Qual o futuro do uso da inteligência artificial no setor de saúde no Brasil?

Me lembro quando tive uma aula na faculdade de Medicina, em 1998, na disciplina de urologia. E veja bem, naquele momento o uso da inteligência artificial na área da saúde era um cenário distante, coisa de filme. O professor, então, nos perguntou qual era o sintoma mais clássico da hiperplasia prostática (aumento da próstata), desafiando toda a sala. Após inúmeras tentativas dos alunos, um tanto quanto satisfeito, o professor proclama: “Todos estão errados!” A indignação da sala só não foi maior do que a surpresa: a resposta correta é “O sinal da mão na parede, em frente ao vaso sanitário”.

Como assim? Isso não vale! Não faz parte do exame físico! Embora ele tenha explicado que, com o aumento da próstata, os homens ficam mais tempo no banheiro e acabam encostando a mão na parede em frente ao vaso para se apoiar, pareceu estranho usar este tipo de informação. O interessante é que, quando fomos testar a técnica no ambulatório mais tarde, ele estava certo.

Passados 25 anos, temos hoje a inteligência artificial, ChatGPT e seus colegas generativos em foco nos holofotes. Será que a investigação da história do paciente, a observação de hábitos e comportamentos vai desaparecer? Algo tão simples e eficaz parece não ter mais lugar em uma realidade na qual os custos de saúde estão cada vez mais elevados e com tendência a aumentar cada vez mais, quer seja pelo envelhecimento populacional ou pelo aumento da complexidade das doenças e seus novos tratamentos.

Como médico, sempre fui treinado para descobrir os sintomas das doenças, além de realizar o exame físico e, se necessário, fazer exames complementares. Em algum momento, este roteiro foi desfeito. Passamos a atender de forma muito mais rápida e a quantidade de informações passou a ser muito maior do que conseguimos lidar. Quer sejam resultados de exames, sintomas clínicos ou ruídos na história do paciente. É aí que entra a inteligência artificial (IA).

Uso da inteligência artificial na saúde

Hoje, o uso da inteligência artificial pode ser dividido em dois grandes grupos: apoio à tomada de decisão clínica e uso em ambiente administrativo. Fato bem conhecido é que, atualmente, pelo menos até o desenvolvimento mais apurado das inteligências artificiais generativas, as informações administrativas estão muito mais disponíveis para serem analisadas. No Brasil temos o sistema chamado de “fee for service”, ou seja, pagamento por procedimento realizado.

Não é objetivo deste texto discutir este modelo, mas dizer que, seguindo estas informações, podemos de forma indireta, porém muito precisa, entender a jornada de pacientes e seus riscos. Mas como utilizar melhor estas informações, geradas cada vez mais rápido e em ritmo exponencial? Em um exercício de futurologia, acredito que a inteligência artificial nos ajudará muito com isso. Não quero dizer que vai resolver todos os problemas da “modernidade líquida”, não acredito em bala de prata, embora seja um eterno otimista. A IA será utilizada, como disse Andrew Ag, “como a nova eletricidade”; isto é, estará presente em quase tudo que usamos sem percebermos.

Grande parte das doenças, para se desenvolver, precisa da bagagem genética associada a hábitos de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os determinantes sociais de saúde (DSS) são responsáveis por cerca de 70% da carga de doenças em todo o mundo. Isso significa que os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a saúde das pessoas são mais importantes do que os fatores biológicos para determinar a saúde de uma pessoa.

Vamos imaginar um cenário no qual, além dos exames e mapeamento genético conhecidos, conseguiremos analisar todos os dados relevantes referentes aos DSS, e a partir daí prever o risco de doenças. Interessante, não? Um futuro no qual a inteligência artificial consiga fazer recomendações preventivas, ou seja, antes que o paciente possa ter alterações de exames ou sentir algum sintoma.

Neste cenário fictício, a Dra. IA, estará disponível em nosso smartfone (se preferirem pode ser até em um chip implantado sob a nossa pele, ok?) e nos passará a seguinte recomendação: “Olá, senhor Alexandre, bom dia. Creio que seja melhor desmarcar as reuniões de trabalho hoje, porque pela sua alimentação dos últimos meses (analisada por dados de pagamento dos lugares nos quais você se alimenta, ou pelas compras que faz no supermercado) associado ao seu nível de stress (medido pelo smartwatch ou celular), associado ao horário e características de suas últimas publicações no Tik Tok e acompanhado de sua geolocalização, creio que existe uma chance de 98,65% de você ter uma crise de asma severa no dia de hoje (esqueci de mencionar que os dados de clima e poluição são conhecidos pela Dra. IA)”.

Neste contexto, conseguiremos identificar não apenas esta, mas uma série de outras condições de saúde que podem ser evitadas, concorda? A grande mudança que teremos será identificar as doenças ou suas crises e descompensações de forma preditiva e não após o aparecimento de sintomas. Consegue imaginar um futuro no qual unidades de pronto-socorro terão seus dias contados? O caminho com certeza ainda é longo, mas anda em uma velocidade impressionante.

Quem conseguiria imaginar que a internet mudaria a forma como vivemos e nos relacionamos no mundo inteiro? A internet nasceu na década de 1960, mas só se tornou uma ferramenta acessível ao público na década de 1980. O “www”, que tornou a internet mais acessível, foi inventada em 1990, oito anos antes daquela aula de urologia…

FONTE:

https://startups.com.br/artigo/qual-o-futuro-do-uso-da-inteligencia-artificial-no-setor-de-saude-no-brasil/