Proptechs surfam na digitalização do mercado imobiliário

Mercado imobiliário já possui algumas soluções, mas ainda tem muito espaço para a criação de novas startups
Por Marina Hortélio

A digitalização do tradicional mercado imobiliário abriu portas para novas oportunidades e experiências no setor. O cliente já pode fazer um tour virtual para conhecer um apartamento e um algoritmo é capaz de ajudar a escolher a casa que mais se encaixa no perfil do comprador. No Brasil, as Proptechs são uma peça importante para a inovação do setor e devem continuar a crescer – em quantidade e volume de investimento. Especialmente, com o salto de adoção de tecnologia gerado pela pandemia.

Mesmo com a aceleração da adoção de tecnologia, o setor imobiliário ainda está atrás de outros mercados, como o dos bancos, quando se trata de digitalização. Por isso, a aplicação de soluções tecnológicas traz muito retorno e o número de startups imobiliárias só cresce. Mesmo ferramentas básicas ajudam a reduzir algumas dores. De acordo com o Mapa de Construtechs e Proptechs 2021, da Terracotta Ventures, existem 839 startups ativas atuando ao longo de todo ciclo de projetos, construção, aquisição e propriedades em uso – um aumento de 235% nos últimos 5 anos.

Na análise do managing partner da Terracotta Ventures, Marcus Anselmo, os investidores perderam o medo de investir em startups do mercado imobiliário, que são ligadas a ativos físicos, ao perceberam as oportunidades criadas pela entrada da tecnologia no setor. Segundo o “Inside Venture Capital Report”, do Distrito, o setor de Real Estate foi o segundo mais aquecido do primeiro semestre de 2021, com um volume de investimento de US$ 829,4 milhões em 11 deals.

“O mercado de Proptechs vem crescendo a uma taxa significativa e os investidores vêm acompanhando isso. Hoje, todos os grandes Venture Capitalists do Brasil têm Proptech na composição da carteira. Os investidores entenderam que o atraso tecnológico é uma vantagem porque é possível gerar muito ganho com pouca tecnologia. Temos um volume de ativos grande e um potencial de crescimento gigantesco”, afirma Anselmo.

O mercado está em amadurecimento, mas ainda existe espaço no Brasil para novas soluções. O CEO da Proptech Yuca, Eduardo Campos, acredita que o setor explorou apenas uma parte do seu potencial. Para ele, algumas áreas ainda carecem de mais soluções: software de gestão de propriedade, produtos de dados e financiamento.

“A gente andou por um tempo a passos curtinhos e está começando a dar passadas mais largas. Por isso que ainda é o comecinho desse ecossistema, mas o nível de qualidade dos modelos de negócio, dos empreendedores, de sofisticação de operação e do pensamento de como escalar o negócio rápido está mudando muito rapidamente”, pontua Campos.

Novos modelos de negócio
O managing partner da Terracotta Ventures vê que existem ondas com a criação de novos modelos de negócio no setor. Há quem diga que estamos na terceira geração de Proptechs. A recém-investida EmCasa é apontada como uma das integrantes desse novo grupo de empresas por apostas na soma do uso de tecnologia com a contratação de corretores fixos e bem treinados.

“O EmCasa e outras empresas têm modelos de negócios diferentes das startups que estão no mercado há mais tempo. No nosso caso, é muito forte essa combinação da tecnologia com assessoria com o time que vai realmente entender a dor do cliente. A tecnologia por si só resolve muitas das coisas, mas você precisa da assessoria. A gente se enxerga como desafiante nesse mercado. Nosso modelo é muito bom para o cliente e o que importa é a opinião do próprio cliente”, afirma o fundador e CEO da EmCasa, Gustavo Vaz.

Com um aporte de R$ 110 milhões, liderado por Globo Ventures, Igah e Flybridge, a EmCasa quer ampliar o time de tecnologia e expandir a sua atuação – atualmente, ela atua em quatro cidades dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Além da fase de compra e venda dos imóveis, a startup ainda oferece facilitação de crédito e serviços jurídicos.

