Startup ajuda a integrar alunos neurodivergentes em escolas públicas

Fundada por Carlos Moreira e Fabiana Wanderley Moreira, a Cognvox surgiu a partir de uma tese de doutorado.

Carlos Moreira e Fabiana Wanderley Moreira, fundadores da Cognvox Divulgação/ Cognvox

Em 2020, tomados pelo ócio durante a pandemia, o casal Carlos Moreira e Fabiana Wanderley Moreira resolveu revisitar a tese de doutorado da mulher, realizada há 11 anos. Sua pesquisa teve como foco pessoas neurodivergentes – neste caso, aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit da Atenção e Hiperatividade (TDAH) – ou com déficit cognitivo – deficiência intelectual, Síndrome de Down, paralisia cerebral, entre outros. Segundo eles, o estudo indicou que essas pessoas conseguem se desenvolver cognitivamente a partir de uma interação com terceiros.

Naquele momento, a dupla percebeu que ali havia uma possibilidade de negócio. Começaram a se dedicar ao projeto e desenvolveram um produto tecnológico voltado para as escolas públicas do país, com foco na integração dessas pessoas ao sistema de ensino. Assim surgiu a startup Cognvox.

“Nós contratamos um grupo de pós-doutores e doutores de pedagogia e da psicologia e empresários da área da tecnologia para transformar o método científico da minha esposa em um programa de desenvolvimento”, conta Carlos. Ele explica que, em razão da pandemia, a empresa teve um bom tempo de preparação do modelo, pois não poderia o colocar em prática, já que as escolas estavam fechadas.

O resultado das pesquisas junto aos profissionais foi um produto dividido em três pilares: uma plataforma digital, que contém atividades personalizadas para cada aluno; um curso de preparação para os professores que estarão nas salas com esses alunos; e atendimento psicológico para a família.

Batizado de Programa de Desenvolvimento Cognitivo, o modelo desenvolvido pela startup atende alunos da rede pública a partir dos dois anos de idade e é oferecido a estados e municípios, que podem contratar os serviços da edtech para atuar nas escolas da sua rede. A partir de então, a equipe da Cognvox mapeia a quantidade de alunos neurodivergentes ou com déficit cognitivo que participam do AEE (Atendimento Educacional Especializado) – um programa de inserção de alunos com deficiências no ambiente escolar.

Depois da obtenção desses números, os alunos passam por uma avaliação psicológica, para diagnosticar as áreas em que eles têm dificuldades e aquelas nas quais possuem maior potencial de desenvolvimento. “O problema da deficiência é que a gente sempre olha para o déficit. A Cognvox quer quebrar esse paradigma e também olhar para pontos com os quais esse aluno tem facilidade”, explica Carlos.

Após a avaliação, a empresa fornece um tablet para cada estudante que participa do programa, para que ele tenha acesso às atividades de desenvolvimento que serão realizadas durante as aulas especiais. “Elas são feitas em 10 formas distintas, entre jogos, dramatização, livros e filmes. Isso porque não adianta ter um formato só que esse aluno não gosta, porque ele não vai trabalhar se for assim”, explica o empreendedor.

Com a ajuda de um financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a empresa contou com o auxílio de inteligência artificial para criar essas práticas pedagógicas disponíveis na plataforma da Cognvox e o cronograma que seria seguido para aplicá-las. O projeto todo é composto por 60 temas diferentes, que são divididos em cinco anos, um a cada mês.

A capacitação dos professores, outro pilar do modelo desenvolvido pela empresa, é feita por meio de cursos remotos já inclusos no pacote contratado pelo estado ou município. Apesar disso, Carlos revela que também há um assistente, contratado pela Cognvox, presente nas salas especiais para auxiliar o aluno e o profissional quando necessário.

O empreendedor explica que o ideal seria que o acesso ocorresse não só no ambiente escolar, mas também em casa. Porém, a realidade é que muitas famílias não têm os recursos ou o tempo disponível para dar esse suporte. Pensando em fortalecer esse acompanhamento, a empresa oferece sessões de acompanhamento psicológico mensalmente. “A gente acredita que se a família não se envolverem, os resultados serão pífios”, explica o fundador.

Carlos conta que, no segundo semestre de 2021, com a reabertura das escolas, a Cognvox conseguiu testar o seu projeto-piloto com 15 alunos de uma escola em Pernambuco. Na época, eles ainda não possuíam a plataforma integrada com a inteligência artificial. Mesmo assim, os resultados positivos do projeto teste deram a eles a oportunidade dos investimentos da CNPq, do Sinepe e do Sebrae Nordeste. Mais tarde, no segundo semestre de 2022, veio o primeiro cliente: o município de Coruripe, no Alagoas.

A Cognvox já está funcionando na cidade há seis meses e abrange um total de seis escolas, 20 professores e assistentes de educação especial e 150 alunos. Apenas nos primeiros três meses de operação, foram executadas mais de 6,5 mil práticas pedagógicas e realizados mais de 200 atendimentos pelos psicólogos.

O fundador revela que, no momento, a startup está em processos de negociações com outros municípios do Alagoas, além de cidades em Pernambuco e Paraíba. Segundo ele, um desses estados também negocia a contratação do programa para a rede estadual de ensino.

Para a expansão da startup, o objetivo é focar, em um primeiro momento, na regionalidade. “A minha ideia é fazer pelo menos de 10 a 15 cases aqui antes de migrar para o Sudeste ou o Sul do país”, diz. “É fácil você fazer um negócio desses em São Paulo, no Rio, no Paraná ou até mesmo em Florianópolis, que são polos tecnológicos, mas fazer aqui não é brincadeira.” Quando esses números forem conquistados, ele acredita que o caminho para atingir um nível nacional será fácil. “Em algum momento o MEC ou as grandes empresas brasileiras vão olhar para isso”, afirma.

O empreendedor também tem planos para a internacionalização do negócio. “Nós queremos começar pelo Reino Unido, para ter uma porta de entrada para os países do mundo árabe, onde está a maior concentração de pessoas com deficiência intelectual no mundo”, diz. Segundo ele, a Cognvox já possui um sócio local que planeja um aporte de 100 mil libras quando a operação chegar ao Reino Unido.

Moreira afirma que a operação britânica será diferente, pois não terá o foco em escolas públicas. “Lá, a maior parte dessa população está em instituições privadas”, diz. Mesmo no Brasil, ele acredita que a plataforma da Cognvox tem capacidade de ultrapassar o atendimento em escolas públicas e chegar a escolas privadas, empresas e até mesmo famílias. “Mas isso será mais para a frente, com a empresa mais desenvolvida. Agora, eu tenho que focar no setor público”, conta.

Para 2023, o empreendedor projeta um faturamento de R$ 10 milhões em um cenário sem o contrato com o estado nordestino, negociado atualmente. Caso a parceria se concretize, ele acredita que o faturamento deve dobrar.

FONTE:

https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/08/startup-ajuda-a-integrar-alunos-neurodivergentes-em-escolas-publicas.ghtml