Por que startups e big techs estão demitindo – e o que esperar do setor em 2023

PEGN conversou com especialistas do segmento para entender as origens da situação atual e antecipar o que pode acontecer nos próximos meses.

O movimento de demissões em big techs e startups que despontou em 2022 segue acontecendo em 2023. A última semana foi marcada pelo anúncio do corte de mais de 30 mil funcionários de empresas como Google, Microsoft, Amazon e Salesforce. No ecossistema de inovação brasileiro, 2 mil pessoas já foram demitidas de startups como 99, Unico, PagBank e Pier, apenas neste ano, segundo levantamento do Layoffs Brasil.

Se a tecnologia é vista como o futuro, o que as demissões querem dizer? PEGN conversou com especialistas do setor para entender as origens da situação atual e tentar prever o que esperar em 2023.

O que está por trás das demissões

Depois de anos de juros baixos, a pandemia de covid-19 trouxe um impacto à cadeia de produção com a necessidade de interromper as atividades para conter o vírus. Para incentivar o crescimento da economia, os bancos centrais de diferentes países injetaram liquidez para gerar consumo. Com o dinheiro mais barato, investir em ações e startups, por exemplo, ficou mais atraente. A economia mais aquecida, porém, levou ao aumento da inflação. Os governos precisaram subir os juros para controlar a situação, tornando o investimento de risco menos atrativo e afugentando os investidores para ativos mais seguros, como a renda fixa.

Startups dependem de capital externo para escalar o negócio rapidamente, e muitas surfaram a onda do investimento abundante em 2021, ano em que o ecossistema brasileiro registrou recorde de captação: foram levantados US$ 9,43 bilhões, mais do que o dobro captado em 2020, segundo a plataforma de inovação Distrito. Com o dinheiro tornando-se mais escasso no ano passado, algumas empresas iniciaram movimentos de cortes de funcionários. Sem a melhora do cenário neste início de ano, as demissões seguem acontecendo, com um reajuste pautado por uma expectativa de crescimento mais fraco da economia.

“Algumas startups ainda estavam capitalizadas no ano passado, outras queimaram um pouco de caixa, mas o mercado não voltou tão rápido quanto o esperado. É preciso organizar as contas para o caso de não conseguir captar uma rodada em breve”, pontua Thomaz Martins, coordenador do centro de empreendedorismo do Insper.

Gustavo Gierun, CEO e cofundador do Distrito, concorda. “Acompanhamos uma série de empresas ajustando as suas operações no segundo semestre de 2022, mas já sabíamos que muitas delas, que haviam captado no final de 2021 e início de 2022, iriam postergar ao máximo o movimento. Diante de um cenário ainda incerto e com pouca probabilidade de acesso a novo capital, veremos mais empresas buscando uma maior sustentabilidade financeira.”

Ainda que as grandes empresas de tecnologia não dependam mais do capital de investidores para sobreviver, operações em Bolsa também envolvem risco. Quando investir em ações deixa de ser um bom negócio, o preço delas cai. O que acontece em seguida é um efeito cascata: para quem está próximo de abrir o capital, a ideia se torna menos atraente. Para o investidor late stage, aportar capital visando o exit também deixa de parecer uma boa aposta.

Soma-se a isso o fato de que as chamadas big techs se organizaram para atender uma demanda inflada que surgiu na pandemia. Com a inflação e o encarecimento de produtos e serviços, a procura também caiu, e manter equipes trabalhando em novas soluções e testando projetos que ainda não trazem retorno afeta a sustentabilidade da empresa.

Planejamento é a palavra-chave

Janeiro é o mês em que boa parte das empresas fecha os balanços do ano anterior e faz o planejamento para um novo ciclo. Por causa do cenário econômico instável, a máxima é rever os custos na ponta do lápis, reduzindo o que for possível. Martins explica: “Busca-se uma estrutura de custos enxuta para garantir um runway mais prolongado para manter a operação até ser possível vislumbrar investimento e crescimento”.

Na opinião de Pedro Carneiro, sócio e diretor de investimentos da holding de inovação ACE, as demissões acontecem de forma antecipada e com a dispensa de mais pessoas do que o necessário naquele momento. “Para não precisar fazer novamente daqui a três meses, antecipa-se o movimento, porque demissões frequentes prejudicam o moral do time.” Não foi o que aconteceu, porém, em unicórnios como Loft e Unico, que realizaram rodadas de demissões com poucos meses de diferença.

Renan Pieri, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), concorda que os ajustes consideram o pior cenário possível. “Pode ser que muitas demissões sejam revistas e, no futuro próximo, as empresas voltem a contratar, caso verifiquem que a expectativa negativa não se concretizou”, declara.

Impacto na força de trabalho

Nos últimos anos, as startups enfrentaram dificuldades para preencher as posições que dependiam de qualificação, como desenvolvedores e programadores responsáveis pela criação das soluções. Isso acontecia porque a escassez de profissionais especializados gerou salários inchados, o que afetou a contratação por startups no início da jornada, sem muito capital para atrair mão de obra qualificada.

No cenário atual, os layoffs podem se apresentar como uma oportunidade de ampliar o time de empresas menores e gerar o crescimento necessário para escalar o negócio. “Empresas grandes estão demitindo, mas não é um movimento do setor como um todo. Muitas startups pequenas e médias seguem crescendo e contratando, além das empresas estrangeiras contratando profissionais brasileiros”, pontua Felipe Matos, vice-presidente da Associação Brasileira de Startups (Abstartups).

O momento também se apresenta como oportuno para criar novos negócios. De momentos de crises já surgiram grandes unicórnios: Uber, Airbnb e Spotify foram fundados após 2008, por exemplo. Para Carneiro, essa é a hora de inovar, porque a concorrência está mais cautelosa. “Nos últimos dois anos, havia um risco real para o empreendedor de criar uma solução e uma grande empresa inventar um produto igual, investindo milhões. Agora, as empresas estão mais austeras, o risco diminui bastante”, afirma.

O que esperar em 2023?

Com menor liquidez e juros altos, o apetite ao risco deve permanecer baixo neste ano. Porém, na opinião de Gierun, o cenário não é tão negativo quanto parece. “Os juros não cairão tão cedo, mas os fundos de venture capital estão altamente capitalizados e ainda existe apetite por soluções inovadoras”, diz.

Para Martins, o chamado inverno das startups trouxe grandes aprendizados para investidores e empreendedores. “Fundos e startups estão mais diligentes, olhando para métricas, equilibrando contas. Está melhorando a curva, apesar de não achar que teremos rodadas como em 2021. Talvez vejamos mais layoffs ao longo do ano, mas até o fim de 2023 deve haver mais equilíbrio”, prevê.

Matos acrescenta que o cenário depende da economia no país e no mundo. “Depende de como vai andar, se teremos baixo crescimento e até recessão, ou se vai ser um ano de mais vendas e aumento dos times”, finaliza.

FONTE: https://revistapegn.globo.com/startups/noticia/2023/01/por-que-startups-e-big-techs-estao-demitindo-e-o-que-esperar-do-setor-em-2023.ghtml