São Martinho inaugura era dos canaviais 4.0

Nos 135 mil hectares da usina São Martinho, em Pradópolis (SP), todas as máquinas e equipamentos geram dados, trocam informações e antecipam problemas

A monotonia da paisagem do canavial é subitamente quebrada pela aproximação de um drone. A máquina voadora para em um ponto aparentemente aleatório da lavoura e suas garras mecânicas soltam um copo biodegradável, que cai no solo. Dele saem algumas vespas, inimigas naturais de insetos como a broca-da-cana, no exato perímetro onde a infestação havia sido identificada por satélite, acionando um alerta para uma central de operações.

“Isso aqui é o mundo das máquinas”, afirma Fabio Venturelli, presidente do Grupo São Martinho, apontando para as plantações da usina de Pradópolis (SP) que tem o mesmo nome da companhia e que se tornou seu principal campo de experimentação de inovações.

Desde abril, quando começou a safra 2019/20, a Usina São Martinho, que é conhecida como a maior do mundo em atividade, e seus 135 mil hectares de canaviais passaram a operar sob a égide da indústria 4.0. Todas as máquinas e equipamentos em campo não apenas geram dados como estão agora conectadas a um sistema de troca de informações em tempo real por meio de uma rede própria de internet. Essa rede gera uma quantidade tal de dados, o Big Data, que é capaz de “ensinar” as máquinas a operar em campo – a inteligência artificial.

O monitoramento das operações em campo não é uma novidade absoluta no setor. Algumas empresas já têm salas de comando com operadores que acompanham segundo a segundo os trabalhos nas lavouras com dados transmitidos por satélite. A novidade no projeto da São Martinho é o uso da rede de internet, que permite a conexão das máquinas entre si e potencializa a velocidade e a autonomia dos equipamentos.

O projeto de automação da operações nos canaviais que servem à usina em Pradópolis começou a ganhar contornos mais firmes quando a empresa, em conversas com o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), acertou a criação de uma rede de banda larga privada. Orçado em R$ 60 milhões, o projeto está sendo expandido agora para as outras três usinas do grupo e deverá ser concluído em dois anos.

Mesmo estando a cerca de 40 quilômetros de Ribeirão Preto, boa parte da área da Usina São Martinho não era coberta por sinal de internet – um problema de primeira ordem para quem quer transmitir grande quantidade de dados em tempo real. A solução, elaborada em parceria com o CPqD, foi criar uma rede própria, instalando antenas repetidoras nas seis torres de monitoramento que o grupo já tinha no meio dos canaviais. As antenas transmitem dados com base na tecnologia 4G, e em uma frequência distinta da usada em outras redes, de 250 MHz, para evitar interferência.

Essa frequência permite um grande alcance do sinal com poucas torres, segundo Luís Teixeira, gerente agrícola da Usina São Martinho e responsável pelo Centro de Operações Agrícolas (COA), divisão do grupo que interpreta e gerencia os dados. A rede permite que um aparelho transmita vídeos em tempo real e com alta qualidade para uma antena a 15 quilômetros de distância; áudios, por sua vez, podem ser transmitidos com qualidade para antenas a 40 quilômetros. Segundo Teixeira, essas velocidades dependem do relevo e outros fatores, mas a empresa já chegou a transmitir dados de telemetria, o maior volume, para uma antena a 55 quilômetros.

As mudanças também estão ocorrendo dentro de cada máquina. Em parceria com a fabricante Case IH, os equipamentos fornecidos ao grupo estão recebendo computadores de bordo que captam o sinal transmitido pelas antenas. Cada máquina recebe uma espécie de “modem”, que converte o sinal das antenas para um sinal de “wifi”. Apenas os equipamentos da companhia conseguem se conectar a essa rede.

Todos os detalhes da operação da máquina entram em tempo real no fluxo de informações que chega ao centro de operações, onde um grupo de funcionários monitora os dados e o andamento das atividades. Com isso, os operadores das máquinas ficam concentrados em suas atividades, sem precisar se preocupar com o monitoramento dos dados das máquinas. E dessa forma, diz Teixeira, a análise desses dados se torna mais assertiva.

Se um sensor de uma colhedora identifica que ela está andando mais rápido que um ritmo “ótimo” – em que o consumo de diesel e o gasto do equipamento estão em ponto de equilíbrio -, a informação é recebida pelo controlador do COA, que entra em contato com o operador da máquina para ajustar a velocidade. Ou se um sensor de um caminhão registra um sobreaquecimento de uma determinada peça, o funcionário do COA conversa imediatamente com o operador e, eventualmente, ele mesmo pode desligar a máquina à distância antes dela quebrar, evitando um atraso em toda a operação em campo.

Tais ajustes em tempo real permitem uma economia valiosa de tempo. Anteriormente, conta Teixeira, a empresa captava os dados que a máquina gerava com seus sensores em pen drives e só os lia dias depois. Agora, os operadores conseguem até se antecipar a problemas. Conseguem prever, por exemplo, quando uma máquina sofrerá desgaste e qual o melhor momento para uma manutenção preventiva. Segundo o gerente, já foi possível prever com 26 horas de antecedência quanto uma máquina ia parar.

A inteligência artificial, em combinação com o uso de satélite, também pode ser usada para realizar análise de solo à distância e identificar as deficiências de cada metro quadrado. Imediatamente é desenhada uma fórmula específica de adubo para realizar a correção e, depois que a mistura e feita, a máquina que vai à lavoura realizar a fertilização é programada para realizar a aplicação na medida certa para a necessidade daquela área.

Até prevenção contra incêndio pode ser feita por inteligência artificial. A companhia está desenvolvendo um algoritmo que detecta fumaça, o que pode acionar as equipes de combate a fogo mais próximas ao local. Atualmente, as câmeras de vigilância instaladas nas torres já fazem esse monitoramento, e o cruzamento de seus dados podem gerar com precisão longitude e latitude do foco de incêndio.

Essas inovações são um grande passo para a agricultura de precisão, porque é vinculada a um grande grau de automação”, sustenta Venturelli. O próximo passo é fazer com que as máquinas no campo “conversem” diretamente com as máquinas da indústria. E já há um grande grau de integração nesse sentido.

Há um algoritmo em elaboração que aloca as colhedoras de cana conforme o ritmo da indústria. Se, por exemplo, uma esteira da usina que transporta a cana recebida sofre um problema mecânico, o que reduz o ritmo da moagem, o algoritmo pode indicar para uma frente de colheita (composta por uma colhedora e um caminhão de transporte de cana) ir a uma região mais distante, que demorará mais para colher e transportar a cana à indústria, ou para uma área onde a produtividade deve ser menor. “Assim evitamos as filas de caminhões na usina”, diz o presidente do grupo.

Todo esse esforço poupa tempo e, principalmente, recursos. O objetivo é garantir que, com a plena implementação do COA na empresa, o custo de produção caia de R$ 2 a R$ 3 por tonelada de cana colhida – o que, dentro da capacidade de moagem do grupo, de 24 milhões de toneladas, representaria uma economia de até R$ 72 milhões por safra. Mas Venturelli afirma que, nestes quatro meses, está se surpreendendo com os resultados. “É um caminho que está destravando um mundo de possibilidades.”

FONTE: VALOR ECONÔMICO