, sem ninguém por perto. Envia como prova de amor, para um namorado que conheceu há dois meses e com quem acha que vai se casar. Naquela hora, a pessoa não tem noção do impacto que aquela imagem pode ter em sua vida. Diante de fotos de nudez ou de violência, disparamos um alerta. Avisamos aos pais sem, contudo, mostrar explicitamente a imagem. Eles não precisam ver o filho sem roupa para saber que precisam agir.

 Como os seus filhos se sentiram ao serem monitorados?Eles são minhas cobaias, né? No início perguntaram o que era aquilo. Eu respondi, e permaneceram atentos durante as duas primeiras horas. Depois, se esqueceram completamente. Os jovens gostam de nós porque lhes damos privacidade. Somos contratados por pais que se importam e querem estar prontos para intervir quando necessário. Mas sem bisbilhotar.

Como o aplicativo mudou sua conversa com seus filhos?

Quando eu pergunto sobre certas coisas, eles já sabem que a informação veio pelo app. Então não perdem tempo tentando entender como eu sei, ou tentando negar. Também não ficam angustiados, com medo de me contar. As conversas fluem melhor, podemos nos concentrar nas implicações, nos aprendizados, em como posso ajudar, em como não acontecer de novo. É um diálogo mais maduro. Ao não se sentirem bisbilhotados, os filhos ganham confiança e maturidade. Dou a liberdade de serem eles mesmos, apenas com a minha supervisão.

Com que idade você deixará seus filhos sem supervisão do Bosco?

Dependendo da maturidade pessoal, entre 15 e 17 anos. Nunca após os 18. Enquanto ainda não percebem a diferença entre certo e errado, precisam continuar.

A partir de que idade podemos dar um celular e monitorar os filhos?

É uma questão bem complicada… Quando dez alunos na turma do seu filho já têm, é inevitável dar um também. A sensação de exclusão torna-se um problema maior do que os riscos de ter um telefone com responsabilidade. No Brasil está ficando comum a partir de nove anos. Essa idade está baixando no mundo inteiro. Acredito que, já por volta do ano que vem, as crianças terão telefones aos seis anos. Isso já acontece no Japão, em Cingapura, em alguns países da Europa. Aos dois anos, os filhos ganham um smart watch com GPS, e aos seis um telefone. As operadoras de telefonia e os fabricantes estão empenhados nisso, porque é a forma de ampliar o mercado já saturado entre os adultos.

Qual o potencial do mercado de monitoramento dos filhos?

O mercado de segurança para crianças está em torno de US$ 3 bilhões e deve chegar a US$ 9,5 bilhões daqui a quatro anos. Acredito que daqui a dois anos, um serviço como esse será quase obrigatório. Os pais estão começando a se preocupar com bullying, com depressão infantil, ao assistir programas como a série 13 Reasons Why. As escolas começam a dar aulas sobre segurança nas redes. Virou uma preocupação geral.

Qual é o risco de o servidor do Bosco sofrer um ataque hacker?

Quando você instala o aplicativo e convida seu filho, compartilha informações através do sistema operacional do seu smartphone, não com o nosso sistema. Nós não sabemos o nome da criança, telefone ou email. Nossa comunicação com os usuários é criptografada na entrada e na saída. E não ficamos com os dados: são apagados assim que produzimos as análises. Ficamos apenas com metadados.

Nosso serviço roda em servidores da Amazon, que têm unidades locais em cada mercado onde a gente atua, isso dá mais segurança. Se ainda assim alguém invadir nosso sistema, não vai encontrar nenhuma informação pessoal. Somos aprovados pela lei de proteção de dados da Europa, a mais rigorosa do mundo. Também não vendemos os dados dos clientes para nenhuma empresa. Nem metadados. Ao instalar o aplicativo, o cliente nos autoriza a analisar informações apenas para uso dele. De mais ninguém.

FONTE: PEGN