“Precisamos aprender a usar a impressão 3D para inovar

CORAÇÃO FEITO EM IMPRESSORA 3D (FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE)

Já se passaram 20 anos desde que a primeira impressora 3D chegou ao Brasil, mas o tema ganhou maior destaque só nos últimos anos. Para o especialista Jorge Lopes, professor de Design da PUC-Rio e coordenador do Núcleo de Experimentação Tridimensional (NEXT), chegamos agora a um ponto em que a tecnologia está madura o suficiente para gerar mais inovação e em mais áreas.

Segundo ele, as impressoras 3D que eram mais acessíveis até agora usavam filamentos, em sua maioria de plástico, como matéria-prima. Isso começou a mudar de um ano para cá, quando as máquinas que usam líquidos e pós para imprimir ficaram mais baratas. Com mais possibilidades e um melhor acabamento das peças, a tecnologia começa a mostrar todo o seu potencial. Já há pesquisas (antes impensáveis) sobre a impressão de órgãos humanos, por exemplo.

Neste sábado (05/05), Jorge Lopes irá participar do evento GloboNews Prisma, em São Paulo, onde dará a palestra “O que muda com a popularização da impressão 3D e a nova revolução industrial”.

Estamos falando há muitos anos sobre a impressão 3D. O que falta para essa tecnologia finalmente deslanchar?
Pois é, eu fui para os Estados Unidos comprar a primeira máquina de impressão 3D para trazer para o Brasil em 1997. É uma boa pergunta, mas grandes passos já foram dados. De cinco anos para cá, esse assunto começou a ficar mais popular. As tecnologias que foram mais disseminadas até hoje trabalham com um filamento, geralmente de plástico, mas hoje temos máquinas que usam também materiais em pó e líquidos. Essas são tecnologias mais precisas e que realmente fazem a diferença. E foi só de um ano para cá que elas começaram a ficar mais acessíveis. Isso, sim, vai mudar o cenário. Passamos a ter tecnologia de maior qualidade, com acabamento melhor.

É só uma questão de preço?
Não, outra coisa que avançou muito foi a capacidade computacional. Quando falamos em tecnologias como realidade aumentada, virtual e impressão 3D, há sempre uma raiz comum: dados matemáticos. Hoje, temos uma capacidade computacional muito mais alta, que nos permite fazer coisas que não conseguíamos fazer antes.

Como o Brasil se compara ao resto do mundo em impressão 3D?
A tecnologia já é popular em vários lugares do mundo. Acabei de voltar de um pós-doutorado na Austrália, e lá é uma coisa comum de se usar. No Brasil, acho que temos uma realidade mais de consumir do que produzir coisas. Ao se comprar uma impressora comum, será preciso comprar cartuchos para o resto da vida. Se você tiver uma impressora 3D só para consumir, ela vai ser só mais uma ferramenta. É importante usá-la para criar coisas.

Como essa tecnologia avançou nos últimos anos?
Todo ano eu vou nas feiras de impressoras 3D pelo mundo, e nesse ano vi em Frankfurt uma área só para impressoras que usam metal, que é uma área completamente diferente. As bioprinters começam a aparecer mais, com a impressão de material biológico. A gente ouve falar de pesquisas sobre a impressão de órgãos, o que é muito embrionário ainda, mas as aplicações potenciais são muitas. A medicina começa a se atentar para isso.

Qual a aplicação da impressão 3D na nova economia, com todo o movimento maker e os fab labs?
A relação com a inovação e com o movimento maker é muito estreita. Mas tudo tem a ver com cultura. Uma vez eu fui visitar Standford e uma professora me disse uma coisa que eu nunca mais esqueço. A gente estava falando sobre empreendedorismo, e ela me perguntou: ‘quando você era pequeno, te ensinaram a fazer limonada e vender na porta de casa, para entender o valor do dinheiro? Mais velho, você vendeu cookies pela vizinhança para aprender a negociar? Fez na garagem da sua casa o projeto da feira de ciência com as ferramentas do seu pai?’ Parece bobo, mas me impactou muito. Mais tarde, quando eu fiz doutorado na Inglaterra, eu ficava impressionado como as pessoas não cuidavam do laptop, mas depois entendi que o computador é uma ferramenta. Não é para ficar acariciando, limpando. Precisamos aprender a usar máquina como máquina. Para ter inovação, você não pode “endeusar” a ferramenta como fazemos muitas vezes por aqui. É preciso ter novas abordagens para desenvolver processos e serviços. É preciso experimentar. É tentativa e erro.

A lógica de trabalho precisa mudar por aqui?
Hoje temos uma tecnologia que nos permite materializar coisas. É a lógica do empoderamento. Se você tem a ideia de criar uma caneta com iluminação, pode ir lá e fazer. Qualquer um consegue testar ideias e prová-las, sem precisar de uma grande estrutura para isso. Abre-se um leque de inovação que a gente não tinha antes. A ideia do fab lab é essa, disponibilizar as ferramentas para qualquer um mexer. É um espaço onde você pode desenvolver a sua ideia. Além da impressora 3D, há o Arduino, que são placas de circuitos eletrônicos acessíveis e fáceis de usar. Tudo isso alavanca projetos inovadores.

Como podemos trazer essa cultura para o Brasil?
A base de tudo isso é a educação. Não gosto de falar que as coisas não funcionam por aqui. Temos coisas incríveis. Mas precisamos incentivar mais as feiras de ciências, ter mais crianças se desenvolvendo na área. Dessa forma, elas começam desde cedo a entender a maneira como as coisas são feitas. E precisamos valorizar e incentivar o erro e a experimentação.

FONTE: ÉPOCA