Principais desafios tributários do ambiente de Internet das Coisas

Este é o quinto artigo da série que discute os principais desafios envolvendo o Direito da Internet das Coisas ou “IoT”, elaborado com amparo nos estudos realizados pelo Consórcio formado por McKinsey & Company, Fundação CPqD e Pereira Neto | Macedo Advogados, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)i. Neste artigo trataremos dos principais desafios que o IoT impõe ao sistema tributário.

O IoT apresenta um novo tipo de paradigma tecnológico e econômico e, como sempre se observa nessas situações inovadoras, o direito tributário por vezes não está suficientemente munido de todas as ferramentas necessárias para solucionar as demandas e discussões jurídicas que as transações em ambiente de IoT podem apresentar.

Nesses casos, algumas regras do direito tributário precisam ser adaptadas para garantir uma adequada compreensão dos eventos tributáveis, da competência para sua cobrança e, em seguida, da base de cálculo e alíquotas a serem adotadas, possibilitando-se uma tributação que, a um mesmo tempo, seja amparada na efetiva capacidade contributiva dos contribuintes envolvidos e permita a cobrança tributária eficiente sobre os eventos econômicos e jurídicos relacionados a essa nova realidade dos fatosii.

A seguir, serão listados alguns temas que instigam discussões jurídicas relevantes no direito tributário brasileiro. Por ora, não serão apresentadas indicações de soluções para cada um desses temas; algumas dessas possíveis respostas serão discutidas em artigos subsequentes dessa série.

Tributos sobre o consumo

O ambiente de IoT envolve a integração de múltiplas atividades, de modo que numa mesma transação podem ser combinados tipos distintos de serviços, inclusive de comunicação e/ou Serviço de Valor Adicionado (SVA), além do fornecimento de mercadorias.

No caso de cobrança de um único preço para o desenvolvimento de diversas atividades em ambiente de IoT, a divisão desse “resultado econômico” entre os tributos sobre o consumo existentes, com competências distintas para sua cobrança, apresenta dificuldades. Imagine-se, por exemplo, que um determinado contribuinte realiza a venda de camisetas inteligentes para corrida, que sejam aptas a monitorar as condições vitais do atleta, informando os resultados por meio de aplicativos e, com isso, possam detectar o grau de desidratação do corredor e enviar mensagens para a geladeira do usuário, que, por sua vez, identifica se há estoque de determinada bebida isotônica e, se for o caso, solicita a reposição diretamente ao fornecedoriii. Nesse caso hipotético, o preço de venda da camiseta inclui não apenas o produto (físico), mas os serviços de transmissão de dados coletados e de análise desses dados por um provedor e pelo fornecedor da camiseta inteligente, da geladeira inteligente e de bebidas isotônicas, pelo prazo de doze meses. A repartição do preço único cobrado pelo contribuinte entre esses diversos tipos de transações possíveis no ambiente de IoT, bem assim a natureza de cada um dos serviços prestados, apresenta desafios complexos e inovadores para a discussão (atual) dos tributos incidentes nas transações que envolvem, a um mesmo tempo, a venda de mercadorias e a prestação de serviços, inclusive de comunicação e SVA.

Baseando-se nos mais modernos e distintos modelos de negócio, as atividades no ambiente de IoT envolvem, como regra geral, (a.) o fornecimento de dispositivos e/ou equipamentos que se (b.) conectam à internet, por meio de redes de telecomunicações para (c.) a transmissão de dados e informações monitoradas por referidos dispositivos. Essa gama de negócios dificulta a identificação da natureza da atividade-fim e, consequentemente, a definição do tratamento tributário aplicável. No Brasil, essa distinção torna-se particularmente relevante porque o fornecimento de mercadorias e os serviços de comunicação sujeitam-se à incidência de ICMS, de competência dos estadosiv, ao passo que a prestação de serviços em geral, inclusive SVA, sujeita-se ao ISS, de competência dos municípios.

Esse tipo de discussão a respeito da natureza das atividades desenvolvidas, que se reflete em conflitos de competência entre estados e municípios, mostra-se frequente, v.g., nas polêmicas envolvendo a tributação de (i.) provedores de acesso à internetv; (ii.) softwaresvi; (iii.) inserção de material publicitário em meio digitalvii, e, também, em transações envolvendo IoT. Veja-se, por exemplo, o seguinte caso real do direito norte-americano, envolvendo a Qualcomm Inc., empresa que oferece serviços de monitoramento de veículos para operadores de frotas de caminhõesviii. Os serviços prestados pela Qualcomm Inc. têm natureza diferenciada e permitem que os operadores obtenham diversas informações sobre os veículos da frota, como, v.g., localização, velocidade, funcionamento dos motores, grau de resfriamento das mercadorias, dentre outrasix. A natureza dos serviços prestados gerou discussões e a Qualcomm Inc. sofreu duas autuações tributárias, obtendo duas decisões diametralmente distintas: (1.) no Estado de Washington, entendeu-se que a Qualcomm Inc. seria provedora de acesso às redes de telecomunicação, assumindo-se que os usuários contratavam-na primordialmente para ter acesso a essas redes (e como consequência tinham acesso aos dados); entendeu-se, assim, que a Qualcomm Inc. deveria ser tributada como prestadora de serviços de telecomunicação; e (2.) no Estado do Tennessee, de outro lado, entendeu-se que os clientes da Qualcomm Inc. contratavam, na verdade, um serviço de rastreamento, e não um serviço de acesso às redes (que seria acessório); afastou-se, portanto, a cobrança de tributos relativos aos serviços de telecomunicação. As controvérsias a respeito da natureza das atividades e serviços desempenhados pelos contribuintes podem ser potencializadas no ambiente de IoT, que apresenta situações inovadoras e ainda não analisadas sob a perspectiva jurídico-tributária.

FONTE: JOTA