‘Safra pode ser um dos líderes no varejo’

Os avanços tecnológicos levaram o Banco Safra a ter uma nova ambição. A família Safra acredita haver uma oportunidade única para avançar pelo varejo bancário e ocupar um lugar entre os líderes. “Acredito que podemos nos tornar um dos quatro maiores bancos de varejo, um mercado do qual estávamos totalmente fora”, diz Alberto Safra, 39 anos, um dos quatro filhos do banqueiro Joseph Safra, que controla 100% da instituição. “Não acho difícil. Hoje tem Itaú, Bradesco, Santander e os bancos públicos. E precisa de mais banco nisso, falta. Temos caixa, captação, capital e produtos para isso. Acreditamos e vamos fazê-lo porque é uma oportunidade grande de se fazer”, completa.

O herdeiro, que ocupa uma das cadeiras do conselho de administração do Safra, concedeu uma inédita entrevista, em que discorreu sobre o que vai pela cabeça dele, dos irmãos e do pai quando se trata do futuro do negócio. Falou no fim da manhã de ontem, na sede da instituição na avenida Paulista, em São Paulo, acompanhado pelo presidente do banco, Rossano Maranhão.

Um passo fundamental dentro do projeto de avançar no varejo será dado em até um mês, quando a carteira digital lançada pelo banco, batizada de SafraWallet, vai ser integrada ao sistema das maquininhas de cartão da SafraPay, a credenciadora do banco.

Na prática, isso quer dizer que, no momento em que um cliente portador de cartão emitido por qualquer banco fizer uma compra em uma loja que usa uma máquina SafraPay, receberá uma proposta de desconto naquela compra ou financiamento, por exemplo. Se aceitar, automaticamente o consumidor estará abrindo uma conta digital no banco, passando a ser um cliente do Safra. “A quantidade de pessoas que transacionam por meio das máquinas é de mais de 15 milhões por semana.”

No passado, diz ele, o varejo não fazia sentido. “Teríamos que abrir agências com grande velocidade e optamos por não seguir esse caminho. Você pode perguntar se antecipamos que esse mercado iria mudar. Não. Assim como o mercado não via isso. Mas hoje é uma oportunidade”, afirma.

Alberto acredita que a baixa capilaridade do banco, que tem apenas 106 agências, se converteu em uma enorme vantagem competitiva no cenário atual. Justamente porque o Safra não precisa lidar com os custos de manter a rede de agências e nem com os desafios de ter que fechá-las paulatinamente.

A outra vantagem competitiva que enxerga é já ter toda a grade de produtos integrada para oferecer aos clientes que entram no banco. “Se você tem um banco só de captação, de investimentos, uma hora você vai querer emprestar para rentabilizar. Se você tem só financeira, vai precisar do funding. As fintechs estão abrindo banco, a XP Investimentos quer fazer empréstimo. Então, há uma necessidade de integração. Nós não temos dúvida internamente de que somos o banco mais bem colocado se você olhar essa integração entre segmentos de negócios. Não somos um banco iniciante.”

Alberto Safra traça um paralelo com a experiência do banco com o SafraPay, cujo sucesso inspirou a estratégia do varejo. “Dez anos atrás, se você queria dar um empréstimo para uma pequena empresa numa determinada cidade, precisava ter uma agência lá do lado, pegar o cheque, descontar o cheque. Era inviável. Hoje em dia, se você tem uma máquina lá, você tem o cliente dentro do banco.” Mais de 90% dos estabelecimentos comerciais que usam as maquininhas do banco não eram clientes antes. E mais de 90% desses novos clientes utilizam produtos e serviços do banco.

“No mercado de credenciamento, tem uma credenciadora que pertence a dois bancos, mas não consegue integrar 100% os produtos. Tem outra que é de um banco só, mas esse banco já tem agências, já tem um custo lá. Tem uma outra que não tem banco e está criando um banco. Então, temos o portfólio inteiro de produtos aqui dentro e não temos o custo da rede de agências”, diz ele. “Achamos que os outros bancos vão se adaptar, mas vão estar sempre correndo atrás dessa transformação porque tem que ir fechando agências ao longo do tempo”, completa.

Além do SafraWallet, outras portas para o cliente de varejo são o crédito consignado, em que o banco já tem atuado, e o financiamento de veículos. “Outra oportunidade muito grande é o modelo que a XP fez. Acreditamos que esse mercado vai continuar evoluindo e é uma porta de entrada para a pessoa física, para quem podemos oferecer os outros produtos.”

