Próximo passo do Android é ir de celular a máquinas como câmeras e parquímetros, diz executivo do Google

Estátuas do Android, na sede do Google, em Mountain View (Califórnia). (Foto: Helton Simões Gomes/G1)

Hiroshi Lockheimer lembra que há dez anos acreditava que o celular já fazia mais do que o necessário. “Ele já fazia telefones, enviava mensagens e podia navegar na internet. Do que mais você precisaria?”, pergunta ao G1 o executivo do Google responsável pelo Android. Uma década após o sistema operacional surgir para dominar o mundo dos celulares, ele ainda não sabe o que mais um smartphone poderia fazer.

Por outro lado, Lockheimer diz em entrevista exclusiva ao G1 que a plataforma nascida para ser o cérebro de celulares, mas já passou por tablets, chegou a relógios, TVs, carros está dando um próximo passo: desembarcando em equipamentos conectados, como câmeras de segurança e até parquímetros.

“Eu nem consigo imaginar que tipo de aplicação não convencional as pessoas vão fazer com ele.”

O líder de plataformas do Google também falou sobre as várias estratégias da empresa ao criar diversas versões do Android para smartphones com diferentes graus de capacidade.

Depois da saída do brasileiro Hugo Barra e de Andy Rubin do Google, Lockheimer se tornou o único remanescente do trio que liderava o Android em 2008 na empresa. Para ele, a companhia tem responsabilidade de tornar seus produtos mais fáceis de serem usados em quaisquer celulares. Para muitas das 2 bilhões de pessoas em todo o mundo que usam smartphones com o sistema, diz ele, o celular é o único ponto de contato com a internet.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Lockheimer durante o Mobile World Congress (MWC) em Barcelona, na Espanha.

Você sabe quantas pessoas usam as plataformas sob sua gerência?

Nós temos alguma ideia. Para o Android, são 2 bilhões usando todos os meses.

Como você consegue dormir sabendo que se você mudar qualquer botão poderá deixar muita gente brava?

[risos] É uma responsabilidade, mas a boa notícia é que temos um time de pessoas que está fazendo isso já há muito tempo e tem muita experiência nisso.

Esse ano é o décimo do Android. Nesse período muita coisa mudou. Nosso primeiro aparelho foi um da HTC, de 2008. Naquela época, era um celular de ponta, mas hoje seria só um dispositivo de entrada. Ao chegarmos a 2 bilhões de pessoas, sinto que nossa responsabilidade é que a primeira vez de muitas delas na internet é usando um celular. E a experiência tem que ser incrível, porque muitos desses dois bilhões usam celulares simples. E nós achávamos que poderíamos melhorar o sistema operacional, fazer aplicações mais suaves e os games mais divertidos.

Por outro lado, vocês têm o Android One…

O Android é uma combinação de muitas estratégias. Para cada mercado, país, segmento de preço e fabricantes, temos nossas próprias estratégias e melhores jeitos de chegar aos consumidores.

Com o Android One, queremos garantir que os consumidores que ligam mais para atualizações, segurança, e para a experiência do Google, saibam quais aparelhos comprar.

 Eu acho que sim, acho que sim.

E qual seria?

Sabe, se você tivesse me perguntado há dez anos qual seria o próximo recurso, eu não saberia. Naquela época, ele já fazia telefonemas, enviava mensagens e podia navegar na internet. Do que mais você precisaria? Mas, Uau, notamos que com o GPS você poderia adicionar o Google Street View e, se colocasse LTE [a tecnologia do 4G], o celular ficaria mais rápido. Todas essas coisas aconteceram sem que pudéssemos prever. É isso que faz a coisa divertida.

A gente falou das plataformas que você gerencia, mas o que você acha do assistente Google?

Eu acho que o Assistente Google já é, em muitos sentidos, uma plataforma. Ignore quem o gerencia. Antes de tudo, ele se conecta a outros serviços, o que, por definição, já faz dele uma plataforma. Nos EUA, por exemplo, você pode pedir pizza, checar o clima, pedir um táxi. Os desenvolvedores podem ainda se conectar a ele, que também roda em muitos dispositivos, não apenas no [alto-falante Google] Home, mas em smartphones, caixas de som e até em telas inteligentes.

O Assistente Google começou dentro do allo, mas depois de algum se tornou uma plataforma independente e presente em muitos lugares. Quanto tempo vai levar para ele canibalizar o Android?

Eu não sei, mas não penso nisso agora. Eu sinto que o Assistente é uma plataforma popular e bem sucedida, assim como o Android. Eu acho possível múltiplas plataformas coexistirem e trabalharem juntas, porque elas também servem a propósitos diferentes e atendem a diferentes necessidades.

