Por que a Suíça é o novo polo mundial das fintechs

Vista de Zurique, na Suíça: país lidera o crescimento do setor de criptomoedas e tem atraído startups de todo o mundo (Denis Linine/Getty Images)

Se no Brasil o uso de bitcoins ainda é desconhecido por parte da população, na Suíça já é possível até pagar impostos com a moeda virtual em algumas cidades. No ano passado, a cidade de Zug, a 30 quilômetros de Zurique, foi a primeira do mundo a aceitar bitcoins como forma de pagamento para alguns serviços públicos. Já Chiasso, cidade na parte italiana da Suíça, passará a aceitar, em 2018, transações feitas com a moeda para o pagamento de impostos que não ultrapassem 250 francos suíços. Não é surpresa, portanto, que o país tenha se tornado um polo mundial para as fintechs que trabalham com criptomoedas.

Hoje, no mundo, são feitas cerca de 12 000 transações financeiras com criptomoedas por hora. Mas elas ainda enfrentam diferentes graus de regulamentação em cada país – o uso é irrestrito em apenas 96 deles. É a Suíça que lidera o crescimento do setor e tem atraído startups para seu Crypto Valley, região do país que ficou conhecida por aglutinar empresas do setor e se tornou referência de ambiente propício à inovação. O motivo: a eliminação de barreiras nos regulamentos em torno das moedas digitais.

As Sandbox, criadas pelo governo, ilustram o incentivo. São as chamadas “caixas de areia”, em que startups e pequenas empresas que acumularam menos de 1 milhão de francos suíços (correspondente a cerca 1 milhão de dólares) em fundos de terceiros podem testar suas ideias sem as rígidas normas do setor bancário. “O setor de fintech está muito relacionado com a questão regulatória e, para crescer, precisa estar em um local favorável”, explica Cassio Spina, investidor anjo da Anjos do Brasil. “Na Suíça, juntam-se esse ambiente e a tradição no sistema financeiro e bancário.”

Até as universidades entraram no jogo: a Lucerne University of Applied Sciences and Arts já aceita pagamentos em bitcoins. Como parte da Associação Crypto Valley, organização composta por um grupo dedicado de empresas e startups que usam blockchain (tecnologia capaz de registrar as transações com bitcoins), a universidade tem várias iniciativas sobre o tema, como uma solução de identidade eletrônica. Parcerias como essa, entre instituições e empresas, são comuns por lá.

De olho nesse ecossistema, Thiago Cesar, 28 anos, começou a pensar em levar sua startup, a Bit One, para o país. A empresa oferece tecnologia para que e-commerces usem bitcoins como forma de pagamento em suas vendas. “O mercado de criptomoedas não é regulado no Brasil, então há muita incerteza jurídica”, afirma Cesar. “Fomos chamados pelo Banco Central para conversar e eles pediram para buscarmos em algum lugar do mundo um exemplo regulatório para a empresa funcionar.”

Foi quando o empresário olhou para a jurisdição da Suíça e encontrou um ambiente favorável. Em julho de 2017, ele abriu uma empresa no país que comprou a operação brasileira. Ou seja, hoje, a Bit One é uma empresa Suíça que quer usar a plataforma do país europeu para ganhar o mundo. Segundo Thomas Puschmann, diretor da Associação Suíça de Fintech e membro do Conselho Suíço de Inovação, as empresas brasileiras têm ganhado espaço por lá. “Nós temos dois grandes programas de aceleração na Suíça, e o Brasil está em segundo lugar no ranking de inscrições de um deles”, conta.

Outro ponto de destaque é a mão de obra qualificada e de alto padrão. Em 2015, a Suíça ficou em primeiro lugar no ranking de países com maior capacidade para desenvolver, atrair e reter talentos, segundo estudo realizado pela escola de negócios International Institute for Management Development (IMD).

Entre os diferenciais, Puschmann destaca outro importante: como o país é pequeno, fazer contatos é mais fácil do que no Brasil. A proximidade com reguladores foi um dos atrativos na decisão de Cesar. “Mandei um e-mail para um deputado e, em três horas, ele me respondeu, me convidou para um café e me recebeu, queria me convencer a levar meu negócio para o cantão dele”, conta.

“Na Suíça, o legislador tem uma pegada de negócios interessante e que não existe no Brasil.” Criar uma boa rede de contatos é, inclusive, uma das dicas para quem pensa em ir para lá. “O setor bancário é muito desenvolvido, mas tradicional”, explica. “É importante ter cartas de recomendação. Antes de ir, é bom buscar o Consulado, deputados e outros contatos.” É nesse espírito de cooperação público-privada que o Consulado Suíço em São Paulo tem um serviço gratuito de assistência a empresas interessadas em se instalar no país.

A empresa de Edmilson Rodrigues, 32, que conecta investidores a empresas de crédito, buscou a Associação Crypto Valley. Após instalar a operação na Suíça neste ano, a startup deve fazer seu ICO em 2018, uma operação semelhante a crowdfundings, mas com moedas digitais.

“Buscamos a Suíça porque os impostos são mais baixos que nos Estados Unidos”, afirma. “Eles já têm uma legislação para empresas e investidores que querem fazer criptomoedas.” A concorrência é maior, mas, para Rodrigues, isso quer dizer que o mercado tem potencial. “A impressão é que os EUA não serão muito amigáveis com a regulação nesse tema, e outros lugares, como Singapura, se tornam menos interessantes pela localização.”

Para Marc Lussy, sócio da fintech europeia IBO e representante da F10, principal aceleradora de fintechs da Suíça ligada à bolsa de valores do país, brasileiros e suíços têm muito a ganhar com a troca de experiência. “São dois países diferentes que precisam trabalhar mais juntos, porque, em fintechs, falamos a mesma língua”, afirma. “Os brasileiros são bons em inovar, mas têm problemas para a implementação, o que podem aprender com os suíços.”

 
FONTE: EXAME