Os acionistas querem que o Safra ande rápido no desenvolvimento do open banking. “O open banking vai mudar o mercado e também é uma grande oportunidade para nós. Não preciso dar o financiamento para o cliente, outro pode dar. Um banco grande, com market share grande no varejo, tem a perder quando oferece financiamento de outros à sua base de clientes. Nós não. Esse é o dilema da modernização das coisas. Vai acontecer e é um fato. No mundo todo, o varejo já vende produto de terceiros”, afirma. A mesma lógica de “não ter nada a perder” se aplica a produtos de investimento e seguros de terceiros.

O projeto da SafraWallet rendeu divergências na família. A ideia nasceu dentro da área de pessoa jurídica do banco, que está sob os cuidados diretos de Alberto Safra. Mas há dois meses o negócio migrou para a área de pessoa física, alçada de seu irmão David, de 35 anos. “Tivemos opiniões diferentes. O David acreditava que havia interação grande com a área dele e eu acreditava que tinha interação com as maquininhas, porque todas empresas de maquininhas fizeram suas wallets justamente porque com o tempo as máquinas vão desaparecer”, diz Alberto. “Como acionistas, lavamos a roupa internamente”, diz, rindo. “Chegamos a uma conclusão e respeitamos essa conclusão. E é uma conversa que evolui e continua e é totalmente normal.”

Para o herdeiro, o “banco não é o Alberto ou o David.” “Nós quatro somos donos e cada um de nós tem uma afinidade maior com determinada área. Eu sempre segui carreira em cima de crédito, pessoa jurídica. O Jacob sempre morou fora e tem entendimento maior para a área externa. O David sempre esteve mais em cima de private, investment banking, financeira, asset management. Áreas que vêm se expandindo muito aqui.” A irmã, Ester, é a única que não participa da operação.

Joseph, de 81 anos, está afastado do dia a dia e passa a maior parte do tempo fora do Brasil, mas continua sendo o grande pilar do Safra. Todos os negócios são discutidos entre os filho e ele. “Meu pai está e sempre esteve, se Deus quiser até os 120 anos. Ele participa e nos guia e tem que ser assim”, diz.

Na primeira vez em que concedeu um crédito que resultou em perda, ainda no J.Safra, Alberto quase não dormiu. O que o pai iria dizer? “Ele me matou, todo mundo no banco. Mas depois ele me ligou, me acalmou, disse que era assim, que isso ia fazer parte. Fui atrás para recuperar o crédito, porque era minha honra. E consegui.”

Dos quatro filhos de Joseph, Alberto é apontado no mercado como o que mais lembra o estilo de fazer negócios do pai. E um dos grandes aprendizados foi o de controlar as coisas de perto.

O banqueiro incorporou o jeito peculiar de Joseph de conceder crédito, que ajudou o Safra a aumentar a carteira enquanto o mercado encolheu durante a crise. Em vez de abrir uma linha para os clientes, como é praxe entre as instituições financeiras, o banco analisa o limite a cada operação, se antecipa para renegociar ou pedir garantias antes que o cliente entre em atraso e baixa todas as operações problemáticas para prejuízo para depois tentar recuperá-las. “Na hora em que você está dando o crédito, assume que não pode ter perda nenhuma, e fazemos tudo para evitar essa perda”, diz.

O Safra encerrou o primeiro semestre com R$ 106,2 bilhões em crédito. O lucro líquido foi de R$ 1,04 bilhão entre janeiro e junho, queda de 1,6% em relação ao mesmo período do ano passado – quando, segundo Alberto, a recuperação de crédito foi maior.

A mão de Joseph está presente não apenas nos negócios, mas em todas as esferas da família. Os filhos nunca tiveram mesada. Gastavam, mas o pai costumava olhar tudo de perto para que não esbanjassem. “Uma vez liguei das férias dizendo que estava adorando e pedindo para ficar mais e ele disse: não, você volta, já aproveitou”, afirma. “Ele fez isso no banco, ele deu, e ensinou a ter, olhar e cuidar. E a mesma coisa com dinheiro, com a vida. Isso é um aprendizado grande e ele continua fazendo.”

Alberto diz esperar que consiga ensinar o mesmo a seus cinco filhos, todos ainda crianças. É cedo para saber se eles vão trabalhar no Safra, afirma, mas a preocupação em perenizar a instituição para os herdeiros é um norte para as decisões, geralmente tomadas com um olho no longuíssimo prazo. “Vemos a família continuando dona porque é bem importante e é o que meus filhos vão ter ao longo do tempo.”

Não existem nem mesmo planos de abrir o capital do SafraPay, o que pode torná-lo o único credenciador de capital fechado, diz. “A gente monta negócio para que ele tenha valor em si e não para que possa ser feito um IPO.” Segundo Alberto, o Safra até poderia atrair um sócio caso precisasse de capital. “Nunca precisou. Vejo isso como uma vantagem nossa. Não precisa vender, por que vamos vender?”, diz.

FONTE: VALOR ECONOMICO