‘Poupanças por assinatura’ ganham popularidade e turbinam seus serviços. Mas elas valem a pena?

Nelas, clientes escolhem quanto querem poupar mensalmente e fintechs cobram automaticamente no cartão de crédito.

Para conseguir juntar dinheiro com disciplina, muitos planejadores financeiros sugerem que as pessoas sigam a tática do “se pagar primeiro”. Ou seja, separar mensalmente uma parte da sua renda para investir e fazer isso de forma recorrente, como se aquele compromisso fosse uma conta mensal. Na prática, no entanto, muita gente não consegue seguir o ensinamento à risca. Há quem prefira juntar o que sobra ou o que consegue ao longo do mês, mas vários imprevistos podem impedir que isso aconteça. Para atender ao público que passa por isso, surgiram fintechs que oferecem serviços que funcionam como “poupanças por assinatura”. Essas companhias têm ganhado cada vez mais apelo e popularidade e, assim, elas passaram a “turbinar seus serviços” com novas funções e produtos. Mas será que eles valem a pena?

Primeiro é preciso entender como uma “poupança por assinatura” funciona. Nela, o cliente abre uma conta em um aplicativo ou site e escolhe qual modelo de “assinatura” ele quer. Ele decide, por exemplo, quanto quer juntar por mês ou por semana. A fintech, por sua vez, fica responsável por fazer aquela cobrança no cartão de crédito do usuário, com o valor e recorrência escolhidos por ele.

Mas o serviço não se resume apenas à programação dos aportes (afinal, os próprios bancos disponibilizam investimentos automáticos na poupança). Um dos “pulos do gato” está em oferecer aos clientes um rendimento maior do que o da caderneta. A rentabilidade é de 100% do CDI (taxa que segue bem de perto a Selic, atualmente fixada em 13,75% ao ano).

Portanto, investir em um produto como esse renderia, por ano, em torno de 13,75% ao ano, ou 1,14% ao mês (caso a Selic siga no mesmo patamar, é claro). A caderneta de poupança, por sua vez, rende atualmente cerca de 0,5% ao mês mais a Taxa Referencial (cerca de 2% ao ano).

Outra vantagem, segundo as empresas que prestam esses serviços, está no uso do cartão de crédito. Afinal de contas, a ideia é que o cliente ganhe pontos ou milhas ao mesmo tempo em que junta dinheiro.

Para Paula Sauer, planejadora financeira pela Planejar, Associação Brasileira de Planejamento Financeiro, um dos principais benefícios desses serviços é justamente ajudar na disciplina do cliente. Ela explica que o recurso captado via cartão de crédito pode, muitas vezes, passar despercebido pelo cliente e, por isso, não gera a sensação de que ele está “gastando” ou “deixando de consumir”.

“Uma coisa importante de ressaltar é que esse recurso que é captado e debitado da fatura do cartão se beneficia daquilo que chamamos de ‘dinheiro invisível‘. Ou seja, da mesma forma que gastamos com compras sem perceber porque com o cartão não vemos o dinheiro efetivamente saindo do bolso, quando você faz uma aplicação programada debitando direto do cartão, esse benefício também acontece. Então, além da vantagem de ser algo programado, outro benefício é que o valor sai direto do cartão para conta e você não sente a ‘dor do pagamento’, a sensação de ter deixado de consumir com aquele dinheiro, porque mal sentiu ele saindo”, afirma.

Por outro lado, ela reforça que em um modelo assim, caso o cliente tenha algum problema específico em um mês e não consiga juntar, o dinheiro pode ser debitado na fatura do cartão do mesmo jeito, o que pode levar aquele cliente a se enrolar financeiramente. Apesar de as fintechs darem a possibilidade de o cliente cancelar ou pausar os aportes, caso isso não seja feito a tempo, a compra no cartão será feita da mesma forma.