“Vamos pegar nosso modelo e expandir. Esse crescimento tem muita coisa embutida, como aumentar nosso time de especialistas em vendas e trazer mais proprietários de imóveis e mais compradores. Ainda vamos usar esse investimento na tecnologia, trazendo mais desenvolvedores para continuar melhorando não só os sistemas que a gente já tem, mas também desenvolver outros sistemas que vão ajudar essa parte de compra e venda”, explica Vaz. Ele ainda pontua que o mercado tem muito espaço para crescer.

A EmCasa reinventou o papel do corretor de imóveis, que ainda era muito analógico e tradicional. Esses profissionais trabalham com o apoio de duas tecnologias proprietárias: o Garagem e algoritmos matemáticos de recomendação. Ainda é usado o tour virtual 3D durante o processo de transação do imóvel.

“O Garagem é um sistema de gestão de atividades com inteligência artificial. A IA é usada para coletar dados, analisar as implicações das ações na satisfação do cliente e tomar melhores decisões. Isso retroalimenta o sistema para apontar quais deveriam ser os novos padrões daqui pra frente”, explica Vaz. “A gente também tem um algoritmo de recomendação de imóvel, outro algoritmo para escolher o melhor corretor para cada comprador, tem outro que faz a precificação dos imóveis”, completa. Na empresa, os corretores são chamados de especialistas de vendas.

No final das contas, todas essas soluções da EmCasa tem o único objetivo de tornar o processo de compra de imóveis agradável, eficiente e seguro. Na Yuca, o consumidor também é o centro da equação e o CEO da startup acha que não poderia ser de outro jeito: “Nenhum empresa pode pensar em ter sucesso se não for quase que obcecada com com a dor do cliente e como resolver isso. Um dos nossos valores é encantar o cliente”.

Nesse sentido, Campos vê que uma leva de empresas que trouxe mais digitalização para o setor, mas tem surgido um novo grupo que se preocupa em atender as demandas dos clientes nas jornadas online e offline. Na Yuca, a preocupação com a experiência está desde a a escolha do apartamento que será comprado pela empresa, passando pelo dia a dia nas unidades geridas pela Proptech até o dia da mudança do cliente para outro imóvel.

“Nos Estados Unidos, todo prédio de locação tem um gestor profissional. No Brasil, as pessoas não se dão conta que um edifício pode ser muito bem gerido e pode dar um retorno financeiro melhor pro investidor, um custo mais baixo e uma experiência muito melhor para o morador. Quase ninguém pensa na melhoria da rotina do inquilino”, afirma Campos.

A Yuca começou no nicho de coliving, oferecendo apartamentos compartilhados, e agora expande a atuação para o aluguel de apartamentos individuais e prédios inteiros. Ao mudar a relação entre locador e locatário, a empresa transforma a moradia em um serviço, o que é uma tendência no setor, segundo relatório “Real Estate Predictions 2021”, da Deloitte.

Em junho, a startup recebeu um aporte de US$ 10 milhões liderado pelo fundo Monashees. A partir do investimento, a Yuca ainda amplia sua célula de mercado de capitais, nesse segmento, uma das atuações é a gestão da carteira de imóveis dos clientes da Blackbird

Campos acredita que, com as novas facilidades trazidas pelas Proptechs, o consumidor eleva a expectativa por mais facilidade e transparência. Empoderar o comprador do imóvel por meio de tecnologia e um time de talentos é um dos objetivos da startup Kzas Krédito, que oferece assessoria de crédito imobiliário totalmente digital.

“O mercado imobiliário brasileiro precisa de uma mudança. A gente precisa fazer com que a experiência de compra e venda seja muito melhor do que é. Comprar e vender imóvel tem que ser uma experiência similar a da Amazon”, afirma Eduardo Muszkat, Head de crédito para incorporadoras e co-fundador da empresa.

Roberto Nascimento, Head de crédito para imobiliárias e co-fundador da Kzas Krédito, complementa que o mercado imobiliário ainda está na “rabeira da tecnologia”, mas a startup traz novas soluções, como a Inteligência Artificial, para dar agilidade ao processo de financiamento que ainda é pouco automatizado.