Ao conectar serviços, à exemplo de YouTube e Maps, o Google Assistente funciona como pontes que ligam cidades. Mas, à medida que cresce ao redor dessas ferramentas, ele não pode vir a ficar muito maior do que essas “cidades” e acabar engolindo tudo?

Pode ser. Nos celulares, as aplicações são um exemplo dentro do Android do que você chamou de cidades, que são conectadas por essas pontes que cruzam tudo. Para mim, é o mesmo conceito.

O Assistente também precisa de alguns tipos de plataformas sobre as quais rodar. Ele, por si só, também precisa de um sistema operacional. Para mim, essas coisas não entram em conflito. Elas podem ser construídas umas sobre as outras e ajudar umas às outras.

O Android já está em celulares, tablets, carros, relógios e TVs. Onde mais falta o Google colocar o Android?

Há relógios, TVs, carros, e mais recentemente os dispositivos de Internet das Coisas. Esses são novos. O Android Things é a verão para diferentes tipos de aparelhos. Um exemplo é o que a gente mostrou na CES: as telas inteligentes rodam com Android Things dentro, mas com o Google Assistente em cima. Eu acho que vamos ver cada vez mais aparelhos assim. E o interessante é que os consumidores não precisam saber que tem um Android lá dentro, é um detalhe técnico.

Vocês pensam em transformar o Android em uma plataforma que rivalize com gigantes da indústria em Internet das Coisas?

Nós não decidimos isso e, sim, os fabricantes. Eu vou te dar outro exemplo. Se companhias que fazem parquímetros em cidades de todo mundo optarem por usar Android Things, ok. Ninguém anunciou nada ainda, mas estamos conversando com muitos países e diferentes indústrias, como fabricantes de máquinas industriais e, obviamente, com fabricantes de dispositivos de consumos, como essas telas inteligentes, roteadores e câmeras de segurança. Há vários usos.

A razão para gostarem é porque os desenvolvedores já conhecem o Android, o que torna mais fácil usar o Android Things. Isso ajuda empresas a reduzir os custos, porque não precisam treinar esses profissionais.

O outro ponto é que disponibilizamos no Android Things tecnologias que podem ser úteis. Em câmeras de segurança, por exemplo, não é preciso saber que roda Android, mas ela tem “aprendizado de máquina”, visão computacional e tecnologias na nuvem do Google. É por isso que ele está se espalhando.

A abrangência do Android também chamou a atenção de legisladores. A União Europeia abriu uma investigação contra o Google pela suspeita de que a empresa usa o Android para abusa de seu domínio nos celulares para impulsionar muitos de seus serviços e, com isso, minar a competição de outros rivais.

Como você sabe, a investigação já está ocorrendo há algum tempo e ainda está em curso.

Mas a UE determinou recentemente que a investigação seja oficializada.

Mas ainda está em curso. Nós respeitamos a Comissão Europeia, respeitamos o processo deles. E seja lá quais perguntas façam, vamos respondê-las. Esse é o processo para o Android. Mas eu vou dizer, e esse é o ponto que apresentamos a eles, que sentimos que geramos muita inovação e muita competição.

Falando desse contexto europeu, há muitas companhias europeias que nós possibilitamos que criassem seus negócios, criassem empregos, criassem tecnologias e inovação, baseadas no Android. Nós permitimos a criação de parquímetros, sistemas de interatividade, smartphones. E todas essas coisas ajudaram a criar empregos. E competição também, porque muitas empresas passaram a competir nessas áreas. Sentimentos fortemente que o Android ajudou. E essa é basicamente a conversa que estamos tendo com a Comissão.

No passado, os celulares só faziam ligações, mas, hoje, fazem uma conecção com o mundo. Só que cada vez mais todo tipo de dispositivo está ficando conectado e respondendo a comandos de voz. Nesse contexto, qual o futuro do celular? Ele ainda vai existir no futuro?

Eu não sei, mas acho uma boa pergunta. As pessoas costumam me fazer a pergunta inversa, se talvez no futuro não vai haver mais TV ou controle remoto, já que você faz tudo com o celular. Eu também não acredito nisso, porque, como dispositivo, a TV é ótima. Às vezes você só quer sentar no sofá e assistir em uma tela grande. Múltiplos dispositivos podem coexistir.

A mágica dos celulares é que eles são pequenos e você pode carregá-los no bolso. E o que faz dele único é ter boa bateria, sistema operacional e conectar à internet. Imagine isso indo embora. Mas acho que o formato vai mudar, assim como o tamanho e a tecnologia. Teremos baterias com vidas úteis maiores. Se hoje elas duram um ou dois dias, no futuro, eu espero que cheguem a uma semana, um mês. Eles serão dobráveis também. Dez anos atrás, se alguém me falasse que haveria telefones curvos, eu acharia que isso é loucura ou impossível.

FONTE: G1