Gilmar Santos é cliente da Poupou, uma das empresas que oferece essas “assinaturas de poupança”, há cerca de sete meses. Ele afirma que optou pela modalidade porque antes não investia em lugar nenhum, mas queria fazer uma economia de maneira mais facilitada. Seu objetivo é comprar um carro com o dinheiro investido.

Para ele, as principais vantagens do serviço são o rendimento próximo da Selic e o fato de a cobrança ser feita no cartão de crédito, o que facilita o investimento. “Caso você não tenha o dinheiro em espécie na hora, você usa o crédito do cartão para fazer essa reserva”, afirma.

Como essas empresas funcionam?

A Poupou funciona desde abril de 2022. Para usá-la, o cliente precisa se cadastrar no aplicativo ou no site. A partir daí, ele decide se vai fazer aportes esporádicos ou se vai optar pelo aporte mensal via cartão de crédito, que pode ser de R$ 10 a R$ 150, limitados a R$ 300 mensais. Caso queira, o cliente também pode fazer mais R$ 150 de aportes mensais via pix. Ao todo, ele pode juntar até R$ 450 por mês na sua conta da Poupou.

O dinheiro aplicado pelo cliente é investido pela fintech em ativos de renda fixa como CDBs (títulos em que o investidor “empresta dinheiro” para um banco em troca de uma remuneração) e em Tesouro Selic, títulos públicos que rendem praticamente o mesmo que a taxa básica de juros.

Segundo Daniel Santos, fundador da fintech, os aportes são feitos em diferentes CBDs para garantir que haja uma cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)Esse “seguro” para investimentos tem o limite de R$ 250 mil por investidor. Como os aportes são feitos em nome da Poupou, caso todo o montante fosse aplicado em apenas um CDB, por exemplo, e aquele banco “desse calote”, o máximo que a Poupou poderia ter de volta é R$ 250 mil, que teria que ser dividido entre todos os seus usuários. Ao investir em vários títulos, a companhia consegue ter acesso a vários seguros do FGC.

O executivo conta que a fintech não cobra nada dos usuários pelo serviço básico. Mas, devido ao sucesso visto no último ano, a ideia é que em breve seja lançado um serviço “premium” com produtos que tenham rentabilidades maiores – e, consequentemente, seja cobrada uma taxa do investidor por esse serviço.

No caso da Monis, que afirma ter sido a primeira fintech a oferecer serviços desse tipoé cobrado do cliente uma taxa de 3% do investimento mensal. Portanto, caso o usuário opte por fazer aportes mensais de R$ 100, é cobrado do cartão dele R$ 103.

Na Monis, a adesão à “assinatura” é feita pelo aplicativo da companhia. O cliente faz um cadastro com seus dados pessoais e os dados do seu cartão de crédito. A partir daí, o usuário escolhe o quanto ele quer poupar semanalmente. O valores podem ir de R$ 25 a R$ 2.000. No final do mês, aparece na fatura do cartão de crédito os quatro pagamentos semanais feitos à Monis. Quem quiser, no entanto, pode fazer depósitos extras por meio de transferência ou pix. Diferentemente da Poupou, o dinheiro aplicado na Monis é destinado a um CDB do C6 Bank. O rendimento também é de 100% do CDI.

Assim como na Poupou, o sucesso da Monis fez com que a companhia pensasse em outras frentes de serviços especialmente voltados para o seu público. Segundo André Vilar, cofundador da empresa, uma das principais metas de quem aporta dinheiro na Monis é fazer uma viagem e o prazo para isso se concretizar é relativamente curto, em uma média de dois anos.

Assim, a companhia fechou uma parceria com as empresas de programas de pontos Livelo e Esfera para oferecer um segundo tipo de serviço. Nele, os clientes fazem os aportes semanais via cartão assim como no outro plano. No entanto, metade do valor vai para o investimento e a outra metade é usada para comprar pontos das parceiras.