“A gente faz checagem de documentos e obtém a informação do documento automaticamente. Essa parte onde tinha muito trabalho braçal a gente automatizou. Às vezes, a barreira é muito cultural”, afirma Nascimento. “Acontecia de uma assessoria de crédito ser melhor remunerada por um banco e forçar o financiamento com essa instituição. Como a gente não tem isso, mostramos as condições de cada banco. O cliente pode avaliar a melhor opção, o que traz transparência e empoderamento”, complementa.

Pandemia
A digitalização é um caminho sem volta. Segundo a 4ª rodada da “Pesquisa da Influência do Coronavírus no Mercado Imobiliário Brasileiro”, realizada pela DataZAP+, 30% dos compradores e locatários fizeram um tour 360º dos imóveis, enquanto 65% visualizaram fotos profissionais dos imóveis.

O levantamento ainda aponta que os profissionais do mercado imobiliário devem manter as ferramentas digitais mesmo após a pandemia: 64% vão seguir ampliando a disponibilidade de mais opções de imóveis nos portais e/ou sites próprios e 53% vão continuar a usar videochamadas e a assinatura de contratos digitais.

O relatório “Year-end 2020 Global Proptech Confidence Index”, da Metaprop, uma firma de Venture Capital especializada no setor, confirma a aceleração da digitalização ao indicar que 94% dos investidores acreditam que a pandemia vai acelerar a adoção de PropTech no setor imobiliário.

Agora, as empresas devem acompanhar a digitalização para não perderem clientes para as startups. O CEO da EmCasa acredita que o comportamento do cliente já foi alterado e os compradores e vendedores de imóveis não vão mais se adaptar aos serviços amplamente analógicos.

“A expectativa dos compradores e vendedores de imóveis também seguiu nesse caminho da digitalização. Ninguém mais quer fazer visita por desencargo de consciência, sendo que existe o tour digital”, argumenta Vaz.

Na visão do managing partner da Terracotta Ventures, a pandemia não só acelerou a adesão de tecnologia no setor imobiliário, mas também, ao digitalizar o mercado, permitiu que as empresas entendessem melhor o cliente por trazer métricas que podem ser analisadas.

“O que houve com a pandemia foi uma adoção de tecnologia em um mercado que estava atrasado. Nunca antes foi possível entender em escala metrificada o comportamento do comprador e essa mudança tende a alterar todo o processo de vendas. A gente vai ver uma revolução do mercado imobiliário equivalente a do mercado publicitário nos últimos 10 anos, que deixou de falar de peça para falar de métrica e número”, explica Anselmo.

Até a precificação dos imóveis deve ser impactada pela digitalização, já que os dados passarão a ser agregados e o mercado deixará de depender do preço anunciado. “O mercado é baseado na assimetria da informação e, consequentemente, é ineficiente. Com o rompimento dessa barreira, vamos saber exatamente o valor do imóvel e acaba o poder de barganha do corretor, ai ele vai ter que passar a trabalhar em eficiência e atendimento”, afirma o managing partner da Terracotta Ventures.

Com o coronavírus, foi repensado o espaço da casa, o que reverberou na cadeia de suprimentos da construção civil, desde material de construção até itens de decoração. O argumento de Anselmo é que a demanda fez com que mais empresas buscassem reunir as ofertas de produtos do setor em plataformas digitais e automatizadas. A partir desse movimento, será mais fácil fazer mudanças na residência. Um exemplo da importância dos agregadores digitais no setor é o site de venda de artigos para o lar MadeiraMadeira, que virou um unicórnio em 2021.

“Com essa cadeia de suprimentos melhor estrutura, começa a fazer mais sentido o empreendimentos multifamily americano no Brasil, porque fica mais mais fácil gerir unidades de locação em escala. É melhor contratar de forma agregada”, explica o managing partner da Terracotta Ventures. Com isso, as imobiliárias também têm se acoplado a startups para oferecer experiências para o cliente, que já demanda um atendimento melhor.

Em resumo, Anselmo aponta que a pandemia rompeu a barreira da digitalização, o que vai gerar mudanças intensas no mercado em até 7 anos, quando deve se estabilizar.

FONTE: https://theshift.info/hot/proptechs-surfam-na-digitalizacao-do-mercado-imobiliario/