No caso da Monis, a monetização da companhia acontece de duas formas. A primeira é pelas taxas pagas pelos usuários no plano mais comumA segunda é por meio da diferença de preço paga pelos pontos junto às parceiras. Segundo Vilar, a Monis consegue comprar os pontos junto à Livelo e à Esfera “a preço de atacado” e repassá-los um pouco mais caros aos clientes. Ainda assim, o executivo garante que os preços repassados ao consumidor são quase metade do que os clientes pagariam pelos pontos se os comprassem por conta própria, sem a intervenção da Monis.

Já a monetização da Poupou acontece pela diferença que se dá entre o rendimento dos títulos que ela aplica e o que repassa ao cliente. Santos explica que, devido ao alto volume transacionado, a Poupou consegue aplicar em títulos que rendem mais do que 100% do CDI (e, consequentemente, exigem aportes mínimos mais altos). Assim, a “diferença” do rendimento fica com a companhia.

O rendimento vale a pena?

Com os juros na casa de 13,75% ao ano, o rendimento dos produtos oferecidos pela Monis e pela Poupou supera a inflação (ou seja, os investidores têm “ganhos reais”) e é maior do que o da poupança. Por outro lado, é bem verdade que investidores conseguiriam, por conta própria, investir em produtos que ofereçam o mesmo retorno. Ou até maiores.

Paula Sauer, planejadora financeira, reforça que investidores que têm dinheiro para aportar, por exemplo, R$ 1 mil por semana (como há a opção da Monis), conseguiriam ter acesso a investimentos muito mais rentáveis aplicando sozinhos,

Porém, segundo as próprias fintechs, o objetivo delas vai além do rendimento e o principal foco é na disciplina. Vilar explica, por exemplo, que a Monis não é “rival” dos bancos ou corretoras, mas sim um serviço complementar. Ele conta, inclusive, que a maior parte do público da fintech é das classes A e B.

“Nosso foco é maior nas mecânicas de guardar e nas vantagens de fazer isso de forma automática do que especificamente no rendimento”, afirma. “Até por isso, nossa intenção é focar mais na geração de valor daquele serviço e em como ele ajuda na realização dos sonhos de quem usa, do que criar investimentos e novas formas de ganhar mais”, diz.

Santos, da Poupou, tem uma visão parecida. Ele conta que certa vez uma cliente questionou sobre o rendimento ser relativamente baixo. “Mas falei para ela que é melhor ter pouco hoje do que nada amanhã e ela entendeu a importância de começar a juntar. Hoje, ela aporta conosco R$ 150 por mês”, diz.

Vilar, da Monis, complementa reforçando que o público da fintech espera usar aquele dinheiro guardado em até dois anos e que, por isso, o mais importante não é o rendimento, mas sim conseguir ir juntando. “Em ‘sonhos’ de até 2 anos o impacto mais importante é o aporte e não o rendimento. Então, nos focamos em ajudar a pessoa a ter esse hábito”, diz.

Para o professor Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), o surgimento de fintechs desse tipo é uma evidência da forte demanda que há por esse tipo de produto.

Os modelos tradicionais de economia não capturam todas as formas de poupança e eles pressupõem que, se a pessoa poupa é para o longo prazo, para se aposentar. Mas, na prática, as pessoas poupam por diversas razões e uma muito forte é a realização de algum sonho ou objetivo específico. Algumas pessoas poupam pensando no bem estar da família, na segurança lá na frente, em realizar sonhos como o consumo de um bem durável ou fazer uma viagem. Os modelos de negócios precisam estar atentos a esses diferentes perfis que levam as pessoas a pouparem e o que estamos vendo é isso”, diz.

Por isso, é possível que fintechs com modelos que partam do mesmo princípio continuem surgindo daqui pra frente. Assim como também é provável que essas companhias agreguem cada vez mais serviços em suas plataformas. Caberá ao investidor, no entanto, avaliar se aquele realmente é o melhor produto para ele.

FONTE: https://valorinveste.globo.com/objetivo/hora-de-investir/noticia/2023/02/06/poupancas-por-assinatura-ganham-popularidade-e-turbinam-seus-servicos-mas-elas-valem-a-pena.ghtml